Reavaliação de dentes de dinossauros ajuda a descrever passado de parte da América do Sul

Abelissauros eram predominantes na região central da América do Sul, mostra pesquisa que reavaliou 179 dentes de dinossauros recolhidos na Bacia de Bauru; estudo também descreve o comportamento migratório desses animais

 15/02/2024 - Publicado há 2 meses     Atualizado: 20/02/2024 as 14:02

Texto: Camilla Almeida*
Arte: Carolina Borin**

Abelissauros eram dinossauros geralmente carnívoros que chegavam a quase 8 metros de altura e provavelmente se adaptavam melhor a climas mais quentes – Ilustração: Johnny Pauly Vieira (@_themingau) em artigo no Journal of South American Earth Science

Abelissauros eram dinossauros geralmente carnívoros que chegavam a quase 8 metros de altura e provavelmente se adaptavam melhor a climas mais quentes – Ilustração: Johnny Pauly Vieira (@_themingau) em artigo no Journal of South American Earth Science

Uma pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP revelou que os dinossauros terópodes (bípedes, geralmente carnívoros ou omnívoros) eram predominantes na área central do continente sul-americano. Por meio de reavaliação de 179 dentes isolados recolhidos na Bacia de Bauru (uma unidade geológica do período Cretáceo, compreendido entre 60 e 70 milhões de anos atrás, que abrange os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Paraná, além de uma parte do Paraguai), foi possível constatar que por ali viviam os dinossauros abelissauros, carnívoros que chegavam a até 7,9 metros (m) de altura. Os resultados alcançados fornecem uma descrição inédita sobre o ecossistema da parte central da América do Sul – pouco explorada na paleontologia se comparada com áreas como a Argentina e a Patagônia.

A partir disso, foram levantadas duas hipóteses sobre a abundância desses registros arqueológicos. “A primeira é que de fato esses bichos tinham uma tendência a perder mais dentes, já que, por serem carnívoros, eles acabavam comendo alimentos mais duros e resistentes” explica Rafael Delcourt, pesquisador de pós-doutorado no Laboratório de Paleontologia da FFCLRP, ao Jornal da USP

A ideia de revisitar fósseis surgiu a partir de artigo que indicava carcarodontossauros na Bacia de Bauru, que não deviam estar localizados ali. No estudo atual, dente foi reexaminado e descrito como pertencente a um abelissauro

Na imagem 1, dente lateral direito de um abelissaurídeo do morfotipo I de Prata (MG), Formação Adamantina - Imagem: Cedida pelo pesquisador

Na imagem 2, dente mesial direito do abelissaurídeo terópode do morfotipo II de Periópolis (MG), Formação Marília – Imagem: Cedida pelo pesquisador

A segunda envolve o clima semiárido, característico da região durante o período Cretáceo, e a prevalência desses dinossauros em ambientes com essas determinadas condições climáticas. “O Cretáceo foi muito árido, com temperaturas já muito elevadas, e os abelissauros aparentemente preferiam localidades mais quentes. Então, eles ficavam por lá até o último minuto – enquanto os outros dinossauros migravam para outros lugares em busca de alimento”, diz Delcourt. 

De acordo com o pesquisador, com essas informações é possível traçar uma comparação entre a fauna desses locais. “Se por um lado aqui na parte central da América do Sul temos majoritariamente os abelissauros e, em menor escala, os dromeossauros e megaraptores, na parte sul será o oposto: muitos dromeossauros e megaraptores, e uma frequência menor de abelissauros.” Os dromeossauros também são terópodes bípedes carnívoros que viveram no período Cretáceo, assim como os megaraptores.

Complexidade da análise

A ideia de revisitar tais materiais surgiu a partir da publicação de um artigo que indicava a presença de dinossauros carcarodontossauros na Bacia de Bauru, que não deviam estar localizados ali. “Em um artigo publicado em 2013, pesquisadores analisaram um dente obtido na unidade e o atribuíram a um carcarodontossauro. Acontece que essa unidade geológica é muito recente, datada em torno de 70 a 66 milhões de anos atrás, e esse grupo de dinossauros foi extinto há 80 milhões de anos. Ou seja, esse era um material que não deveria estar presente na bacia”, diz o paleontólogo. No estudo atual, esse dente foi reexaminado e descrito como pertencente a um abelissauro.

Os pesquisadores utilizaram três diferentes metodologias de análise: discriminante, filogenética e comparação morfológica. A discriminante consiste na medida das dimensões dos dentes para checar se existe alguma correspondência com grupos de dinossauros conhecidos. Já a sistemática filogenética mostra as relações de parentesco que os dentes com aquelas características podem possuir com outros dinossauros. Por fim, a comparação morfológica é usada para contrapor os resultados obtidos das outras análises a fim de verificar sua correção.

Segundo Delcourt, os produtos obtidos pelas três abordagens apresentaram algumas divergências entre si, o que mostra a importância de recorrer a diferentes métodos de pesquisa. “No caso da discriminante, como estamos trabalhando com dentes isolados, o processo de medição não leva em consideração características que são mensuráveis. Por conta disso, existe um ruído no resultado final.” Em relação à filogenética, o pesquisador explica que algumas análises levaram a dinossauros therizinossauros, que são praticamente restritos ao Hemisfério Norte. “O ruído na análise acontecia porque o dente era muito fragmentado. Então, entra a terceira abordagem, que é a comparação morfológica, na qual foi possível olhar melhor para certos dados.” Ao fim, todos os 179 dentes foram classificados como pertencentes a abelissauros.

Rafael Delcourt – Foto: Arquivo pessoal

Mesmo com esse longo processo de pesquisa, Delcourt ressalta a necessidade de um trabalho de campo mais extenso na área, além de uma apuração da diversidade de abelissauros na bacia. “Os dentes são muito diferentes entre si, cada um deles tem suas próprias peculiaridades. Então, fica claro que existe uma fauna muito diversa de abelissauros, o que faz todo sentido. Dentro do grupo Bauru, ao mesmo tempo que temos o maior abelissauro já descrito até hoje, temos registro de vértebras consideradas de um dos menores do mundo.” 

Agora, o pesquisador está desenvolvendo seu pós-doutorado no Museu de Paleontologia de Munique, na Alemanha, fazendo uma reavaliação da sistemática das relações de parentesco do grupo ceratosauria, do qual os abelissauros também fazem parte. Para isso, a descrição de novos materiais e a redescrição de antigos da Bacia de Bauru estão sendo realizadas. “Nós já encontramos vários vestígios de tartarugas, além de dois crânios de crocodilos do grupo Bauru. A perspectiva é que para este ano de 2024 a gente possa trazer ainda mais descobertas.”

O estudo contou com a participação de pesquisadores do Museu Nacional, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Museu de Zoologia (MZ) da USP e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). 

Os resultados foram publicados no artigo Biogeography of theropod dinosaurs during the Late Cretaceous: evidence from central South America, na revista Zoological Journal of the Linnean Society.

Mais informações: e-mail rafael.delcourt@gmail.com, com Rafael Delcourt

*Estagiária, sob supervisão de Luiza Caires e Fabiana Mariz

*Estagiária, sob supervisão de Moisés Dorado


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