Assinatura molecular pode prever progressão de neoplasias para leucemia mieloide aguda

Mecanismo de ação foi verificado em tipo específico de neoplasia e envolve uma resposta antiviral, sem a presença de um vírus, no controle do tumor

 11/03/2024 - Publicado há 2 meses     Atualizado: 12/03/2024 as 12:50

Texto: Rita Stella

Arte: Simone Gomes

Foto: Freepik

Pesquisadores relataram ter encontrado uma assinatura molecular que pode prever se uma neoplasia (multiplicação anormal de células) irá se transformar em leucemia mieloide aguda (tipo agressivo de câncer do sangue e medula óssea). O achado indica ainda o benefício e o melhor momento para o tratamento destas neoplasias com agentes hipometilantes (fármacos que controlam o crescimento do tumor). Os resultados vêm de estudo, recém-publicado pela British Journal Haematology, realizado por Fabíola Attié de Castro, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, durante seu pós-doutorado (financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp) na Universidade de Toronto, Canadá, sob a supervisão do professor Daniel de Carvalho.

O foco da pesquisa foram as Neoplasias Mieloproliferativas-Ph-negativas (neoplasias mieloproliferativas cromossomo Filadélfia negativas), doenças que promovem aumento de células maduras (hemácias, leucócitos e plaquetas) no sangue e medula óssea. Três dessas neoplasias, as mais frequentes e com risco de progredirem para leucemia mieloide aguda, foram escolhidas: a policitemia vera (PV) e a trombocitemia essencial (TE), que representam de 1% a 2,3% dos casos, e a mielofibrose primária (PMF), de 10% a 20% dos casos. São doenças crônicas que atingem em média uma a cada cem mil pessoas e levam longo tempo para progredir para a leucemia mieloide aguda. O principal problema é “quando progridem para leucemia mieloide aguda secundária, que ainda não tem um tratamento eficaz e curativo”, informa a  pesquisadora. 

Fabíola Attié de Castro - Foto: Arquivo pessoal

Entre os destaques dos achados estão a diminuição da expressão dos genes da via de sinalização do interferon (proteína produzida como resposta imunológica contra vírus, bactérias e células tumorais) e, inversamente, a alta expressão dos genes de células-tronco leucêmicas, observada durante a progressão e transformação das neoplasias estudadas em leucemia mieloide aguda. “A alta expressão dos genes das células-tronco leucêmicas está associada ao pior prognóstico dos pacientes e maior potencial de proliferação celular”, afirma Fabíola, adiantando que o achado pode servir para identificar a progressão para leucemia aguda.

Ainda entre os resultados, os pesquisadores verificaram que o tratamento com os agentes hipometilantes em baixa dosagem ativa a via do interferon, induzindo “uma resposta de mimetismo viral” contra as células tumorais. Esse fato chamou a atenção pois é a primeira vez que se observa esse tipo de resposta em células de neoplasias mieloproliferativas pós uso desses medicamentos. O achado indica que há benefício no uso desses fármacos, como a azacitidina e decitabina, como adjuvantes no tratamento dessas neoplasias mieloproliferativas, “pois controlariam o crescimento do tumor e a progressão para leucemia”, acrescenta.

Ao explicar o mimetismo viral produzido pelo interferon e a ação dos agentes hipometilantes verificados na pesquisa, Fabíola afirma que se trata de um mecanismo que garante a expressão de vários genes que, provavelmente, estariam “silenciados” nessas neoplasias. “Ou seja, ativa na célula uma resposta antiviral sem que um vírus esteja presente, diminuindo o potencial de proliferação das células-tronco leucêmicas e sensibilizando as células à morte por apoptose [morte celular programada]”, afirma a pesquisadora.

Estímulo do interferon

A ideia da pesquisa surgiu após a publicação, realizada em 2015 pela equipe do professor Daniel de Carvalho (supervisor do pós-doutorado de Fabíola no Canadá), reportando a ação dos agentes hipometilantes no câncer colorretal, que se dá por meio da indução do viral mimicry (mimetismo viral). A professora conta que o tratamento ativava numerosas vias de sinalização bioquímica celulares que resultava no estímulo do interferon. Como tanto o interferon quanto os agentes hipometilantes já estavam sendo usados para tratar neoplasias mieloproliferativas, decidiram investigar a relação entre via do interferon, inflamação e células-tronco leucêmicas e o que estava envolvido na progressão das neoplasias.

A pesquisa foi realizada com estudos in silico (com tecnologias bioinformáticas) de informações de banco de dados de expressão de genes; em modelo animal, camundongos que desenvolvem a doença, e em células de pacientes do Banco de Amostras do Hospital Princess Margaret de Toronto, Canadá. Estas últimas foram analisadas antes e após a progressão da neoplasia para a leucemia (amostras dos mesmos pacientes), ou seja, em amostras da fase crônica (mielofibrose) e avançada da doença (leucemia mieloide aguda secundária). Ao lado da equipe do Canadá, colaboraram com o estudo os professores Lorena Lobo Figueiredo Pontes e Fernando Chahud, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Os benefícios dos resultados do estudo para os que sofrem com essas doenças, no entanto, ainda precisam ser confirmados por pesquisas clínicas em grande número de pacientes, antecipa a pesquisadora, cujo trabalho vem sendo reconhecido por toda a comunidade científica, incluindo renomados hematologistas internacionais, como fez o hematologista Hans Carl Hasselbach, pesquisador do Departamento de Hematologia do Zealand University Hospital em Roskilde, Dinamarca, em recente publicação no British Journal of Hematology.


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.