O Brasil deve ser protagonista no combate à crise climática no mundo

Pesquisadores da USP presentes na COP 28 mostraram como o imenso laboratório natural do País e as iniciativas em curso tornam a liderança um desafio que precisa ser assumido

 06/12/2023 - Publicado há 5 meses

Texto: Rose Talamone

Arte: Simone Gomes

Pesquisadores da USP que participaram do painel Diálogo científico sobre ação climática e investimento sustentável no Brasil – Foto: Rose Talamone

O painel Diálogo científico sobre ação climática e investimento sustentável no Brasil, organizado pela USP, reuniu em Dubai, nos Emirados Árabes, diferentes pontos de vista sobre uma mesma questão: o Brasil tem condições de servir como laboratório para os desafios globais da crise climática, mas ainda precisa conhecer e superar barreiras.

Na abertura do encontro, Patrícia Iglecias, professora da Faculdade de Direito (FD) e superintendente de Gestão Ambiental (SGA) da USP, apontou que, sendo detentor da maior biodiversidade do planeta, o Brasil deve criar um modelo econômico baseado no uso sustentável dos seus recursos naturais.

De acordo com dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a bioeconomia movimenta 22 milhões de empregos no planeta e perto de dois trilhões de euros. Neste montante, diz a professora, as oportunidades de atrair investimentos do Fundo de Reparação de Danos, discutido na COP 28, colocam o País em destaque.

“Apesar de possuir uma legislação robusta, a agenda prática ainda não é real. Citando o professor Fabio Konder Comparato, deveríamos passar do governo das leis para o governo de políticas públicas, porque não significa obedecer ou não, mas desenvolver projetos que permitam a economia de baixo carbono.”

Como ex-presidente da Cetesb e ex-secretária estadual de Meio Ambiente, citou como exemplo histórico o acordo entre o governo do Estado de São Paulo e o setor sucroalcooleiro para redução escalonada da emissão de gases, fruto da queima da palha da cana de açúcar. Desde 2007 o setor foi deixando de queimar a cana, via mecanização do campo, e a emissão hoje é 0,06% de queima diária em relação a 20 anos atrás. “Foi uma construção conjunta com o setor privado, uma agenda ambiental assumida pelas partes que deu certo.”

Em outro exemplo desta discussão econômica em torno da sustentabilidade, Iglecias citou a importância da energia solar na matriz energética brasileira, potencial de investimento externo. Segundo a professora, “dados da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) mostram que o setor deve alcançar 1 milhão de empregos em 2023, já trouxe para o País 155 bilhões em investimentos e evitou a emissão de mais de 40 milhões de toneladas de CO2 na geração de eletricidade”.

“São as soluções baseadas na natureza e temos que avançar, não é só pelo mercado de carbono, mas no pagamento por serviços ambientais. Criar uma estrutura de negociação, empresas que querem reduzir as pegadas de carbono ou compensar, trabalhando com quem oferece estes serviços, com segurança jurídica e regularização das responsabilidades prévias que, afinal, possam agregar valor.”

Para ela, na agenda da ESG, deve haver conexão com finanças, do ponto de vista social, ambiental e de governança. “Nós temos o potencial de regenerar 15% dos créditos voluntários de carbono com soluções de sequestro natural. Isso também justifica o Brasil ser hoje a bola da vez.” 

Para o professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, o Brasil “tem vantagens estratégicas gigantescas se comparado a outros países, mas é preciso saber aproveitar essas vantagens de uma maneira adequada.” Para ele, não basta falar em reflorestamento, mas na restauração ecológica e na proteção da biodiversidade para realmente haver sequestro de carbono da atmosfera, o que é central na recuperação climática do mundo como um todo.

Da esquerda para a direita, professores Fernanda Brando, Patricia Iglecias, Tadeu Malheiros e Tamara Gomes, da Superintendência de Gestão Ambiental da USP, recebem a placa do UI GreenMetric World University Ranking  – Foto: Rose Talamone

“A ideia é transformar toda aquela área degradada pelo desmatamento em uma área de restauração ecológica. Ainda temos que resolver a questão da bioeconomia e buscar formas inovadoras de proteção e exploração sustentável. A estabilidade dos ecossistemas é que vai propiciar o sequestro do carbono.”

O professor destacou, ainda, portas que estão sendo abertas na COP 28. “Durante a COP 28, o governo brasileiro fez anúncios importantes de agenda verde, o Arco da Restauração Ecológica, envolvendo os ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente e o BNDES em investimentos ambientais para início imediato. Horas depois, o Banco Mundial anunciou seu interesse em colaborar.”

