Voz das cidades: Ermínia Maricato será homenageada Professora Emérita da USP
Ícone da luta pelo direito à habitação, arquiteta e urbanista da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) será reconhecida pelas contribuições no desenvolvimento de políticas públicas voltadas às cidades
Reconhecida pela sua trajetória política e acadêmica, Ermínia Maricato receberá o título mais alto conferido a um docente - Foto: IEA-USP
A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP irá conceder o título de Professora Emérita para a pesquisadora e professora sênior Ermínia Maricato. A cerimônia de outorga do título será no dia 17 de maio, às 17 horas, no Auditório Ariosto Mila, na FAU. A professora será homenageada pelas suas contribuições na área do urbanismo e no desenvolvimento de políticas habitacionais, além do seu engajamento na luta pelo direito à moradia e à cidade.
Em 1974, Ermínia iniciou sua carreira acadêmica como auxiliar de ensino na área de desenho industrial e percorreu todas as etapas da docência até chegar ao cargo de professora titular. Sua trajetória revela um olhar atento sobre a realidade brasileira e uma preocupação com os problemas urbanos.
A professora da FAU Maria Lúcia Refinetti, que indicou Ermínia para receber o título, destaca sua atuação nas periferias e o seu olhar sobre a política habitacional. “Toda a questão da habitação, para ela, parte profundamente de olhar para a cidade, enxergar a periferia e perceber como a moradia popular era produzida desde a década de 1970”, afirma.
Nesse período, o processo de autoconstrução – alternativa de moradia encontrada pela população de baixa renda – foi documentado no curta-metragem Fim de Semana, dirigido pelo cineasta Renato Tapajós e idealizado por Ermínia.
Maria Lúcia Refinetti Rodrigues Martins - Foto: CV Lattes
Ao Jornal da USP, a urbanista explica que “na periferia, a população construía suas casas no final de semana, no tempo livre, era uma população majoritariamente operária que não tinha recursos para comprar uma casa no mercado. Então, a autoconstrução é esse processo em que o próprio morador faz a sua habitação”. Essa realidade também foi documentada no livro A Produção Capitalista da Casa (e da Cidade) no Brasil Industrial.
Em 1988, Ermínia defendeu a proposta de Iniciativa Popular de Reforma Urbana, junto à Assembleia Nacional Constituinte que se formava para dar à luz a Constituição Cidadã.
Nabil Bonduki - Foto: Reprodução/Wikimedia Commons
“A contribuição da professora Ermínia Maricato para a questão urbana no Brasil é fundamental. Ela teve um papel muito importante como professora e pesquisadora para mobilizar estudantes e urbanistas a olharem com um cuidado especial para as áreas mais pobres da cidade, as periferias urbanas, para as áreas ocupadas por loteamentos clandestinos e favelas”, afirma Nabil Bonduki, arquiteto, professor da FAU e colunista da Rádio USP.
“Ela também teve um papel de destaque na luta pela reforma urbana no Brasil, principalmente pela construção de instrumentos para fazer valer a função social da propriedade e para ampliar os investimentos na habitação social”, acrescenta Bonduki.
Vídeo feito pelo canal Comuns Urbanos apresenta a trajetória política e acadêmica de Ermínia Maricato
Atuação na política
O título de Professor Emérito é a posição máxima conferida a um docente, destacando sua contribuição intelectual para a Universidade. No caso de Ermínia, seu trabalho se estende para além do meio acadêmico, com ênfase na sua participação no governo de Luiza Erundina, entre 1989 e 1992, quando foi secretária de Habitação do Município de São Paulo. Durante a gestão, ela ajudou a implementar programas de mutirões autogeridos, um modelo que abriu caminho para uma prática de Assistência Técnica à Habitação de Interesse Social (Athis) em todo o País.
Em 1996, fundou o Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (Labhab) na FAU, com o objetivo de articular ensino, pesquisa e extensão. E, no ano seguinte, defendeu sua livre-docência com o título A política de habitação e de desenvolvimento urbano da Prefeitura de São Paulo 1989/1992, dialogando com o período em que trabalhou na gestão de Erundina.
Com a eleição de Lula como presidente em 2003, Ermínia foi convidada para fazer parte do programa de governo e da equipe de transição, auxiliando na criação do Ministério das Cidades, sob a gestão de Olívio Dutra, ex-governador do Rio Grande do Sul. A professora ocupou o cargo de secretária executiva. Com base nessa experiência, ela escreveu o livro Impasse da Política Urbana no Brasil.
“A legislação e os planos diretores são avançados, mas a aplicação é muito discriminatória”, conta Ermínia. É com base nessa diferença que elaborou a figura do “elegarça” para representar a descontinuidade entre lei e prática. A imagem consiste em um elefante com pernas de garça, em que o corpo e a cabeça são pesados, fazendo alusão à sofisticação da legislação, mas as pernas são finas e desproporcionais ao resto do corpo, mostrando a dificuldade de se colocar as medidas em prática.
Maria Lúcia enfatiza o compromisso da urbanista com as questões teóricas e práticas. “É uma professora que tem um grande mérito, tanto acadêmico quanto prático. Essa dimensão da produção acadêmica vinculada com a prática em políticas públicas é muito relevante. É uma pessoa que demarca muito bem o campo da habitação de interesse social, da reforma urbana, por ter um grande avanço teórico e uma reflexão de ponta muito fundamentada na realidade brasileira”, diz.
Ermínia Maricato - Foto: IEA-USP
Ermínia já recebeu inúmeros prêmios que reconhecem sua trajetória acadêmica e trabalho político em prol das questões urbanas. Ela foi a primeira mulher homenageada com a Medalha de Ouro, premiação máxima concedida pela Federação Panamericana de Associações de Arquitetos (FPAA), em 2020. A arquiteta também recebeu o Prêmio IAB na Categoria Ensaios, o Prêmio Arquiteto do Ano da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) na categoria Urbanismo, e o Prêmio Juan Torres Higueras.
Bonduki reforça que a homenagem é um reflexo de sua contribuição social, além do trabalho acadêmico. “Quando a gente homenageia Ermínia com o título de Professora Emérita, estamos homenageando não apenas o seu papel na formação de arquitetos e urbanistas, mas também uma professora que foi a campo, estudou a realidade brasileira e fez dessa observação da realidade uma teoria para discutir e enfrentar as questões urbanas no Brasil.”
Serviço
Cerimônia de outorga do título de Professora Emérita a Ermínia Maricato
Quando: 17 de maio, às 17 horas
Onde: Auditório Ariosto Mila – Rua do Lago, 876, Cidade Universitária, São Paulo
Com transmissão pelo canal da FAU no YouTube
*Estagiária sob supervisão de Tabita Said e Antonio Carlos Quinto
**Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado
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