O projeto de lei aprovado pelo Parlamento israelense, na última segunda-feira (24/7), limitando a atuação do Poder Judiciário, ocasiona uma mudança na legislação que afeta o “princípio da razoabilidade”, de acordo com o professor Alberto do Amaral da Faculdade de Direito da USP. Esse princípio permite que o Poder Judiciário anule decisões consideradas “irracionais” ou “não-razoáveis”, explica. Esse cenário ganha proporções maiores com a ausência de uma Constituição formal no Estado de Israel, ou seja, a Suprema Corte legisla a partir de “Leis Básicas”. Assim, a alteração no “princípio da razoabilidade”, segundo o professor, impacta diretamente a estrutura e o exercício da democracia, visto que esse recurso é utilizado para “designar leis inconstitucionais”.
Essa medida faz parte da reforma judicial proposta pelo governo de extrema-direita de Benjamin Netanyahu que, cada vez mais, mostra sinais de conservadorismo e fundamentalismo religioso, conforme Arlene Elizabeth Clemesha, professora de História Árabe da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Ela ressalta que o avanço das políticas antidemocráticas não deve ser visto como algo inesperado, uma vez que esse movimento já estava sendo anunciado na última campanha eleitoral.
Impactos
Alberto do Amaral alerta que, com falta de limites, a reforma pode conceder uma força jamais vista ao Parlamento e quebrar o princípio de separação e equilíbrio dos três Poderes. “Tudo indica que o atual governo israelense continuará em seu intento de reformar o Judiciário e esse é apenas um primeiro passo de outros que virão, conforme declarou o ministro da Justiça”, prevê. Uma das mudanças já pautadas é a modificação no comitê de escolha dos juízes, inclusive da Suprema Corte.
Arlene considera a medida como uma forma de Netanyahu beneficiar a si próprio, tendo em vista que o político corre o risco de ser acusado e condenado por casos de corrupção. “Ele precisa ter maior controle sobre o judiciário ao começar a nomear juízes cooptados, de pouca autonomia, ou juízes que não se importam em agir de maneira política para poder ter alguma chance de não terminar os seus dias preso por corrupção”, pontua a professora.
Reações nacionais
O movimento da sociedade contra o sistema de extrema-direita e suas políticas, segundo Arlene, tem se intensificado desde o início do ano, além de ocupar um lugar de protagonismo na oposição. Entre os grupos que protestam estão associações de pesquisa, acadêmicos e organizações de direitos humanos, que estão movendo pedidos de recurso acerca da aprovação do PL.
Outra preocupação importante é com o setor de segurança do país, como o exército e a polícia, alerta Amaral. “Há o risco de que os israelenses laicos não venham a servir o exército e a perda de reservistas por parte do exército de Israel pode comprometer a segurança do Estado como um todo”, relata o professor.
Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, levanta outro ponto: o aumento da polarização na sociedade israelense entre aqueles que desejam um governo mais progressista e laico e outros que almejam um Estado mais religioso e ortodoxo. Ele esclarece que não se trata de um fenômeno novo, mas que a atual situação política ocasionou uma aceleração do que já estava estabelecido.
O conflito Israel-Palestina é observado por Lehmann como um ponto de tensão crescente que pode enfrentar uma escalada ainda mais violenta nos territórios ocupados. Para o professor, pode haver uma intensificação do discurso político baseado no “combate aos palestinos” como inimigo comum.
Sob esse viés, Arlene ressalta que o governo do país apresenta sérias falhas na manutenção de um regime democrático desde sua criação, em 1948, uma vez que se desconsidera cerca de 20% da população palestina ocupante. “Porque se o país já é configurado para lidar com parte da população de maneira não democrática, não deveria causar surpresa que esse âmbito não democrático acabe resvalando para outras esferas dentro do país”, argumenta a professora.
Repercussão mundial
Apesar de Lehmann declarar ainda ser muito cedo para traçar perspectivas futuras, ele nota algumas repercussões negativas na geopolítica mundial, como é o caso dos Estados Unidos. Arlene, no entanto, avalia que a resposta internacional ainda é fraca diante das decisões antidemocráticas recorrentes na condução do governo.
“O cenário é ruim para a democracia e para o Estado de Direito e isso contribui, sem dúvida, para alimentar uma estratégia da extrema-direita mundial de conceder poder ao Executivo e frear as tentativas de limitação pelo Judiciário”, aponta Amaral.
*Sob orientação de Marcia Avanza
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