A natureza tem soluções contra a crise climática

O sequestro do carbono pela agricultura, pelas matas preservadas ou recuperadas e a revolução dos biocombustíveis podem estar na linha de frente contra o aquecimento global

 08/12/2023 - Publicado há 5 meses     Atualizado: 13/12/2023 as 18:11

Texto: Rose Talamone

Arte: Simone Gomes

Dubai - Fotomontagem com foto de Simone Gomes / ilustração Freepik

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Alternativas naturais para o sequestro de carbono e redução de emissões, que possam mitigar os efeitos do aumento da temperatura global, e o mercado de carbono estão no centro das discussões na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 28, que acontece até o próximo dia 12, em Dubai, nos Emirados Árabes. 

Estudos brasileiros nessas áreas foram trazidos por pesquisadores da USP em evento paralelo nesta quinta-feira (7/12), realizado na Universidade de Sharjah, que firmou, no encontro, acordo de cooperação científica com a USP. O painel A agenda climática e as soluções baseadas na natureza e a implementação do mercado de carbono foi organizado pela USP, pela Universidade de Sharjah e pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB-SP).

Autoridades da Universidade de Sharjah e a professora Patrícia Iglecias, pela USP, abriram as discussões. Para Patrícia, “na COP 28, uma questão central é qual o papel e a contribuição da ciência para o desenvolvimento sustentável. Como desenvolver e lançar colaborações para compartilhar mecanismos e atividades científicas globais”. Na atual emergência climática, diz, o mercado de carbono pode cristalizar novos parâmetros. “As atividades econômicas devem ser orientadas por valores éticos face aos potencialmente afetados por elas. Já há uma tendência para que os indicadores econômicos sejam valorizados pelos impactos sociais e ambientais. Para falar de sustentabilidade e de economia, é crucial abordar soluções que tenham em conta as emissões, olhar para o desenvolvimento de projetos que possibilitem uma economia de baixo carbono.”

Professor Hamid Al-Naimiy, chanceler da Universidade de Sharjah e a professora Patricia Iglecias da USP

Após a abertura da superintendente de Gestão Ambiental da USP, pesquisadores das duas universidades, membros da OAB-SP, empresários brasileiros e o secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, Guilherme Piai Silva Filizzola, colocaram em discussão a situação das florestas brasileiras, em especial a Mata Atlântica, cuja riqueza envolve o uso de produtos e o conhecimento das comunidades, cenário econômico em que as políticas públicas são o fiel da balança como estratégia de conservação.

Um exemplo desta relação foi apresentado pela professora Fernanda Brando da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP), membro da Superintendência de Gestão Ambiental. Para o projeto que desenvolve, com pesquisas e coletas de dados em diferentes pontos da Mata Atlântica, as normas que podem favorecer a sociobiodiversidade local são ainda frágeis e estão em discussão, mas acredita que o trabalho conjunto entre a sociedade civil, a academia e órgãos públicos deve pavimentar este caminho.

Um dos bioprodutos pesquisados é a juçara (Euterpe edulis), fruto de uma palmeira semelhante ao açaí amazônico. Base de variados produtos comercializados e com características funcionais e nutricionais importantes, é explorado pela população tradicional e chegou a ser classificado sob risco de extinção devido à extração ilegal na Mata Atlântica.

Segundo a professora, a exploração racional e sustentável pode proteger a floresta somente se, na prática, também promover o desenvolvimento econômico e social local. “Nossas estratégias são promover a valorização dos produtos e apoiar organizações comunitárias locais, conectando pesquisadores, povos tradicionais, comunidade, gestores e estudantes, procurando entender todas as perspectivas e a contribuição de todos para isso.” Para Fernanda Brando, o Acordo de Cooperação entre a USP e a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, resultado aplicado da pesquisa, pode contribuir para o debate de políticas públicas em relação a essas cadeias produtivas, sendo ferramenta fundamental para a conservação ambiental. “O mais importante é desenvolver boas políticas públicas que possam preservar, proteger os produtos e as pessoas no seu território.”

