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Vacinas contra a covid-19 salvaram até 63 mil idosos nos primeiros oito meses da campanha de imunização no Brasil, indica estudo

Artigo de pesquisadores do Observatório Covid-19 BR, com participação de cientistas da Unesp, Fiocruz, Unicamp, UFABC e USP, estima que até 178 mil hospitalizações de idosos foram evitadas com as vacinas e dimensiona benefícios para a população se campanha de vacinação tivesse se iniciado em um ritmo mais acelerado

 21/11/2022 - Publicado há 1 ano

Texto: Redação

Arte: Rebeca Fonseca

Um artigo científico escrito por pesquisadores do Observatório Covid-19 BR, com participação de cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do ABC (UFABC) e USP faz uma análise estatística apurada para dimensionar, em números, o papel fundamental da vacinação em massa contra a covid-19 e a eficácia desta estratégia sanitária implementada em meio a muita desinformação e hesitação ao longo da crise sanitária instalada no Brasil.

A análise feita no trabalho indica que, em estimativas consideradas conservadoras pelos autores, as vacinas contra a doença causada pelo sars-cov-2 salvaram de 54 mil a 63 mil vidas de idosos com 60 anos ou mais de janeiro a agosto de 2021. Neste mesmo período, a imunização também evitou de 158 mil a 178 mil internações de idosos nos hospitais brasileiros. O artigo Estimating the impact of implementation and timing of the COVID-19 vaccination programme in Brazil: a counterfactual analysis, disponível online a partir de 21 de novembro, é um dos destaques da edição do prestigioso periódico The Lancet Regional Health Americas, da Elsevier. 

Para chegar a estes números, os pesquisadores se concentraram nos primeiros meses em que as vacinas começaram a ser aplicadas no País e nas faixas etárias dos idosos, os primeiros a completarem o esquema vacinal pelo calendário do programa de imunização. Ao traçarem a curva de mortes e hospitalizações por covid-19 na população brasileira, sobrepondo-a à curva similar nos grupos de idosos que estavam sendo imunizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2021, ficou evidente a correlação positiva entre vacinação e prevenção de mortes e casos graves: quanto mais crescia a cobertura vacinal nos idosos, mais se reduzia o impacto da covid-19 nesses grupos com 60 anos ou mais.

Casos de morte e de hospitalização de idosos por covid-19 entre janeiro e setembro de 2021 seriam maiores sem a imunização - Foto: Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp

Com o modelo de análise contrafactual construído, assumindo que a imunização está diretamente relacionada à queda de casos graves e mortes e que a exposição à infecção pelo sars-cov-2 era a mesma para todas as faixas etárias ao longo do período analisado, foram construídos cenários distintos de forma a compará-los com um suposto cenário de ausência total de imunização. Daí foi possível observar uma redução de aproximadamente 35% nas internações hospitalares de idosos de janeiro a agosto de 2021. Tomando-se por base que cada pessoa hospitalizada teve, durante a pandemia, um custo médio no Brasil de US$ 12 mil, evitar de 158 mil a 178 mil internações representou uma economia estimada em uma faixa de valores de US$ 1,9 bilhão a US$ 2,1 bilhões ao sistema de saúde, impacto comparado pelos pesquisadores no artigo aos US$ 2,2 bilhões investidos em imunizantes pelo País no período analisado, até agosto de 2021. 

“Nosso modelo parte do princípio de que o comportamento da epidemia, nas diversas faixas etárias, é o mesmo. Não no sentido que eles tenham o mesmo número de casos, mas que eles têm o mesmo comportamento de subida e descida, mais ou menos no mesmo momento. Se a gente pega uma faixa etária que não está recebendo a vacina naquele momento e compara com uma faixa etária que está recebendo a vacina, há diferença neste comportamento. O número de casos graves em idosos começou a descer, enquanto o número de hospitalizações em pessoas mais jovens continuava a subir. Este comportamento é devido à vacinação naquela população. Esta é a variável explicativa para a diferença entre essas duas faixas etárias”, diz o pesquisador Leonardo Souto Ferreira, primeiro autor do artigo e pesquisador do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp. “O fato de as vacinas terem feito diferença é algo incontestável.” 

