Um estudo da USP analisou as concentrações de metais pesados em ingredientes utilizados na formulação e na produção de alimentos comercializados para cães e gatos e em produtos da indústria pet food.
Segundo os pesquisadores, no Brasil ainda não há clareza quanto aos limites de ingestão de metais pesados considerados seguros para esses animais, diferentemente do que ocorre com seres humanos, cujas dosagens máximas já estão muito bem estabelecidas.
Em virtude disso, os pesquisadores compararam os resultados encontrados com os limites máximos tolerados sugeridos pela Food and Drug Administration, que utilizou as informações científicas associadas a outras espécies, como por exemplo, coelhos, para a maior parte dos metais pesados. A FDA é a agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, responsável por proteger e promover a saúde pública através do controle e supervisão de segurança alimentar, assim como de medicamentos, vacinas, dentre outros.
O autor principal da pesquisa, o médico veterinário Rafael Vessecchi Amorim Zafalon, ressaltou em entrevista ao Jornal da USP que os dados devem ser interpretados com bastante cautela pois os limites máximos utilizados como referência foram extrapolados de espécies mais sensíveis a cada metal tóxico (aqueles que toleram quantidade menor de metais pesados comparados com qualquer outra espécie) e divididos por 10, como fator de segurança. Segundo ele, “é até possível que cães e gatos tolerem quantidades muitos superiores a esses limites”, afirma.
Os resultados da análise mostraram que, de um modo geral, as rações secas e os ingredientes de origem animal apresentaram os maiores teores de substâncias tóxicas. Os mais frequentes e em concentrações acima dos limites estipulados foram mercúrio, alumínio, chumbo, urânio, cobre, zinco e vanádio.
As análises foram resultado de uma pesquisa de mestrado realizada no Centro de Pesquisa em Nutrologia de Cães e Gatos (Cepen-PET), da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP. Os resultados foram publicados em artigo na revista Scientific Reports.
Zafalon ainda reforça que a presença de metais pesados não é exclusividade de alimentos para animais, pois outros estudos científicos já demonstraram que os alimentos consumidos pelas pessoas também são igualmente contaminados. Por isso, não recomenda substituir os alimentos industrializados por refeições caseiras, diz.
A pesquisa da FMVZ analisou amostras de 100 produtos comerciais de 29 fabricantes diferentes, sendo 75 alimentos secos (61 para cães e 14 para gatos) e 25 úmidos (14 para gatos e 11 para cães), e amostras de ingredientes de origem animal: farinhas de vísceras de frango, carne, peixe e pena; além de amostras de ingredientes de origem vegetal: quirera de arroz, milho integral moído, farelo de trigo, de soja e de glúten de milho. E além de alumínio, cobre, mercúrio, chumbo, urânio, vanádio e zinco, outros elementos foram analisados: antimônio; arsênio; bário; berílio; boro; cádmio; cobalto; cromo; estanho; ferro; níquel e selênio. Abaixo, segue tabela com alguns resultados:
Concentrações de metais encontrados nos alimentos e ingredientes na matéria seca
Alimentos para cães
Elemento mineral | Valor médio encontrado nas amostras de Pet food (mg/kg) | Limite sugerido pela FDA (mg/kg) |
Alumínio | 269,17 | 200 * |
Chumbo | 12,55 | 10* |
Mercúrio | 2,51 | 0,27* |
*Limites tolerados por outras espécies animais, coelho, por exemplo.
Alimentos para gatos
Elemento mineral | Valor médio encontrado nas amostras de Pet food (mg/kg) | Limite sugerido pela FDA (mg/kg) |
Alumínio | 135,51 | 200* |
Chumbo | 9,13 | 10* |
Mercúrio | 3,47 | 0,27* |
*Limites tolerados por outras espécies animais, coelho, por exemplo.