Fernanda Brando em apresentação na Universidade de Sharjah - Foto: Rose Talamone

Sequestro de carbono na agricultura

No dia 5 de dezembro, Dia Mundial do Solo, a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) lançou um relatório que aponta a urgência de medidas de conservação e preservação do solo. Nos últimos 70 anos o nível de nutrientes nos alimentos diminuiu drasticamente, levando à fome oculta de cerca de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo. Em todo o planeta, 33% dos solos estão degradados e são as camadas superiores da terra as responsáveis por fornecer 15 dos 18 elementos químicos essenciais para as plantas.  A produção agrícola precisará aumentar em 60% para atender à demanda global por alimentos em 2050, mas este patamar só poderá ser alcançado com o manejo sustentável, aponta o relatório.

Para o professor Carlos Eduardo Cerri da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP em Piracicaba, além de serem fundamentais para a segurança alimentar do planeta, a agricultura, a pecuária e a silvicultura podem se tornar parte da solução nas mudanças climáticas globais. Em sua apresentação, Cerri apontou que há uma vantagem única diante de outros setores, como o da energia, a indústria e o transporte, que podem até colaborar diminuindo a emissão de gases, mas que não podem colaborar para o sequestro de carbono da atmosfera. “O nosso setor deve reduzir as emissões, mas consegue também o sequestro do carbono, intermediado pelas plantas naturalmente na fotossíntese.” E vai além. “A planta serve de alimento para animais, para as pessoas, para o biocombustível e quando o carbono do tecido vegetal sofre decomposição por microrganismos no solo e se estabiliza pode ficar ali por séculos.” Para o professor, essa permanência do sequestro é um desafio importante. Coordenador do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon), recentemente criado pela USP, Cerri explicou a necessidade de pesquisas científicas em escala molecular para desvendar processos que estimulem organismos do solo a sequestrar mais carbono e chegar até as raízes profundas. “Investigamos desde a escala molecular até escalas de médio porte, chegando a estudos sobre biomas inteiros. Analisamos seis biomas diferentes no Brasil e temos parcerias com países africanos e europeus para compartilhar experiências, ferramentas e equipamentos.”

Outro programa que envolve parcerias internacionais importantes foi apresentado pelo professor Julio Romano Meneghini, do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), vinculado à Escola Politécnica (EP-USP), responsável pelo projeto da primeira estação experimental no mundo de abastecimento de hidrogênio renovável a partir de etanol.

 A USP também tem atuado na produção de hidrogênio a partir de biometano e gás natural, com captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês), também chamado de hidrogênio azul.

  “Temos a planta piloto que produzirá H2 (gás de hidrogênio) a partir da reforma do etanol, tecnologia inicialmente desenvolvida pela startup Hytron; um outro projeto que visa a obter H2 a partir da vinhaça, resíduo líquido advindo da produção do etanol, além do projeto para produção de eletricidade a partir também do etanol, mas com células de combustível a alta temperatura (SOFC, equipamento no qual a obtenção do H2 a partir do etanol ocorre internamente na célula); e, finalmente, projetos de eletrólise a baixa temperatura otimizada (PEM) e a alta temperatura (SOFC).

” Para Meneghini, o potencial que o Brasil possui de colaborar para a transição energética é único e diferentes soluções poderão ser exportadas para todo o mundo, para a redução de emissões de gases de efeito estufa a partir da cana, a planta mais eficiente na transformação de energia solar em carbono renovável.

Júlio Romano Meneghini em apresentação na Universidade de Sharjah Foto: Rose Talamone

Acordo de cooperação com a Universidade de Sharjah

Pesquisadores da USP participantes de painel na Universidade de Sharjah - Foto: Rose Talamone

A USP, por meio da Superintendência de Gestão Ambiental (SGA) e da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, firmou acordo de cooperação para promover pesquisas e atividades acadêmicas e culturais com a Universidade de Sharjah, nos Emirados Árabes. 

Representando o reitor da USP, professor Carlos Gilberto Carlotti Junior, esteve presente a professora Patrícia Iglecias, pela Câmara de Comércio Árabe-Brasileira Osmar Chohfi e pela Universidade de Sharjah os professores Hamid Al-Naimiy, chanceler, Chaouki Ghenai, do Departamento de Financiamento de Pesquisa e do Comitê da UOS na COP 28, e Abdul Ghani Olabi, diretor do Centro de Pesquisa de Sistemas de Energia e Energia Sustentável. As duas universidades pretendem desenvolver em conjunto projetos de investigação na área de sustentabilidade, conferências e eventos científicos e culturais e ainda facilitar o intercâmbio de informações e de publicações acadêmicas, por meio de cursos e disciplinas compartilhadas.


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