Leonardo Souto – Foto: Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp

Mais vidas poderiam ter sido salvas

O estudo vai além de quantificar o número de vidas salvas pelas vacinas no Brasil. A análise dos pesquisadores construiu outros dois cenários para dimensionar quantas vidas poderiam ter sido salvas e quantas hospitalizações poderiam ter sido evitadas caso a vacinação em massa contra a covid-19 começasse com o ritmo de aplicação de doses mais acelerado, como o verificado quatro semanas depois e oito semanas depois da data inicial da imunização, em 18 de janeiro de 2021. Esses cenários são descritos como de moderada e alta aceleração da imunização, respectivamente.

Embora tenha se iniciado em janeiro, a imunização no Brasil foi ganhando escala aos poucos: 250 mil doses por dia foram atingidas entre fevereiro e março, o patamar de 500 mil doses diárias foi alcançado entre abril e maio e o ritmo de 1 milhão de doses por dia se consumou em junho de 2021. Se o ritmo de aplicação de doses da campanha de imunização fosse aquele verificado oito semanas depois de seu início, por exemplo, o número de mortes de idosos poderia ter sido de 40% a 50% menor em relação àquele observado no pico da variante de preocupação (VOC) Gama do sars-cov-2, segundo o estudo. As estimativas indicam que outras 47 mil vidas de idosos poderiam ter sido salvas e aproximadamente um adicional de 104 mil hospitalizações poderia ter sido evitado num cenário de maior aceleração das imunizações. A disseminação da variante Gama foi marcada por uma dramática crise sanitária em Manaus, no Amazonas, em janeiro do ano passado e determinou atitudes mais extremas por parte de alguns agentes públicos, como o lockdown decretado em fevereiro na cidade de Araraquara (SP).

“Ainda que não pudéssemos evitar a emergência da variante Gama, visto que ela surgiu em novembro e as vacinas foram disponibilizadas em janeiro, uma vacinação rápida poderia diminuir consideravelmente o pico de hospitalizações e óbitos, especialmente entre idosos e principalmente nos Estados em que a Gama demorou um pouco para chegar”, afirma a pesquisadora e coautora do artigo Flávia Maria Darcie Marquitti, do Instituto de Física Gleb Wataghin e do Instituto de Biologia, ambos da Unicamp. 

O estudo destaca que, em meados de 2021, a imunização da população brasileira cumpriu um “papel decisivo” para impedir uma nova onda severa de hospitalizações e mortes quando outra variante de preocupação do sars-cov-2, a Delta, começou a se disseminar pelo País e tornar-se predominante. Àquela altura, a vacinação já estava em ritmo bastante acelerado, similar ao de campanhas anteriores, como na aplicação de doses contra o vírus H1N1, em 2010, quando o SUS vacinou 88 milhões de pessoas em três meses. “Quando a Delta chegou, encontrou dificuldade maior de circular”, diz Marcelo Gomes, coautor do estudo e pesquisador da Fiocruz.

Flávia Maria Darcie Marquitti – Foto: Currículo Lattes

Os pesquisadores destacam que as vacinas de primeira geração contra a covid-19 permitem que o nosso organismo “aprenda” sobre determinado vírus sem que a pessoa sofra o impacto da infecção trazida por ele, evitando o risco de agravamento e de morte. “Isso precisa ficar muito claro para a nossa população. As vacinas têm um impacto social tremendo, não só direto quanto indireto. Quanto menor for o número de internações, melhor podemos alocar os recursos para atender aqueles que ainda assim acabam agravando ou que sofrem de outras doenças”, pontua Marcelo Gomes. 

Apesar de o estudo se concentrar na população acima dos 60 anos, para os pesquisadores ele dialoga com a questão da vacinação infantil. Aprovada na segunda quinzena de dezembro de 2021, a imunização do público de 5 a 11 anos foi iniciada na segunda quinzena de janeiro de 2022, coincidindo com o pico da variante Ômicron do sars-cov-2. Os questionamentos criados em torno da vacinação infantil contribuíram para o que os pesquisadores chamam de “hesitação vacinal”, ou seja, dúvidas por parte da população em relação à segurança e à eficácia dos imunizantes.

Marcelo Gomes – Foto: Reprodução/Twitter

Desde o início da pandemia, em março de 2020, a covid-19 já causou a morte de cerca de 689 mil pessoas no País.

Os autores do paper que está sendo publicado na The Lancet Regional Health Americas tiveram apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Inova Fiocruz. 

Por Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp


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