Ser informado da procedência do vinho afeta mais avaliação de consumidores da geração X​

Pesquisa de neurociência aplicada ao marketing avaliou respostas cerebrais de pessoas que degustaram somente vinhos brasileiros, mas que supostamente bebiam vinhos brasileiros e de outras nacionalidades. Consumidores pertenciam à geração X (nascidos entre 1966-76) ou à Y (1977-94)​

 25/03/2024 - Publicado há 1 mês     Atualizado: 27/03/2024 as 15:36

Texto: Ivanir Ferreira

Arte: Simone Gomes

A pesquisa foi feita com 80 consumidores de vinho, metade da geração X, os nascidos entre os anos de 1966 e 1976, e metade da geração Y, nascidos entre 1977 e 1994 – Foto: Freepik

Estudos de marketing e negócios têm mostrado que a informação do país de origem de fabricação de um produto influencia o comportamento do consumidor de mais idade no momento da compra. Alguns exemplos clássicos são os queijos suíços, a carne argentina e as tecnologias japonesas. Saber a procedência do produto, em geral, é vista por esse público como garantia de qualidade e segurança. Em relação ao vinho, uma pesquisa de neurociência aplicada à área do marketing da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) confirmou a tese de que a variável “país de origem” é um fator importante que afeta a avaliação dos consumidores de vinhos com idade acima dos 48 anos. O estudo analisou atividades cerebrais (processamento cognitivo, valência emocional e preferências) de regiões corticais capturadas por um aparelho de eletroencefalografia (EEG) de 80 participantes, metade da geração X (os nascidos entre os anos de 1966 e 1976) e metade da geração Y (os nascidos entre 1977 e 1994) quando a procedência do vinho era mencionada durante a degustação da bebida.

O estudo apontou que as ondas cerebrais mais ativadas foram as dos consumidores do grupo experimental da geração X. Essa atividade no cérebro acontecia quando eles degustavam o vinho brasileiro e recebiam a informação de que a bebida era brasileira ou argentina ou norte-americana. “Ou seja, mesmo tomando somente o vinho brasileiro, o fato de receberem a informação de que eles estavam degustando o vinho de outros países alterou suas respostas cerebrais”, explica a autora da pesquisa Karina Munari Pagan. “As ondas mais ativadas foram as Delta (processamento cognitivo), que estão ligadas a um estado da mente de sonolência e relaxamento, e as ondas Beta (preferências), que dizem respeito a qual vinho os consumidores apreciavam mais.”

Karina Munari Pagan - Foto: Arquivo pessoal

O EEG capta faixas espectrais do cérebro (ondas Alfa, Beta, Delta, Theta e Gamma) que são ativadas por meio de estímulos, no caso da pesquisa, o próprio vinho e a informação do país de origem. Cada onda está ligada a um estado diferente da mente. A Alfa, a estados de relaxamento, destensionamento muscular, controle do estresse, aumento da percepção, afloramento do subconsciente e abertura do foco da atenção; a Beta, à ativação intensa do sistema nervoso central, à tensão, à vigília e ao esforço mental; a Delta, ao sono profundo, a sonolência, ao relaxamento; a Theta, à sonolência, ao primeiro estágio do sono e à calma; e a Gamma, à atividade mental superior, incluindo a percepção de consciência.

A pesquisa

O estudo foi feito com duas amostras, uma da geração X e a outra da geração Y,  cada uma com 40 pessoas. Em cada grupo, havia também separação entre um experimental e um de controle. Ao grupo experimental de cada geração, foram apresentados vinhos como se tivessem nacionalidades brasileira, argentina e americana, porém, eles tomavam de fato um único vinho, o brasileiro. A ordem era trocada para não ocorrer viés de ordem”, diz. Para os grupos controle de cada geração, não foi disponibilizada nenhuma informação de procedência da bebida.

As imagens eram capturadas simultaneamente pelo EEG (uma tiara com eletrodos acoplada à cabeça dos participantes) que monitorava os sinais elétricos da região do córtex emitidos durante as degustações.

Os principais resultados obtidos pela pesquisa foram que o processamento cognitivo dos consumidores da geração X é mais afetado pela informação do país de origem dos vinhos do que os consumidores da geração Y; e que a informação do país de origem influencia mais a preferência dos consumidores da geração X do que dos consumidores da geração Y.

De acordo com Karina Pagan, que é graduada em Matemática Aplicada a Negócios com doutorado em Administração de Organizações, o EEG não detectou respostas cerebrais significativas para “valência emocional”, que diz respeito a emoções positivas ou negativas em relação ao estímulo fornecido pela pesquisa (a informação do país de origem do vinho), nem para os consumidores da geração X nem da geração Y.

Influência do efeito do “país de origem” no consumo

Segundo a orientadora da pesquisa e professora da FEA-RP Janaina de Moura Engracia Giraldi, existem diferenças na maneira como o país de origem é percebido pelas gerações X e Y. “As pessoas mais velhas tendem a confiar mais nas informações de origem do que as mais novas”, diz.

Para a geração X, a informação do país de origem é vista como indicador de qualidade do produto, sendo esse critério tão importante quanto os atributos extrínsecos como o preço, a garantia, o rótulo e a marca. Já para a geração Y, o país de origem dos produtos teria uma importância reduzida em comparação à geração X.

“E isso poderia ser explicado pelo fato de os mais novos terem mais acesso à internet, fazerem mais viagens internacionais e terem disponibilidade e conhecimento de informações intrínsecas relacionadas ao produto, como o tipo de uva, a safra, a temperatura, o teor alcoólico e o local de cultivo”, avalia.

Na pesquisa é citado um estudo (Liu e Murphy, 2015) que diz que, quando os clientes não estão familiarizados com as qualidades intrínsecas dos produtos, eles usam a informação do país de origem para avaliar o item estrangeiro. 

Janaina de Moura Engracia Giraldi - Foto: Arquivo pessoal

 A pesquisadora disse que os resultados dessa pesquisa podem servir para os gestores de marketing traçarem estratégias mais eficazes, direcionando melhor seus esforços de propaganda e anúncios focados nos consumidores da geração X, conclui.

Eletroencefalografia (EEG)

Aparelho EEG - Foto:
Aparelho EEG - Foto:

Segundo Karina Pagan, é inédita a utilização do EEG para mostrar o impacto do país de origem no processamento cognitivo, preferências e respostas emocionais dos consumidores. “O EEG é um aparelho sensível e qualquer diferença que houver no vinho em relação ao gosto, ao nível de açúcar e a outras características intrínsecas afetaria as respostas cerebrais”, diz. Por isso, foi usado o mesmo vinho para as degustações.

Alguns estudos, como este de 2011, que utilizaram o EEG como ferramenta mostram que o vinho tinto em baixas doses produz uma rápida ativação cortical e diminuição da sincronização entre as áreas pré-frontal e parietal, o que pode estar associado a estados despertados ou a processos cognitivos alterados.

A tese Avaliação das respostas cerebrais dos consumidores da geração X e Y para o país de origem de vinhos: uma investigação experimental sobre o processamento cognitivo, preferência e valência emocional do etnocentrismo do consumidor e animosidade foi defendida em 13 de abril de 2023, sob a orientação da professora Janaina de Moura Engracia Giraldi.

Mais informações: Karina Munari Pagan, e-mail karinapagan41@yahoo.com; Janaina de Moura Engracia Giraldi, e-mail jgiraldi@usp.br


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.