Fotomontagem Jornal da USP - Foto: Ilustração extraída: https://www.fm.usp.br/fmusp/conteudo/DemografiaMedica2023.pdf
Médicos do Brasil têm maior diversidade, mas distribuição pelo País ainda é desigual
Lançada nesta quarta, 8 de fevereiro, a pesquisa Demografia Médica do Brasil mostra que a medicina brasileira tem adquirido nova fisionomia com mulheres, jovens, pretos e pardos, embora ainda haja concentração de médicos no Sudeste, Sul e no setor privado
A sexta edição da pesquisa Demografia Médica do Brasil (DMB), elaborada pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) foi lançada nesta quarta-feira, 8 de fevereiro, na sede da Associação Médica Brasileira (AMB), em São Paulo. A nova versão do estudo, realizado há 12 anos, traz novidades sobre a distribuição, oferta, formação e trabalho dos profissionais. O número de médicos mais que dobrou em uma década, resultado da abertura de cursos e de vagas na graduação. As mulheres estão se tornando maioria na profissão, e há maior inclusão social no ensino médico, com mais alunos pretos, pardos e egressos do ensino médio público. No entanto, dados como o número de consultas médicas indicam a permanência da distribuição desigual de profissionais pelo País, concentrados nas regiões Sudeste e Sul e no setor privado. A residência médica, que forma especialistas, não acompanhou o crescimento da graduação e sofre com a falta de recursos.
“O objetivo do trabalho é atualizar e trazer dados inéditos sobre a demografia dos médicos no Brasil, ou seja, o seu número, distribuição pelo território nacional e inserção dos profissionais no sistema de saúde. Nesta nova edição, uma parceria inédita com a AMB permitiu a realização de um levantamento de quantos especialistas e quais especialidades médicas estão presentes no País”, relata ao Jornal da USP o professor Mário Scheffer, da FMUSP, que coordenou a elaboração do estudo. “Outras novidades deste ano são um censo dos estudantes de graduação e um inquérito nacional com médicos residentes, expondo a situação da formação especializada, além de dados sobre renda declarada e produção de consultas médicas no País”, diz. A nova edição da DMB, com 346 páginas, que inclui um atlas mostrando a distribuição dos profissionais e das 55 especialidades médicas existentes no Brasil, em todos os Estados e no Distrito Federal, pode ser consultada aqui.
A produção do estudo usou informações de diversas bases de dados, obtidas em entidades médicas, Receita Federal, Sistema Único de Saúde (SUS), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), além de informações de fontes primárias, como as entrevistas realizadas com os médicos residentes. “O sistema de saúde precisa preparar-se para o aumento do número de médicos, a pesquisa revela um crescimento rápido da oferta de profissionais, com um acréscimo de mais de 250 mil médicos nos últimos 13 anos, chegando a um total de mais de 562 mil em janeiro de 2023”, aponta o professor. “O avanço é consequência da política de abertura massiva de cursos e criação de vagas numa velocidade nunca antes vista, aumentando a necessidade de aproximação entre essa oferta, as demandas do SUS e as necessidades de saúde da população.”
De acordo com a pesquisa, o Brasil possuía em 2002 um total de 390 escolas médicas, que oferecem 42 mil vagas por ano, e mesmo que houvesse um congelamento da oferta, em 2035 o Brasil terá 1,1 milhão de médicos. “É necessário um planejamento que transforme a expansão em algo que beneficie o sistema de saúde, revendo a regulamentação dos cursos de modo a criar um equilíbrio entre a oferta de vagas e a necessidade de médicos”, afirma Scheffer. “O estudo adverte que é preciso um modelo de avaliação do ensino que garanta uma melhor qualidade da formação, pois hoje o conjunto das escolas é muito heterogêneo, considerando que foi feita uma opção pela abertura de cursos privados, que hoje representam 77% das vagas disponíveis.”
Medicina com Nova Fisionomia
O professor da FMUSP destaca que a medicina no Brasil vem adquirindo uma nova fisionomia. “Em breve, as mulheres serão maioria entre os profissionais, chegando a 50,2% já em 2024. A média de idade está em queda, e calcula-se que 85% dos médicos terão menos de 45 anos em 2035”, observa. “O Censo dos estudantes mostrou que, embora tardiamente, há mais diversidade e inclusão, com o aumento do número de estudantes autodeclarados pretos, pardos e vindos do ensino médio público. Em 2010, havia 1.483 estudantes pretos no primeiro ano de medicina, número que subiu para 9.326 em 2019. Isso é fruto não só do aumento global de vagas, mas também de políticas afirmativas de ingresso, especialmente nas universidades públicas.”
Quanto à distribuição dos médicos, a pesquisa aponta a manutenção de um cenário de desigualdade e assimetria por sobreposição. “Na distribuição geográfica, medida pelo número de médicos por 1.000 habitantes, há muitas disparidades. No Distrito Federal, o índice é de 5,53, no Pará é de 1,18; a concentração de profissionais é maior nas capitais do que no interior”, descreve Scheffer. “A desigualdade geográfica se sobrepõe à assimetria entre o setor público e o privado. O SUS tem, proporcionalmente, menos médicos à disposição, o que explica a falta de médicos especialistas na rede pública, em regiões desassistidas e na atenção primária em pequenos municípios. A solução desse problema passa pelo maior financiamento do SUS.”
Uma das novidades do estudo é um levantamento sobre consultas médicas realizadas no País, que chegam a mais de 600 milhões por ano. “As consultas fornecem a dimensão do trabalho dos médicos e medem em parte o seu acesso pela população. No Brasil, a média é de 3,13 consultas por habitante ao ano, um pouco mais que a metade do índice registrado nos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], de 6,8 consultas por habitante ao ano”, ressalta. “A rede privada, proporcionalmente, realiza mais consultas, por meio dos planos de saúde, concentrando-se principalmente no Sudeste e no Sul, caracterizando um quadro de desigualdade.”
Segundo o professor, a pesquisa apurou que 37,5% dos médicos brasileiros são generalistas, ou seja, não possuem nenhuma especialidade. “A especialização pode ser obtida por um concurso de títulos e provas em sociedade médica, ou por meio da residência. No entanto, há uma defasagem entre o número de formados em Medicina e as vagas disponíveis”, diz. “Nas entrevistas com residentes, a maioria manifesta o desejo de trabalhar no setor privado, apesar da maior parte dos programas de residência médica ser oferecido pelo SUS, em instituições públicas. É preciso superar essa contradição.”
Mais informações: e-mail, mscheffer@usp.br, com o professor Mário Scheffer
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