Como explicar a distribuição de animais na Terra?

Estudo com participação da USP explicou razões para a distribuição da biodiversidade de mamíferos, aves, répteis e anfíbios pelo globo; chuva é um dos fatores preditivos predominantes, mas para alguns grupos a temperatura é mais relevante

 Publicado: 27/03/2024

Texto: Julia Custódio*

Arte: Joyce Tenório**

Da esquerda para a direita, duas Dendropsophus minutus, uma Boa constrictor, uma Megascops choliba e um Pan troglodytes - Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Reprodução/Marcio Martins; Tiago Falótico/Wikimedia Commons; Mauro Regalado Soares/Wikimedia Commons; Brwynog/Wikimedia Commons

Em um esforço que mobilizou pesquisadores de todas as partes do mundo, inclusive da USP, uma pesquisa coordenada pela Universidade de Tel Aviv, em Israel, conseguiu identificar as razões da distribuição de vertebrados tetrápodes (que têm quatro membros) no globo terrestre. Os pesquisadores se basearam em um padrão muito conhecido na história da ecologia, teoria ainda em debate e sem consenso definitivo: o padrão de gradientes latitudinais de biodiversidade. A hipótese defendia é a de que, conforme nos afastamos dos polos da Terra e nos aproximamos da linha do Equador, a biodiversidade aumenta.

No início do século 19, o naturalista Alexander Von Humboldt descreveu o padrão e tentou explicar os gradientes da diversidade. Mais tarde, outros cientistas utilizaram o conceito, mas até hoje não há uma unanimidade teórica sobre as razões que explicam por que há mais diversidade nos trópicos, razoável nas áreas temperadas e baixa nos polos.

Segundo Marcio Martins, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP e um dos pesquisadores do grupo, o objetivo do estudo era encontrar essas razões a partir de dados concretos da distribuição de mamíferos, aves, anfíbios e répteis. “Muitas vezes as decisões de conservação são feitas baseadas nos padrões de diversidade. É possível usar esse tipo de informação, por exemplo, para sugerir novas unidades de conservação para ajudar grupos específicos”, destaca o professor em entrevista ao Jornal da USP.

Marcio Martins - Foto: Arquivo pessoal

Os dados sobre anfíbios, mamíferos e aves foram retirados de relatórios produzidos pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) e os dados sobre répteis, de um levantamento feito pelo Global Assessment of Reptile Distributions (GARD), consórcio de cientistas de todo o mundo ligado à Universidade de Tel Aviv. No total, foram analisadas 5.983 espécies de anfíbios, 5.004 de mamíferos, 9.630 de pássaros e 8.939 de répteis.

Além de confirmar o padrão de gradiente, a análise da distribuição das espécies permitiu que os pesquisadores conseguissem observar as particularidades de cada grupo.

“Para mamíferos, aves e anfíbios, a água é superimportante, por causa da produtividade primária e pela importância para a vegetação. E, para répteis, a temperatura é mais importante”, lista Marcio Martins.

A biologia dos animais explica os resultados do trabalho, mesmo que eles não sejam homogêneos entre os grupos. 

Os répteis têm pele coberta por escamas e dependem da exposição ao sol para manter a temperatura do corpo; já os anfíbios têm uma pele muito fina, mas sem pelos ou escamas. Esses grupos são ectotérmicos, isto é, não possuem a capacidade de produzir calor para manter a temperatura do corpo alta, e por isso os dois grupos são mais comuns em áreas quentes. Por outro lado, as aves e mamíferos, que conseguem regular e manter alta a temperatura corporal (endotérmicos) e têm penas ou pelos, podem ser encontrados com mais facilidade em temperaturas menores.

“Quando você vai para latitudes mais altas, começa a ficar bem evidente a diferença entre anfíbios e répteis e os endotérmicos, como as aves e os mamíferos, que conseguem ficar no frio. Os anfíbios e répteis, se ficarem no frio, congelam”, diz Martins.

Água

Em relação à disponibilidade hídrica, os répteis diferem dos demais grupos. Eles são os tetrápodes que menos dependem de água. A pele desses animais é coberta de escamas que lhes dão vantagens em ambientes secos e também não dependem da água para reprodução (como os anfíbios). Isso explica por que nos desertos é mais comum encontrar répteis e quase nenhum anfíbio, com número reduzido de mamíferos e aves. 

Assim, além de reforçar hipóteses da literatura sobre os gradientes latitudinais de biodiversidade, a análise conseguiu destrinchar esses padrões entre cada grupo de animais tetrápodes e sinalizar que isso muda geograficamente dependendo da disponibilidade de água e temperatura (não apenas dos trópicos, mas de cada continente).

Padrões de riqueza de espécies e gradiente de diversidade latitudinal de tetrápodes terrestres. Riqueza de: (a) todos os tetrápodes (anfíbios, répteis, aves e mamíferos), (c) répteis, (d) anfíbios, (e) aves, (f) mamíferos. As cores azuis escuras indicam regiões com poucas espécies e as vermelhas mostram regiões com muitas espécies. (b) O gradiente de diversidade latitudinal representou a mudança na riqueza global de espécies ao longo de um gradiente latitudinal. A riqueza de todos os tetrápodes juntos é representada em preto, os répteis em laranja, os anfíbios em verde, os pássaros em azul e os mamíferos em rosa. - Gráfico: retirado do artigo

“O pulo do gato desse trabalho é mostrar que, se você for no detalhe, vai ser possível ver a diferença entre esses grupos, que não é uma coisa homogênea. Além de mostrar essas diferenças, [o trabalho] reforçou os padrões que já haviam sido detectados e mostrou que os répteis são diferentes dos outros grupos”, explica o pesquisador.

Em um momento delicado para a biodiversidade — que sofre com destruição de habitats, mudanças climáticas, poluição, entre outras ações antropogênicas —, entender onde cada grupo de animais é encontrado e porquê se encontra ali é fundamental para a conservação.

Os dados sobre répteis

Martins aponta uma curiosidade sobre a metodologia utilizada: enquanto os dados sobre os mamíferos e anfíbios foram retirados de relatórios globais feitos pela IUCN e os dados dos pássaros pelo Birdlife International data zone, os dados sobre os répteis foram coletados pelos próprios pesquisadores associados do GARD, no primeiro esforço mundial para entender como o grupo se distribui e que mapeou cerca de 12 mil espécies de répteis.

“Até então as pessoas tinham ótimos dados sobre as aves, ótimos dados sobre mamíferos e anfíbios, mas não tinha sobre os répteis. Agora já sabemos da distribuição de 90% a 95% deles [dos répteis], o que é uma vitória!”, comemora Martins. Só assim, com os dados de todos os tetrápodes completos, foi possível fazer um trabalho em escala global para entender melhor o gradiente latitudinal de biodiversidade.

Mais informações: e-mail martinsmrc@usp.br, com Marcio Martins

* Estagiária sob supervisão de Fabiana Mariz
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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