Por que a malária predominante no Brasil é menos grave que a variante africana?

De acordo com novo estudo, o Plasmodium vivax, predominante no Brasil, induz a uma resposta imune mais regulatória pelo organismo, o que pode contribuir para reduzir os riscos da doença

 01/08/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 03/08/2023 às 14:23

Texto: Felipe Parlato*

Arte: Joyce Tenório (estagiária)**

Mosquito Anopheles sp., vetor da malária - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

O microrganismo causador da maior parte dos casos de malária no Brasil, o Plasmodium vivax, induz a uma resposta imune diferente da espécie predominante na África, o Plasmodium falciparum, e isso ajuda a explicar por que a gravidade da doença é menor no País. É o que aponta um estudo dos Laboratórios de Direcionamento de Antígenos para Células Dendríticas e de Imunidade da Malária, Genômica e Populações do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. O artigo, publicado no European Journal of Immunology, baseou-se em amostras coletadas de pacientes infectados com Plasmodium vivax após o diagnóstico e 28 dias depois do início do tratamento.

O estudo analisou o comportamento dos linfócitos, as células do sistema imune do organismo, e mostrou importantes diferenças entre os mecanismos de imunidade das duas espécies. O Plasmodium vivax é a espécie predominante no Brasil — representa 80% dos casos do País, de acordo com um boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em maio de 2022 —, além de ser mais antigo em comparação à espécie que hoje predomina no continente africano, o Plasmodium falciparum.

“Nós sabíamos que a malária falciparum induz a uma resposta imune muito intensa, que pode matar o paciente. Queríamos entender com mais detalhes como se desenvolve a resposta imune na malária vivax”, afirma a professora Silvia Beatriz Boscardin, coordenadora do laboratório e do estudo.

Sílvia Boscardin - Foto: Arquivo Pessoal

Além de induzir a um quadro de malária mais grave, a resposta imune ao Plasmodium falciparum parece não ser muito bem regulada. Por outro lado, o estudo mostra que o Plasmodium vivax induz a uma resposta melhor regulada durante a fase aguda da doença.

“No caso do Plasmodium falciparum, a literatura identificou linfócitos T auxiliares foliculares (Tfh) do tipo Th1, que são pouco eficientes em induzir linfócitos B a produzir anticorpos protetores. Já no nosso estudo com o Plasmodium vivax, detectamos, além dos linfócitos Tfh do tipo Th1, linfócitos Tfh do tipo Th2, que atuam melhor nessa tarefa”, explica Silvia Boscardin.

Os pesquisadores observaram isso ao analisar sistematicamente diferentes populações de linfócitos T e B no sangue de pacientes durante a fase aguda da doença ou após a resolução do tratamento. “Após o tratamento dos pacientes, foi possível observar quando houve alterações nas populações de linfócitos e estudar como esse comportamento se difere do que já foi publicado para o Plasmodium falciparum.”

Foram coletadas amostras de 38 pacientes em Mâncio Lima, no Acre, considerado o município com o maior número de casos de malária por habitante no Brasil (521 diagnósticos a cada 1.000 moradores, segundo levantamento do Ministério da Saúde em 2017).

Tratamento eficaz

No Brasil, o tratamento contra a malária possui alta eficácia, sendo obrigatório e fornecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esse é um dos fatores que garantem a baixa taxa de mortalidade da doença no País, bem como a pouca resistência em relação aos medicamentos.

“Contra a malária, temos fármacos bastante eficazes. Entretanto, em diversos países, especialmente no Sudeste Asiático, já tem sido descrito o aparecimento de resistência. No Brasil, ainda há poucos relatos”, conta Silvia Boscardin.

Imunizante adequado

A pesquisadora destaca que a vacina para malária disponível atualmente é eficiente apenas contra o Plasmodium falciparum, não apresentando efeitos contra o Plasmodium vivax. Segundo ela, o tipo de descrição realizada no estudo pode ser útil, futuramente, no desenvolvimento de um imunizante específico contra o parasita predominante no Brasil.

“São microrganismos que, apesar de causarem uma doença muito parecida, e terem ciclos parasitários semelhantes, são geneticamente muito diferentes, e isso deve ser levado em conta na hora de desenvolver uma vacina. Aqui, no Brasil, temos estudos pré-clínicos e um ensaio clínico deve começar em breve”, complementa.

Mais informações: e-mail sbboscardin@usp.br, com Silvia Boscardin

*Da assessoria de comunicação do ICB, com edição de Valéria Dias

**Sob supervisão de Moisés Dorado


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