Pesquisadores desenvolvem máscara para apneia do sono mais eficiente e confortável
Inovação tem o objetivo de solucionar um problema comum nas máscaras convencionais, os "engasgos com o ar", que fazem o equipamento parar de funcionar
Apneia do sono atinge até um terço dos brasileiros; distúrbio é caracterizado por por breves e repetidas pausas na respiração enquanto se dorme - Imagem: Auspin/Reprodução)
Uma máscara mais eficiente e confortável para tratamento da apneia do sono é um caso de spillover, quando um conhecimento ultrapassa a finalidade original para o qual foi produzido, que vem sendo gerado por pesquisadores do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), sediado na Escola Politécnica (Poli) da USP. Empregando a mesma tecnologia usada em um projeto sobre turbinas a gás, os pesquisadores criaram um modelo cujo diferencial é evitar os “engasgos com o ar” que ocorrem com o Continuous Positive Airway Pressure (CPAP), equipamento usado no tratamento da doença e que faz o bombeio de ar no paciente.
A apneia do sono é caracterizada por obstruções repetitivas da garganta durante o sono, que geram pausas respiratórias. O problema afeta cerca de um terço dos brasileiros, segundo levantamento do Instituto do Sono. Quando se manifesta, a musculatura da garganta se fecha e só volta ao normal quando a pessoa acorda, o que pode se repetir várias vezes ao longo do sono. Isso, além de afetar negativamente a qualidade do sono, pode causar doenças no coração, devido à alteração constante da oxigenação. Nos casos de apneia moderada ou severa, uma das recomendações de tratamento é usar o CPAP, segundo a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
“Muitas pessoas abandonam o tratamento com o CPAP porque se engasgam com o ar que está sendo direcionado da boca para a cavidade nasal. Além disso, quando o engasgo ocorre, o CPAP também para de funcionar”, afirma Vitor Bortolin, doutorando em Engenharia Mecânica na Poli e pesquisador do RCGI. “Isso acontece porque pessoas com problemas respiratórios tendem a respirar pela boca, e, quando o fazem, transferem o ar para o nariz, que é a forma que o corpo reconhece como correta. Ao fazerem isso, aplicam força para respirar novamente pela boca, o que gera o engasgo, replicando o que ocorre com a pessoa quando ela não utiliza o equipamento”, detalha Bernardo Diniz Lemos, também doutorando na Poli e pesquisador no RCGI.
Bernardo Diniz Lemos - Foto: Linkedin
Ambos integram o grupo de pesquisadores, do RCGI e da Poli, à frente do projeto, sob a coordenação do professor Julio Meneghini, diretor científico do centro. Embora seja um projeto à parte do objetivo do RCGI, a tecnologia empregada é a mesma do Projeto de Selos Labirintos Inteligentes para Mitigação de Emissões de GEE em máquinas pneumáticas, que busca desenvolver tecnologias para reduzir ao máximo o vazamento de gases, como gás carbônico (CO2) e metano (CH4), em compressores e turbinas dessas máquinas.
Solução inovadora
A nova máscara, já com pedido de patente registrado, foi projetada com uma divisória entre as cavidades nasais e bucais, e utiliza uma técnica de engenharia que é aplicada em equipamentos da indústria de gases para fazer o ar circular entre as duas cavidades. Isso mantém, no nível ideal e de forma autorregulada, diferentes pressões do ar no nariz e na boca, que deve ser cerca de 10% maior no nariz.
“Utilizamos uma técnica chamada de diodo fluídico, que é uma válvula [semelhante a um cano] sem partes móveis e com filamentos curvados, desenhados de forma a facilitar a transmissão do ar do nariz [por onde ele chega] para a boca [onde é a saída de ar], e dificultar a volta do ar da boca para o nariz. Desta forma, quando a pessoa abrir a boca, a válvula vai impedir que o ar se transfira para o nariz, o que previne o engasgo”, detalha Bortolin. A válvula e os filamentos foram produzidos em uma impressora 3D e instalados em uma placa que divide as duas cavidades. A placa é feita de plástico e revestida de acolchoado de silicone. Devido ao seu desenho e às características do material, o equipamento é bem mais confortável e fácil de usar, seja em casa ou em um ambiente hospitalar.
“O diodo fluídico é a principal inovação do projeto, pois já existem modelos que utilizavam uma divisória ou duas câmaras, mas o problema é que para funcionar é preciso utilizar duas bombas de ar. Isso acaba aumentando significativamente o custo do produto, além de duplicar o barulho causado pela máquina”, afirma Lemos. Em estudos anteriores, também foram cogitados modelos com uma bomba só e duas válvulas. “Isso também gerou problemas porque as válvulas tinham que ser grandes e continham partes móveis que podiam ser engolidas pelo paciente. Além de ser difícil de manter a umidade e evitar a proliferação de bactérias, o que fazia com que as válvulas ficassem ‘entupidas’ desses microrganismos e parassem de funcionar”, acrescenta Bortolin.
Vítor Augusto Andreghetto Bortolin – Foto: Linkedin
Os pesquisadores planejam testar agora o modelo de diodo fluídico em humanos. Projeções feitas em modelos geométricos já indicam que a circulação do ar deve ser beneficiada. “Conseguimos calcular o número de diodos fluídicos e estimar como funcionaria a circulação de ar ao comparar esses valores com os de outras aplicações dessa tecnologia em gases, o que está dentro do nível ideal”, detalha Bortolin.
Veja neste vídeo a demonstração do funcionamento da tecnologia.
O Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) é um Centro de Pesquisa em Engenharia, criado em 2015, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e de empresas por meio dos recursos previstos na cláusula de P,D&I da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) dos contratos de exploração e comercialização de petróleo e gás. Atualmente estão em atividade 53 projetos de pesquisa (em um histórico de 110), ancorados em oito programas: NBS (Nature Based Solutions); CCU (Carbon Capture and Utilization); BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage); GHG (Greenhouse Gases), Advocacy, InnovaPower, Decarbonization e Centre 2 Centre (projetos com centros de pesquisa dos Estados Unidos). O RCGI, que conta com cerca de 600 pesquisadores, mantém colaborações com diversas instituições, como Oxford, Imperial College, no Reino Unido, Princeton e o National Renewable Energy Laboratory (NREL), no Estados Unidos. Saiba mais sobre o RCGI neste link.
*Da Assessoria de Imprensa do RCGI, adaptado por Júlio Bernardes
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