Preferida pelo público feminino, literatura “hot” tem as mulheres como protagonistas

Sexóloga Jaroslava Valentova explica as razões pelas quais as mulheres são mais atraídas pela pornografia literária, enquanto os homens preferem a pornografia visual

 05/04/2023 - Publicado há 1 ano
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Apesar de historicamente censuradas, as mulheres surgem como protagonistas na pornografia escrita – Foto: Reprodução/Freepik
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O sexo sempre esteve presente na literatura. A pornografia literária tem uma longa história que remonta a tempos remotos como na Grécia Antiga, com as obras As Bacantes e As Tesmoforiantes, de Eurípedes. Na Idade Média, Decameron, de Giovanni Boccaccio. Na era vitoriana, Fanny Hill, de John Cleland, publicada em 1748, e My Secret Life, publicada em 1888. A pornografia literária pode ser vista como uma forma de expressão artística e social que reflete as transformações culturais e mudanças nas normas e valores vigentes. De volta ao presente, a literatura pornográfica passou a dividir espaço com a pornografia visual, com o advento das fotografias e dos vídeos. E um estudo realizado por Jordan Bernt Peterson, psicólogo clínico canadense e professor de psicologia da Universidade de Toronto, afirma que as mulheres preferem pornografia literária à visual. 

Apesar de historicamente limitadas e muitas vezes censuradas, as mulheres surgem como protagonistas na pornografia escrita, conhecida como hots. A eroticidade feminina surge como uma forte ferramenta emocional, o que traz consigo a sensação de empoderamento da mulher. Escritoras como Anais Nin, Catherine Miller e Cassandra Rios expandiram as fronteiras da narrativa carregada de travessuras sexuais e conquistaram milhões de leitoras nos quatro cantos do mundo.

Carol Castro – Foto: Arquivo pessoal

A inclusão erótica na narrativa acrescenta camadas complexas à história, tornando-a ainda mais envolvente e intrigante. Esse desejo, expresso com timidez ou ousadia, é uma performance escrita em páginas que transcendem para a imaginação. E Carol Castro, estudante de jornalismo, se deixa envolver pelo imaginário. Ela comenta por que a literatura pornográfica é tão chamativa para ela. “Os livros possuem a construção de personagens, uma idealização de relacionamento, um enredo preestabelecido, uma história por detrás. É uma noite mal dormida que se transforma em um café da manhã e sexo na cozinha, são as cenas eróticas que provocam seu imaginário.” 

Já o publicitário Victor Hugo Egydio conta que nunca leu nenhum trecho da pornografia literária, porque nunca se sentiu atraído. Ele se enquadra no perfil detectado pela pesquisa canadense em que a preferência masculina é pela pornografia visual. “A primeira vez que eu assisti pornografia eu tinha oito anos. Eu estava vendo TV a cabo na casa dos meus avós em uma manhã de domingo. Acabei achando aqueles canais ditos proibidos e fiquei intrigado. Era algo diferente, e eu era curioso. Lembro de sentar pertinho do roteador, e assim que escutava um barulhinho já trocava o canal para desenho. Na época não acho que compreendi muito bem o que senti, mas foi diferente e gostoso, me senti seduzido pelo que via.”

A sexóloga Jaroslava Valentova, professora do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia (IP) da USP, aborda o assunto de forma mais científica. Ela explica que uma das principais razões das mulheres serem tão atraídas pelos hots e os homens pela pornografia visual reside no fato de a pornografia literária ser majoritariamente escrita por mulheres e para as mulheres e a pornografia cinematográfica, produzida por homens e consumida pelo público masculino. 

Jaroslava Valentova – Foto: Reprodução/Currículo Lattes

“A pornografia literária, em seu âmago, descreve a experiência da mulher. É a mulher que gosta de tomar banho com a água tão quente que queima sua pele e a deixa vermelha, que gosta de fazer bastante espuma com o sabonete e depois, com as mãos brancas se acariciar, sentir-se arrepiando, os bicos dos seios ficando rígidos. O enfoque é no prazer feminino, o  parceiro, parceira ou parceiros, agindo para satisfazer a mulher. Enquanto na maioria da pornografia visual, especialmente de filmes pornográficos de grandes sites, o conteúdo possui uma perspectiva masculina”, afirma a professora. 

A fala da professora é embasada pelo livro Erotic and Pornography, escrito por Gloria Steinem, ativista pelos direitos das mulheres em 1960, que já previa essa problemática. “Considere também nossos espíritos, que quebram um pouco cada vez que nos vemos em correntes ou em exposição labial completa para o espectador masculino, ferida ou de joelhos, gritando uma dor real ou fingindo para encantar o sádico, fingindo apreciar o que nós não desfrutamos, ser cega às imagens de nossas irmãs que realmente nos assombram – acostumadas a serem humilhadas por si mesmas, pela obscena ideia de que o sexo e a dominação das mulheres devem ser combinados”. A leitora Carol Castro percebe uma objetificação feminina maior nos filmes pornográficos do que nos livros que já leu. 

Victor Hugo Egydio – Foto: Arquivo pessoal

O publicitário comenta o que ele acredita ser a maior diferença entre esses dois tipos de pornografia. Ele supõe que a literatura pornográfica existe mais na imaginação do que na folha de um papel. Acredita na possibilidade de criar uma narrativa única, cada qual com uma interpretação diferente, seja na visualização dos personagens, na posição descrita ou até mesmo nas proporções do corpo, e que nos vídeos essa liberdade é impossibilitada por um visual já preestabelecido.

A sexóloga confirma que a pornografia literária é imaginativa, e a visual não deixa muito a fantasiar, uma vez que a indústria pornográfica tradicional é um mar de estereótipos, “e como achar alguém que encaixe no atraente individual de cada um? É aí que entra a pornografia literária. Ela é muito mais inclusiva, pois é possível imaginar qualquer pessoa na cena”.

“E é o quesito imaginativo que mais me excita” afirma Carol. “É muito mais intenso do que ver uma cena. Você está arquitetando da maneira que você quer e isso torna a experiência prazerosa. Você é o diretor, você cria as cenas, os ângulos, as feições, os gemidos, quem sabe você não se aventura e se coloca como a protagonista?”

Apesar dos hots serem moldados em sua maior parte no imaginativo, o mundo literário ainda retrata uma figura feminina idealizada e inatingível, o que incomoda a estudante profundamente. “Ela é loira e magra, tem olhos azuis e todos os homens a desejam. Ela faz yoga, é fit, tem 8%, 6% de gordura corporal.” Carol afirma que a comparação com as personagens descritas é inevitável e que a imagem irrealista perpetua uma cultura de padrões estéticos irreais, que não refletem a população geral. “Definitivamente, não reflete quem eu sou.”

Isso é prejudicial e pode acarretar um impacto negativo na autoestima de muitas mulheres, segundo a sexóloga. “É uma miragem daquilo que é ensinado e esperado na indústria da beleza. Então é importante que a literatura comece a retratar personagens femininas mais diversificadas e realistas.”


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