Artaxo destacou também que em termos de mercado de carbono, é preciso levar em conta as populações locais. “Não é apenas uma questão financeira associada à indústria. Temos que lembrar que a região que será fortemente impactada pelas altas temperaturas é a região tropical. Então as iniciativas de recuperação ambiental precisam levar em conta as populações locais porque serão eles os guardiões de proteção da biodiversidade e do monitoramento do sequestro de carbono. Você tem o compromisso de sequestrar e manter esse carbono por no mínimo algumas décadas ou de preferência por alguns séculos. E como garantir isso? A ciência ainda está atrás de respostas. Como fazer esse monitoramento em grande escala? São desafios científicos. Temos que pegar esse touro pela unha e desenvolver métodos inovadores que possam ajudar o País a preservar sua biodiversidade, a ser forte sequestrador de carbono e ainda reduzir desigualdades sociais e econômicas.”

Entre os palestrantes, o professor Tadeu Malheiros, engenheiro civil coordenador do mestrado nacional de ensino de ciências ambientais e orientador da Superintendência de Gestão Ambiental da USP, afirmou que a população mais atingida pela crise climática no mundo será a mais pobre, que no Brasil convive com déficit no saneamento básico e no abastecimento de água. 

Um dos destaques do encontro foi conhecer o projeto desenvolvido pela Escola Estadual Professor Sebastião de Oliveira Rocha, de São Carlos, selecionada pela Unesco para a COP 28. Os alunos desenvolveram um sistema de cultivo de microalgas em aquários, alimentadas com fertilizantes e sob luzes artificiais. A capacidade de sequestro de carbono destas microalgas supera a de uma árvore em crescimento.

Para viabilizar a iniciativa, os estudantes buscaram apoio da Universidade Federal de São Carlos, do Instituto de Química e da Escola de Engenharia, ambos da USP em São Carlos. O contato com a academia fez surgir a ideia de se inscreverem para a COP 28, dada pelo professor Tadeu Malheiros, orientador dos alunos no projeto. Finalmente, conseguiram financiamento da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, para a viagem.

Os alunos mantêm também projetos de biodigestor dos resíduos da cantina, hidroponia, horta e captação de água de chuva na escola. Para Malheiros, é um exemplo da importância das parcerias, de criar pontes entre a academia e políticas públicas para o futuro. O professor participa de projetos que já formaram mais de 500 professores do ensino básico em ciências ambientais.

Ainda entre os pesquisadores da USP, o professor Julio Romano Meneghini, da Escola Politécnica (EP) da USP, à frente de estudos pioneiros no uso do hidrogênio verde, falou sobre a necessidade de que pesquisas tecnológicas e de inovação envolvam a academia, os governos e a iniciativa privada, além de parcerias internacionais. 

Biodiversidade e agenda climática

No painel, especialistas da área jurídica e da iniciativa privada trouxeram suas experiências no Brasil, com mediação da engenheira agrônoma Tamara Gomes, professora da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos de Pirassununga (FZEA) da USP, e Suani Coelho, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Bioenergia do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEE-USP), e da advogada Rosa Ramos, presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB-SP.

O palestrante Artur Ferreira, pesquisador do Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais da Fundação Getúlio Vargas, reiterou a importância de financiar a proteção e recuperação da biodiversidade; O papel das novas tecnologias para uma agricultura tropical de baixo carbono foi o tema Arthur Gomes, especialista em Direito Ambiental e Gestão Estratégica de Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), campus São Paulo; o tema da professora Josilene Ferrer, da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), foi A conexão entre educação, qualidade de vida, erradicação da pobreza e agenda climática; e, por fim, o juiz federal Gabriel Wedy, professor de Direito Ambiental da Universidade Unisinos, resgatou a questão legal envolvendo as novas tecnologias e os direitos individuais e coletivos em relação aos danos climáticos. A juíza federal Consuelo Yoshida (PUC-SP), especialista em direitos difusos e coletivos, falou sobre a Justiça climática e Agenda 2030.  

No encerramento, a professora Tamara Gomes fez um balanço das apresentações e concluiu que o evento mostrou quatro eixos importantes, parcerias entre público e privado, a importância da ciência na crise climática, a justiça climática e o avanço tecnológico, tanto nas áreas industriais como na área agrícola. “O grande desafio dessa COP é discutir todos esses temas e encontrar alternativas viáveis para as mudanças climáticas e a USP tem papel fundamental ao compartilhar o seu conhecimento para promover a justiça climática.” 

Paralelo ao evento, o UI GreenMetric World University Ranking 2023 anunciou que a USP é a oitava universidade mais sustentável do mundo. GreenMetric é uma rede global que reúne universidades de todo o mundo no desenvolvimento de projetos voltados à sustentabilidade ambiental nos próprios campi, na educação e pesquisas relacionadas ao tema e em ações promovidas junto à comunidade. Leia mais neste link.


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