Pesquisas sobre uma possível vacina contra a covid-19 continuam avançando – Ilustração Luana Franzão / Jornal da USP

Vacina em spray, com aplicação no nariz, será testada contra a covid-19

Empresa farmacêutica desenvolverá os protótipos;
testes em camundongos devem começar em até três meses

Por Fabiana Mariz
Arte: Luana Franzão
05/06/2020

Uma vacina por spray nasal é a nova aposta da USP contra a covid-19. O modelo de imunização, já testado em camundongos contra hepatite B, foi redirecionado para tentar frear a disseminação do SarS-Cov-2.

A equipe, coordenada pelo médico veterinário Marco Antonio Stephano, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, desenvolveu uma nanopartícula a partir de uma substância natural. Dentro dela, foi colocada uma proteína do vírus. Uma vez administrada, dentro das narinas, espera-se que o corpo produza a IgA secretora – anticorpos presentes na saliva, na lágrima, no colostro e em superfícies do trato respiratório, intestino e útero. “Além de inibir a entrada do patógeno na célula, a vacina impedirá a colonização deles no local da aplicação”, explica Stephano ao Jornal da USP.

A nanopartícula criada pelos pesquisadores possui propriedade muco-adesiva, ou seja, permite que o material permaneça nas narinas de 3 a 4 horas até ser absorvido pelo organismo e ativar a resposta imune. Essa especificidade impede, também, que o antígeno seja expelido pelo organismo por meio de espirros.

Via de imunização

Exames para covid-19 realizados no Laboratório de Vírus e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz – Foto: Fundação Oswaldo Cruz

A imunoglobulina A (IgA) é um anticorpo produzido por plasmócitos – células de defesa diferenciadas a partir dos linfócitos B – quando há um agente invasor, juntamente com outras imunogloblinas, como a IgG. Já a IGA secretora (sIgA) é a imunoglobulina A presente nas secreções e superfícies dos organismos e, devido ao componente secretor, tem a capacidade de atravessar as membranas das mucosas. Desta forma, a IgAs torna-se o primeiro anticorpo a neutralizar o vírus.

Stephano trabalha no desenvolvimento de modelos vacinais na USP desde 2009. O primeiro foi desenhado para imunizar filhotes de cães contra a parvovirose. “Pensamos nos animais que ficam desprotegidos do desmame até a primeira dose da vacina injetável v8, aplicada aos 40 dias de vida”, diz o veterinário.

Logo depois, um aluno de doutorado procurou o pesquisador com a ideia de produzir uma vacina contra a hepatite B. “Testamos em camundongos e, depois de 15 dias, eles estavam imunizados”, comemora. A tecnologia serviu de base para o desenvolvimento da vacina contra a covid-19.

Stephano diz que os protótipos devem ficar prontos em três meses, quando será possível iniciar os testes em animais.

Vantagens

A imunização nasal traz vantagens em relação às vacinas injetáveis. É bem aceita por crianças e idosos, não é invasiva e tem menos reações ou efeitos colaterais. “Sempre que se pensa em infecções respiratórias, acreditamos que uma vacina com esse tipo de abordagem é melhor, pois ela gera imunidade no local da aplicação e produz IgA”, explica ao Jornal da USP a imunologista Cristina Bonorino, da Sociedade Brasileira de Imunologia e professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

Virologistas e imunologistas do Instituto de Ciências Biomédicas, especialistas em nanotecnologia do Instituto de Química da USP, pesquisadores da Plataforma Científica Pasteur-USP, da Unicamp, além de uma startup estão envolvidas no projeto. Para garantir a imunização, serão necessárias quatro doses – duas em cada narina, a cada 15 dias.

Os pesquisadores estimam que o produto seja repassado ao público a um custo de R$ 100 reais. “Temos todos os atores necessários para que ele se torne realidade”, finaliza Stephano.

Segundo a OMS, existem pelo menos 100 vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento no mundo. Algumas delas já se encontram na fase de testes clínicos.

Imunidade coletiva - ou de rebanho

Imunidade coletiva, popularmente conhecida como “imunidade de rebanho”, é o conceito criado por imunologistas para calcular quantas pessoas numa população precisam estar imunes a um agente infeccioso para que ele não atinja indivíduos vulneráveis. A ideia é simples: quanto mais pessoas vacinadas, menos pessoas doentes, menos vírus circulando.

A expressão tornou-se mais conhecida depois que o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) veio a público dizer que a epidemia só terminaria depois que 70% da população fosse contaminada. Para Cristina Bonorino, da Sociedade Brasileira de Imunologia e professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, a imunidade não é algo que se estabelece naturalmente. “O que sabemos sobre o SarS-Cov-2 é baseado em epidemias anteriores causadas por outros coronavírus, como a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers) e a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars).”

Ainda não se sabe ao certo qual porcentagem da população precisaria contrair o SarS-Cov-2 para estar imunizada e não transmitir a doença, mas algumas pesquisas estimam que este número estaria entre 60% e 80%. Cristina enfatiza, ainda, que a proteção coletiva só é possível por meio de campanhas de vacinação. “A exposição da sociedade ao coronavírus custaria a vida de milhões de cidadãos.”

Os programas de vacinação no Brasil, por exemplo, permitiram erradicar algumas doenças que já mataram milhares de pessoas, como a poliomielite, o sarampo e a rubéola.

“Com a varíola também foi assim”, relata Cristina ao Jornal da USP. As campanhas dos anos 1960 mostraram que a vacinação em massa tinha o poder de erradicar a doença. “Nunca existiu imunidade de rebanho para a varíola; as pessoas estavam expostas porque não tinham opção. Cada vez que vinha o surto, muitos simplesmente morriam”, relembra a imunologista.

“Isso não é imunidade de rebanho, isso é fragilidade da população a um vírus”, completa.

O último caso de varíola notificado no País foi em 1971.

Mais informações: e-mail stephano@usp.br, com Marco Antonio Stephano