Cúpula do Brics se mostra alheia ao que vem acontecendo no mundo

Para o professor Paulo Borba Casella, a postura do Brics é de “um cinismo sem precedentes”, principalmente quando o tema é o conflito entre Rússia e Ucrânia

 27/06/2022 - Publicado há 2 anos
O Brics não é uma organização internacional, ele pode ser considerado um agrupamento de cooperação diplomática
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A 14ª Reunião de Cúpula do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) aconteceu no último dia 23 junho, em um momento de apreensão por conta do conflito que envolve a Rússia e a Ucrânia. Os países discutiram temas atuais e projetaram os próximos passos do grupo. Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, o professor Paulo Borba Casella, especialista em Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP e membro do Gebrics (Grupo de Estudos sobre o Brics da USP), examina as declarações.

O professor lembra que o Brics não é uma organização internacional, ele pode ser considerado um agrupamento de cooperação diplomática. Embora não tenha identidade no direito internacional, o grupo criou uma organização, o Novo Banco de Desenvolvimento e, ao longo dos anos, tem intensificado o número de pautas em suas reuniões.

Paulo Borba Casella – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Casella chama atenção para a postura do grupo diante do conflito envolvendo a Rússia e a Ucrânia: “É uma situação estarrecedora, porque fala-se no item 22 da ata final [da cúpula] sobre a preocupação com a situação humanitária dentro e em volta da Ucrânia e do apoio aos esforços para proporcionar ajuda humanitária em conformidade com os princípios básicos de humanidade, neutralidade e imparcialidade. É de um cinismo sem precedentes, porque falam como se fosse uma situação em que os cinco membros do Brics estão simplesmente assistindo acontecer no mundo”.

As atitudes do grupo neste ano divergem do que é pregado constantemente nas declarações das cúpulas. “Era muito sensato e reconfortante quando reiteravam o compromisso com o multilateralismo, com direito internacional e com o papel da ONU. Neste ano, eles falam disso e não falam quem causou esse circo todo, além das violações maciças de direitos humanos e da destruição em uma escala sem precedentes de um país que não representava uma ameaça. Falam como se isso fosse uma coisa que nós estamos olhando de longe”, aponta o professor.

Controvérsias

Na declaração, existe a menção sobre o Brics produzir cerca de um terço do alimento no mundo, além de temas como as tecnologias digitais e Big Data. Casella diz que parece uma agenda propositiva, em que esses países têm um papel a cumprir: “Mas não falam que há milhões de toneladas de cereais e de grãos produzidos pela Ucrânia que a Rússia tem impedido que sejam exportados, isso já causa fome no mundo e vai causar muito mais nos próximos meses”.

Existem discussões dentro do próprio grupo com relação ao conflito na Ucrânia. “É uma discussão colocada com relação à própria identidade e se faz sentido o Brics dizer que apoia o direito internacional, a ONU e a solução pacífica de controvérsias, quando tem uma bruta agressão contra um país soberano e independente”, comenta o professor.

Um dos principais tópicos abordados para o futuro é a possível inserção de novos membros. Casella indica que a China quer ampliar o Brics, com convite para a Arábia Saudita, Argentina, Cazaquistão, Egito, Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Nigéria, Senegal e Tailândia. “São cinco, se você põe mais dez você triplica o grupo. Não sei se viriam todos de uma vez, mas claramente um colegiado de cerca de 15 Estados ou mais do que o dobro do número atual de integrantes do Brics, o que a China pretende com isso? Fica para nós pensarmos e avaliarmos.”


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