Entre fogo e gelo, pesquisadora estuda a vida nos extremos

Bióloga busca entender detalhes sobre a vida microbiana que sobrevive em circunstâncias inóspitas do Planeta

 21/08/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 07/05/2018 às 17:37
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Pesquisadores viajaram no Navio Polar Almirante Maximiano, da Marinha do Brasil – Imagens cedidas pela pesquisadora

Dos corredores estreitos e bancadas tomadas por equipamentos para um navio que se aventurou pelo mar aberto, a pesquisadora Amanda Gonçalves Bendia trocou o ambiente climatizado do Laboratório de Ecologia Microbiana do Instituto Oceanográfico (IO) da USP pela caldeira de um vulcão no continente mais frio do planeta, a Antártida.

Para sua tese de doutorado, Amanda viajou até o território inóspito em busca de novos detalhes sobre a vida microbiana, mais especificamente, sobre o tipo de vida que sobrevive em circunstâncias extremas do planeta Terra.

Diferente do que imaginamos, não é apenas de gelo que o continente antártico se constitui. Ocupado também por vulcões ativos, 91 deles descobertos recentemente, o território oferece condições únicas que, de acordo com o trabalho de Amanda, são capazes de selecionar uma grande variedade de adaptações microbianas.

Entender os limites da vida na Terra é essencial para buscar alvos específicos fora do Planeta – Imagem cedida pela pesquisadora

Formada em Ciências Biológicas e com um mestrado em Biofísica, a pesquisadora começou a trabalhar com microrganismos da Antártida porque desde a graduação se interessou pela área conhecida como astrobiologia, o estudo da origem, evolução, distribuição e o futuro da vida no Universo.

Na USP desde 2012, Amanda explica que para se conhecer a vida fora do Planeta precisamos antes compreender suas limitações aqui mesmo, muitas vezes indo até as regiões mais remotas do globo. “Temos que entender os limites da vida na Terra para buscar alvos específicos fora daqui”, esclarece.

Ao embarcar numa jornada que mesclava ciência de ponta e espírito de aventura, Amanda navegou para uma parte específica do continente conhecida como Ilha Deception. Localizada na região da Península Antártica, a ilha difere de outros vulcões antárticos especialmente pela sua influência marinha e temperaturas mais elevadas.

Localização da Ilha Deception, nas Shetland do Sul – Mapa: Apcbg via Wikimedia Commons / CC BY-SA 3.0

“Deception é um dos lugares mais interessantes do Planeta justamente porque ela é um vulcão”, explica a bióloga. Na superfície visível, é possível enxergar uma ilha aparentemente comum, entretanto, submerso está o corpo de um vulcão. “Houve um colapso durante uma erupção que criou uma abertura, então conseguimos entrar com o navio dentro da caldeira”, narra ela. Inundado pelo mar, o espaço tem aproximadamente 9 km de diâmetro.

Uma vez posicionados no centro da caldeira, pesquisadores a bordo do Navio Polar Almirante Maximiano, pertencente à Marinha do Brasil, se aproximam dos pontos de coleta, descem em botes e rumam para terra firme em busca de amostras. “Esse é o único lugar do Planeta em que alguém consegue entrar de navio na caldeira de um vulcão e a entrada de Deception é bem estreita, então nem todos os navios conseguem acessar”, salienta Amanda.

Local é o único do Planeta em que se pode entrar de navio na caldeira de um vulcão – Imagem cedida pela pesquisadora

Conforme a tese, foram coletadas amostras de sedimentos associados a fumarolas – aberturas na superfície da crosta da Terra que emitem vapor de água e gases – e geleiras em dois sítios geotermais de Deception, com temperaturas variando entre 0°C a 98°C.

Imagem cedida pela pesquisadora

“Nossa pergunta lá era entender como se dá a vida nessas condições tão extremas de temperatura”, conta Amanda, ao explicar que normalmente um vulcão tem fumarolas que atingem até 100°C de temperatura, e na Antártida, um ambiente predominantemente gelado, com geleiras permanentes, isso gera um contraste muito acentuado de temperaturas em distâncias bem curtas. “Em poucos metros, vemos esse gradiente muito extremo e queríamos entender como microrganismos conseguem sobreviver e responder a essas condições tão radicais”, sumariza.

Diferentes técnicas independentes de cultivo foram empregadas para tentar decifrar como as comunidades microbianas respondem às variações ambientais extremas produzidas pela atividade vulcânica, esclarece a tese.

Com a missão de compreender quem eram, como sobreviviam e o que estavam fazendo naquele ambiente tão inóspito, a bióloga relembra detalhes sobre a imersão na Antártida. “Fiquei quase quatro meses a bordo do navio na primeira vez, mas fui três vezes. As coletas que fiz durante o doutorado foram feitas na primeira vez”, conta Amanda.

Os resultados indicaram que a co-ocorrência de arqueias – um grupo de seres vivos semelhantes às bactérias, mas genética e bioquimicamente bastante distintos – e suas adaptações com microrganismos metabolicamente diversos adaptados a regiões geladas representam uma estrutura de comunidades única para ecossistemas antárticos.

Pesquisa forneceu dados inéditos sobre diversidade e adaptação microbiana a ambientes polares – Imagem cedida pela pesquisadora

“Encontramos bactérias e arqueias completamente diferentes, de acordo com a temperatura. Nas temperaturas mais quentes, encontramos arqueias que são chamadas de hipertermófilas, que sobrevivem acima de 100 graus em média, e além disso detectamos alguns grupos que nunca tinham sido observados na Antártida antes”, enumera. Geralmente, esse tipo de arqueia é encontrado apenas em fumarolas termais de oceanos profundos; encontrá-lo na Antártida foi, para Amanda, “bem contrastante”.

A partir de agora, inferir como que essas arqueias que sobrevivem acima de 100 graus conseguiram chegar a um ambiente polar é uma das muitas questões ainda em aberto para a especialista.

A tese forneceu dados inéditos sobre questões centrais de diversidade e adaptação microbiana a ambientes geotermais polares, mas para cultivar organismos coletados em laboratório é preciso um estudo ainda mais minucioso, que envolve técnicas avançadas como estudos genéticos do DNA e RNA das espécies.

“Se nós conhecermos melhor o genoma deles, talvez consigamos simular melhor as condições ambientais em laboratório e cultivar o maior número de microrganismos”, destaca ela, ao revelar que o pós-doutorado na área já está em andamento.

O doutorado A vida microbiana em um vulcão antártico: diversidade e adaptação procariótica na Ilha Deception foi orientado por Vivian Helena Pellizari, do Instituto Oceanográfico, defendido no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e pode ser acessado neste link.

Mais informações: (011) 3091-6557, e-mail amandagb@usp.br com Amanda Gonçalves Bendia

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