Ingredientes
Farinha de carne
Elemento mineral | Valor médio encontrado nas amostras de Pet food (mg/kg) | Limite sugerido pela FDA (mg/kg) |
Alumínio | 221,85 | Não há limite para ingredientes |
Chumbo | 44,26 | Não há limite para ingredientes |
Mercúrio | 6,19 | Não há limite para ingredientes |
Farinha de vísceras de frango
Elemento mineral | Valor médio encontrado nas amostras de Pet food (mg/kg) | Limite sugerido pela FDA (mg/kg) |
Alumínio | 49,13 | Não há limite para ingredientes |
Chumbo | 19,05 | Não há limite para ingredientes |
Mercúrio | 5,04 | Não há limite para ingredientes |
Farelo de soja
Elemento mineral | Valor médio encontrado nas amostras de Pet food (mg/kg) | Limite sugerido pela FDA (mg/kg) |
Alumínio | 148,43 | Não há limite para ingredientes |
Chumbo | 14,24 | Não há limite para ingredientes |
Mercúrio | 5,04 | Não há limite para ingredientes |
Farelo de glúten de milho
Elemento mineral | Valor médio encontrado nas amostras de Pet food (mg/kg) | Limite sugerido pela FDA (mg/kg) |
Alumínio | 95,47 | Não há limite para ingredientes |
Chumbo | 5,11 | Não há limite para ingredientes |
Mercúrio | Não houve detecção | Não há limite para ingredientes |
Como os metais pesados afetam a saúde?
No Brasil, o órgão que regulamenta os alimentos industrializados para cães e gatos é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), mas não há limite estabelecido para metais pesados e demais elementos com potencial toxicidade, relata o estudo. Questionado se chegou a conversar com as indústrias e/ou com o Ministério da Agricultura, o médico veterinário informou que, no momento, não há essa intenção, justamente pela falta de informações sobre a toxicidade desses elementos em cães e gatos. “Não existem muitos estudos que relacionem problemas de saúde de cães e gatos ao consumo excessivo de metais pesados”, diz.
O mercúrio, por exemplo, quando ingerido e absorvido em altas quantidades pelo organismo, e dependendo da forma química, é amplamente distribuído por todos os tecidos, podendo atravessar, inclusive, a barreira hematoencefálica, o que faz com que o sistema nervoso central seja o principal tecido a sofrer os efeitos tóxicos desse elemento químico, relata o estudo. Uma pesquisa feita com gatos, em 1976, demonstrou que a intoxicação por mercúrio provoca problemas neurológicos, incluindo convulsões.
Em relação à superexposição ao alumínio, um estudo com cães, realizado 1984, observou que a alta ingestão desse elemento (muito superior aos valores encontrados no estudo de Zafalon) resultou na diminuição aguda e transitória do consumo de alimento pelo animal e concomitante de peso corporal. Quanto ao cobre, o excesso está relacionado ao maior risco de desenvolvimento de hepatite crônica associada ao cobre (HCC) em cães de raças predispostas, como labrador retriever e bedlington terrier.
No que diz respeito ao chumbo, sinais gastrintestinais, desordens neurológicas e efeitos prejudiciais aos rins já foram observados em cães intoxicados com esse metal pesado. Já o urânio é considerado um dos elementos mais tóxicos encontrados na natureza. Pesquisas feitas com ratos e coelhos mostraram acúmulo desse elemento nos ossos, fígado e rins. Em cães, um único estudo realizado demonstrou efeitos prejudiciais aos rins relacionados com o excesso de ingestão de urânio. O vanádio está ligado a poluentes de óleos combustíveis residuais. Em animais, quando consumido em altas quantidades, implica perda de peso, diarreia, redução da fertilidade e até óbito. E por fim, o zinco, que sempre esteve associado a importantes funções bioquímicas no organismo, em excesso, pode causar irritação da mucosa do trato gastrointestinal. Em cães e gatos, não há trabalhos publicados que tenham investigado os efeitos do consumo excessivo desse elemento em longo prazo de tempo.
Metais pesados: de onde vêm e como chegam aos alimentos?
Segundo o estudo, os metais pesados são encontrados naturalmente, em pequenas concentrações, no meio ambiente, mas algumas atividades humanas como a mineração, a indústria, a agricultura e a queima de combustíveis fósseis são as maiores responsáveis pelo acúmulo desordenado desses elementos químicos em diversos ecossistemas terrestres. No solo, contaminam os produtos cultivados na terra, que posteriormente vão ser consumidos por humanos e animais. Bovinos e aves, quando alimentados com esses produtos, também podem acumular metais pesados no organismo. Em rios e oceanos, os animais aquáticos também podem ser drasticamente afetados.
A dissertação de mestrado Determinação de metais pesados em ingredientes e alimentos comerciais para cães e gatos foi apresentada em 2020 sob orientação do professor Marcio Antonio Brunetto, do Departamento de Nutrição e Produção Animal da FMVZ. O artigo pode ser acessado neste link.
Mais informações: e-mail rafael.zafalon@usp.br, com Rafael Vessecchi Amorim Zafalon.