O professor Eduardo de Almeida Navarro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, analisa os motivos que levam ao desaparecimento de línguas: “O que provoca o desaparecimento de línguas nacionais, por exemplo, é o enfraquecimento do Estado ou o domínio de um outro povo sobre aquele Estado, como foi o caso da língua latina. O latim desaparece quando o Império Romano é invadido por outros povos e, a partir de um certo momento, se transforma completamente nas chamadas línguas neolatinas”.
Desaparecimento imposto
A imposição do idioma do colonizador é um aspecto determinante. A língua dominante é tradicionalmente escrita e possui uma força muito maior que as línguas de tradição oral. “A língua que se escreve se altera com muito menos rapidez do que a língua que não se escreve, que somente se fala. Então, essa língua está ameaçada quando ela é falada por poucas pessoas”, aponta o professor.
Um exemplo disso são as línguas indígenas da América do Sul, sobretudo no Brasil. De acordo com Navarro, centenas de línguas eram faladas às margens do rio Amazonas: “O Padre António Vieira chegou a dizer que aquele rio era o rio Babel e que a única coisa que se sabia sobre essas línguas é que elas eram incontáveis”.
O professor conta que são línguas faladas por comunidades pequenas e diante da força de uma língua escrita, que tem um Estado por trás garantindo o seu uso, a língua minoritária tende a sucumbir e desaparecer. “São línguas que estão em uma condição muito frágil, faladas por um número pequeno de pessoas, algumas são faladas por milhares, mas são poucas. Existem idiomas como o guató, do Pantanal mato-grossense, falado por menos de dez pessoas. Línguas que não se transmitem mais aos filhos, porque os meios de comunicação de massa não utilizam essas línguas, eles só utilizam o português”, atesta.
Ele ainda cita o contexto atual de mundo para dar outros exemplos e indica que a globalização econômica potencializa o domínio da língua inglesa. Para o professor, países de uma só língua que também falam o inglês, como os nórdicos europeus Suécia e Noruega, podem sucumbir a longo prazo. A força econômica representada pelos Estados Unidos e a gradual padronização e imposição de modelos culturais pode colaborar com esse risco.
A língua como preservação histórica e cultural
Navarro destaca a importância da língua para a vitalidade de um grupo: “A língua é a essência de um povo e, ao desaparecer essa língua, esse povo vai perder a sua identidade e vai se enfraquecer. A língua, muitas vezes na história humana, vai determinar a constituição de um território exclusivo do povo que a fala e também a formação de Estados nacionais. Cada povo tem uma língua, isso é um princípio que às vezes não se aplica, mas geralmente é muito importante”.
A morte dos falantes e a falta de continuidade pelos mais novos são aspectos determinantes para o fim de uma língua. A interação com idiomas hegemônicos e a exclusão sofrida em centros urbanos são decisivas. “Os jovens passam a não desejar mais falar a língua dos pais. Muitos deixam a reserva indígena e vão para as cidades para começar uma vida diferente, aí nós temos o começo do fim de uma língua. A língua passa a ser somente entendida pelos filhos e passa não ser mais falada pelos netos”, relata o professor.
Para conter esses danos culturais, são necessárias políticas de proteção. Um Estado que tenha como objetivo preservar a história de seu povo é fundamental. Navarro comenta: “Com o atual governo, nós tivemos uma perda de conteúdos muito grande no que tange ao uso de línguas minoritárias, houve um grande descaso com essa questão. Agora, é preciso ter em mente que é uma tarefa difícil, mas não impossível”.
O desaparecimento de línguas é prejudicial para toda sociedade. Cada língua que desaparece é uma visão de mundo que está desaparecendo e uma forma de perceber a realidade que está deixando de existir. A língua muitas vezes se apresenta como a alma de um povo.
“É fundamental que a humanidade preserve a sua diversidade cultural. A diversidade cultural é como a biodiversidade, quando a biodiversidade diminui, o meio ambiente está sofrendo, a natureza está se empobrecendo. A mesma coisa se aplica às sociedades humanas, quando a diversidade cultural diminui, a experiência humana está se empobrecendo”, enfatiza o professor.
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