Arte de Beatriz Abdalla/Jornal da USP sobre foto de Marcos Santos/USP Imagens

Testes revelam efeitos do hormônio leptina no começo da vida

Testes com animais mostraram que a leptina age no sistema nervoso central, controlando balanço energético, resposta ao jejum e capacidade reprodutiva

14/10/2019

Texto: Júlio Bernardes

No Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, pesquisa investigou os efeitos da leptina, hormônio produzido por um tecido localizado abaixo da pele, nas primeiras etapas da vida. A partir de testes com animais, verificou-se que o hormônio, apesar de produzido numa área periférica do organismo, age principalmente no sistema nervoso central, controlando processos como balanço energético, resposta ao jejum e capacidade reprodutiva, entre outros. A descoberta servirá de base para estudos sobre os fatores que, no início da vida, levam a situações como a obesidade na vida adulta. O trabalho da bióloga Angela Maria Ramos Lobo, orientado pelo professor José Donato Júnior, recebeu o Prêmio Tese Destaque USP 2019, na categoria Ciências Biológicas.

Angela Maria Ramos Lobo: hormônio leptina age principalmente no sistema nervoso central, controlando processos como balanço energético, resposta ao jejum e capacidade reprodutiva – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

O tecido adiposo branco, que produz a leptina, possui gorduras no interior de suas células e normalmente está localizado abaixo da pele. “Foram realizados experimentos com camundongos geneticamente modificados para entender o que acontece com um animal adulto que no começo da vida não teve os efeitos da leptina”, explica Angela. “Para isso, foi feita uma modificação genética que não excluiu o gene receptor da leptina, responsável por permitir a ação do hormônio no corpo, mas apenas o inativou, de modo que ele pudesse ser reativado quando o animal atingisse a idade adulta, por meio do tratamento com uma droga específica que recupera a expressão fisiológica do receptor.”

Os animais permaneceram com o receptor da leptina desativado nas dez primeiras semanas de vida. Após um período de dez dias, onde foi feita a ativação do gene, seguiu-se uma fase de seis semanas para estabilização de peso. “Depois da estabilização, foi feita uma série de testes para estudar o que mudou no animal adulto pela falta de efeito da leptina no desenvolvimento”, descreve a bióloga.

Medições

As análises incluíram medições de peso corporal, consumo alimentar, concentração de leptina, função reprodutiva, resposta ao jejum, homeostase glicêmica (nível ideal de açúcar no sangue), gasto energético com dieta padrão e com dieta rica em gorduras. “Os animais, que ao crescerem sem o receptor de leptina se tornaram obesos, perderam peso após o gene receptor da leptina ser reativado”, aponta Angela.

Na comparação com animais que não tiveram o gene inativado, o grupo que cresceu com o gene modificado manteve peso maior depois da ativação, apesar de consumir a mesma quantidade de alimento. “É descrito na literatura que o consumo alimentar não depende apenas da leptina. Na verdade, ele é um processo complexo, regulado por vários mecanismos no organismo”, destaca a pesquisadora. “No caso da resposta à homeostase glicêmica, foi constatado que as alterações observadas nos adultos não são dependentes diretamente da falta de leptina no começo da vida, e provavelmente são consequência da obesidade.”

Na figura à esquerda, em verde e vermelho, neurônios envolvidos na regulação do balanço energético (AgRP e POMC), localizados no hipotálamo (região central do cérebro); na figura à direita, em vermelho, estão os neurônios que expressam o gene receptor de leptina (LepR), os quais têm sua ação influenciada pelo hormônio – Imagem: Cedida pela pesquisadora

A partir da comparação das medidas do consumo de oxigênio e da produção de gás carbônico, descobriu-se que os animais apresentavam menor gasto energético após a reativação. “A leptina estimula o balanço energético negativo, e sua falta no começo da vida está associada a uma predisposição à economia de energia pelo organismo adulto”, relata Angela. “Também foram detectados impedimentos na capacidade de resposta ao jejum.” Os experimentos foram realizados no Laboratório de Neuroanatomia Funcional do ICB, sob a supervisão do professor José Donato Júnior. A pesquisa teve a colaboração da professora Fernanda De Felice, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Infertilidade

+ Mais

20190912_00_molecula_hormonio_crescimento_gh.jpg

Hormônio do crescimento atua na reprodução, mas não determina puberdade

Bloqueio do hormônio do crescimento estimula perda de peso

A falta dos efeitos da leptina durante o começo da vida levou os animais a serem, além de obesos, inférteis. “Após a reativação, quando a ação do hormônio foi restaurada, eles recuperaram parcialmente a capacidade reprodutiva, uma evidência da ação da leptina em áreas do cérebro que controlam a reprodução”, aponta a bióloga. “Os resultados mostram que a leptina é importante no início da vida, e sua ação é complexa, não se resumindo apenas ao controle do peso corporal.” As conclusões do estudo estão na tese de doutorado de Angela, Estudo das funções da leptina durante o período intrauterino e infância no camundongo, defendida no ICB em 10 de maio de 2018.

Angela ressalta que, por se tratar de pesquisa básica, é preciso ter cuidado ao transpor os resultados para os seres humanos, porque se trata de organismos diferentes. “Na verdade, a importância do estudo é dar a possibilidade de olhar as funções e mecanismos influenciados pela leptina, de uma forma detalhada em momentos críticos da vida”, observa. “A obesidade, por exemplo, é causada por vários fatores, um dos quais é a falha na sinalização de leptina. O estudo gera conhecimento para olhar outros mecanismos e ainda demonstra que observar o início da vida é importante para entender o que acontece com o adulto.”

Mais informações: email angieramoslobo@gmail.com, com Angela Maria Ramos Lobo