Relatos de fé e de milagres inspiram documentário sobre a Folia de Reis

A partir da Companhia de Reis Irmãos Adolfo, o filme retrata o universo dessa manifestação cultural. Lançamento será no “30º Encontro Nacional de Folia de Reis”, em Ribeirão Preto

 25/01/2024 - Publicado há 3 meses
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Documentário Andanças da Fé mostra, em 48 minutos, a jornada da centenária Companhia de Reis Irmãos Adolfo – Imagem: Carlos Alberto Corrêa Moro

No coração de Ribeirão Preto, a tradição da Folia de Reis ganha vida. Na celebração da 30ª edição do Encontro Nacional de Folia de Reis no município, um documentário promete levar o público, em 48 minutos, a uma jornada da centenária Companhia de Reis Irmãos Adolfo. Andanças da Fé, dirigido pelo antropólogo Carlos Alberto Corrêa Moro, mestre pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e doutorando na Unicamp, será exibido pela primeira vez em um evento especial na Praça José Rossi, na Vila Virgínia, no dia 27 de janeiro, às 19h.

A produção, resultado da colaboração entre as produtoras Oficina Corisco e Nave Mãe Filmes, com apoio da Secretaria de Cultura e Turismo de Ribeirão Preto, oferece um retrato da Folia de Reis enraizada na cultura local. O filme não se limita a documentar as atividades da companhia, mas também captura o cotidiano, durante quase três meses, explorando os bairros tradicionais da cidade. 

Após se deparar com uma grande desestruturação de grupos culturais como resquícios da pandemia da covid-19, o diretor chegou à Companhia de Reis Irmãos Adolfo. Fundada por Adolfo Alves e agora coordenada por seu filho Baltazar Alves, desempenha um papel crucial, desde a década de 1960, na preservação dessa manifestação cultural em Ribeirão Preto, conquistando, em 1992, a oficialização da Festa de Santos Reis em lei municipal.

Carlos Alberto Corrêa Moro – Foto: Arquivo Pessoal

Uma das nuances do documentário, destaca Moro, foi a proximidade com os membros da companhia. Após conviver por cerca de dois meses com os protagonistas da folia na região de Ribeirão Preto, o documentarista afirma ter estabelecido vínculos e amizades que culminaram em entrevistas emocionantes.

Destacam-se relatos de perdas pessoais, como a comovente história do mestre da companhia, Reginaldo, que, apesar de perder um neto para o câncer, manteve firme sua fé nos Santos Reis. “Todos eles tinham um relato de milagre muito próximo para relatar para a gente, então todas essas entrevistas foram muito emocionantes e delicadas de conduzir”, analisa. 

Ao se aventurar no estudo da Folia de Reis, o diretor ressalta o contato mais profundo com elementos de brincadeira, musicalidade e performance, permeados por uma forte carga de religiosidade e fé no sagrado. “Então esse processo foi mais rico, o elemento da festa, como aglutinador de pessoas, acontecendo numa manifestação totalmente ligada ao sagrado, acontecendo numa comunidade urbana”, constata o documentarista.

A trama busca, então, registrar os eventos festivos e também refletir sobre a maneira como essa tradição, historicamente ligada à comunidade rural, “se mantém, mas se reconfigura no contexto urbano”, comenta o diretor. Além das experiências pessoais, as entrevistas revelam uma conexão profunda entre a tradição da Folia de Santos Reis e o passado agrícola de Ribeirão Preto. 

Documentarista conviveu por dois meses com os membros da companhia – Imagem: Carlos Alberto Corrêa Moro

Ribeirão Preto e a Folia de Reis

A Folia de Reis é uma celebração religiosa que relembra a viagem dos Três Reis Magos para homenagear o nascimento de Jesus Cristo, comemorada no dia 6 de janeiro. Com origem portuguesa ligada ao Natal, o culto foi trazido ao Brasil ainda durante a colonização e se mantém como parte do ciclo natalino, enraizado na cultura brasileira. 

Natural de Ribeirão Preto, Moro relembra a participação do próprio pai na festa, que, apesar de ateu, frequentava as festas de Santos Reis para fazer revoadas de pombos-correio criados por ele mesmo. No retorno ao município, após sair para estudar antropologia, Moro decidiu observar a cultura popular da região. “O interesse de fazer o documentário vem do pós-pandemia, para saber como esses grupos estavam se virando depois de dois, três anos parados, sem atividades”, explica.

Em uma cidade que se orgulha de ser a “Capital Nacional do Agronegócio”, a Folia de Santos Reis, diz o antropólogo, se torna um elo que une uma comunidade dispersa na vastidão urbana. As visitas, antes concentradas em comunidades rurais, agora se estendem por bairros da cidade, com uma logística ajustada para conciliar trabalho e evitar problemas com pessoas que manifestam outra fé. “Se no passado as visitas ocorriam ao longo de algumas semanas, no contexto urbano atual ela acontece ao longo de dois a três meses”, conta Moro. 

Ao explorar os símbolos que compõem a identidade de Ribeirão Preto, o antropólogo destaca a inscrição em latim no brasão da cidade, Bandeirantium Ager, termo para Terra de Bandeirante, remontando à época de ocupação territorial. No entanto, diz, essa perspectiva não deixa espaço para a história de povos nativos e exclui da narrativa oficial da cidade outras experiências de vida e culturas que existiram na região e que foram perdidas devido ao avanço do agronegócio, urbanização e êxodo rural, como a Folia de Reis.

Nesse contexto, para Moro, o documentário emerge como uma tentativa de desafiar essa narrativa única, buscando mostrar para além do domínio do agronegócio. “Tem outras experiências que seguem pulsantes, outras formas de vida que se recolocam no contexto urbano e se reconfiguram, que ganham sobrevida, se transformam e conquistam espaço.” 

Mesmo diante das transformações, a fé nos Santos Reis e a tradição da folia permanecem como elementos que constroem comunidade, segundo o documentarista, em uma celebração anual que alcança cerca de 500 pessoas. A festa, construída comunitariamente, reflete a continuidade e a adaptação dessa tradição no contexto urbano de Ribeirão Preto.

30º Encontro Nacional de Folia de Reis
27/1, sábado – Exibição do documentário Andanças da Fé, às 19h.
Local: Praça José Rossi, Vila Virgínia.

28/1, domingo – Às 9h celebração de missa.
Às 10h, hasteamento das bandeiras.
Entre 10h30 e 21h30, apresentações de cerca de 30 Companhias de Reis e Congadas de Ribeirão Preto e região. Às 16h30, encenação do presépio vivo.
Local: Praça José Rossi, Vila Virgínia.

Eventos abertos ao público e gratuitos. 

*Estagiário sob supervisão de Ferraz Junior e Rose Talamone

 


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