As vantagens do ensino presencial na formação de professores

Por Sahda Marta Ide, professora da Faculdade de Educação da USP

 31/10/2023 - Publicado há 6 meses
Sahda Marta Ide – Foto: Arquivo pessoal

 

Se houvera quem me ensinara, quem aprenderia era eu
(Cancioneiro popular português)

Educação é um dos maiores instrumentos de transformação da sociedade. Entretanto, nosso país ainda precisa evoluir muito para que isso realmente se concretize. Atualmente, com o avanço tecnológico, existem cursos a distância e on-line em todas as áreas do conhecimento, principalmente os de pedagogia e de licenciatura que estão intrínsecos à escola e ao educador, tanto na formação para Educação Infantil, Ensino fundamental I e II e Ensino Médio. No Brasil, foram inseridos pela lei nacional 9.394 de 20/12/1966 e ganharam força a partir de 1999, quando as primeiras universidades começaram a fornecê-los e, por isto, foi criada a Secretaria de Educação a Distância (Seed), com o objetivo de fomentar e regularizar suas ofertas.

Segundo pesquisa do Censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Inep), entre o período de 2009 e 2019 houve um saldo de 378,9% de matriculados no EAD. Entretanto, é importante analisar se eles, assim como os presenciais, formam bons profissionais na atuação na educação das crianças e adolescentes, oferecendo-lhes aprendizagem significativa de leitura e escrita, ou seja, entender o que lê e passar para o papel o pensamento, evitando alfabetismo funcional (dados do Indicador de Analfabetismo Funcional de 2018), que chega a 45% no Brasil.

Há diferenças entre cursos a distância (EAD), cursos on-line e o ensino presencial. Os primeiros têm as seguintes características:
• o material é recebido por correio postal, eletrônico ou telefone;
• manual mediante um software;
• não são interativos e atualizados;
• sequência zerada;
• professor apenas transmissor de conhecimento e aluno receptor passivo;
• não há interação entre companheiros;
• solidão.

É individual e dirigido.

Nos cursos on-line o material está disponível na internet e tem como características principais:
• plataforma LMS;
• registro contextual, interativo e atualizado, por mensagens, chats com respostas rápidas;
• interação e colaboração entre colegas, aluno protagonista e construtor, relativamente ativo.

Há acompanhamento e guia.

Ambos necessitam da internet, a qual, em parte do Brasil, é ausente ou deficitária.

Na formação presencial há vantagens maiores e importantes na aprendizagem, em qualquer área do conhecimento, na formação de professores para Educação Infantil, Ensino fundamental I e II, Ensino Médio e/ou Técnico, com aprofundamento em temas que mais chamam a atenção, bem como no desenvolvimento de habilidades, ajudando, inclusive, na sua inserção no mercado de trabalho, ou seja, proporciona uma graduação de qualidade.

O contato com colegas e professores é feito em todos os momentos do estudo, permitindo que o networking se faça de forma eficiente. Propicia o debate e troca de experiências durante a aula, agregando maior conhecimento, além de ter as dúvidas esclarecidas na hora. Os professores conseguem acompanhar o progresso dos estudantes em formação e saber onde estão suas maiores dificuldades, podendo auxiliá-los de maneira eficaz e otimizar o aprendizado, podendo determinar um horário fora da aula para resolver dúvidas e dar orientações.

Caso perca uma aula, pode rever a matéria com os colegas e pedir explicações posteriores ao professor, uma vez que é um ambiente extremamente propício para a formação de uma rede de contatos de maneira espontânea, afinidades de interesses decisivos à vida profissional, aprofundando-se nas disciplinas obrigatórias, possibilitando, assim, abrir muitas oportunidades futuras.

Há trabalhos em grupo, onde se aprende a trabalhar em equipe, respeitando opiniões e convivendo com as diferenças que, provavelmente, encontrará no mercado de trabalho. Mesmo que ocorram distrações durante a aula, há responsabilidade de absorver o conteúdo naquele momento, pois não há possibilidade de interromper a aula e voltar a assisti-la do mesmo ponto. Cria-se, assim, a obrigação de horários e compromissos preestabelecidos na organização rotineira de estudos. Há projetos de extensão importantes para sua formação, que desenvolvem habilidades para a carreira profissional, além da sala de aula, como as monitorias em disciplinas, que podem gerar identificação com uma área de interesse para uma futura especialização.

O ensino superior presencial tem a vantagem de possuir uma estrutura física melhor, pois se investe em laboratórios (fornece experiência mais completa do que o aprendizado só na teoria), bibliotecas, internet, e o estudante estará em constante contato com o ambiente universitário e mais estimulado a participar de eventos, como semanas acadêmicas, simpósios, palestras, congressos, entre outros. Toda essa formação na graduação presencial também possibilita que os alunos transformem seus próprios atos educacionais, culturais, valores e atitudes que foram adquiridos durante sua formação de vida familiar, social e cultural.

Outro aspecto importante na formação presencial é o estágio supervisionado, que é obrigatório, pois é o período em que os estudantes de pedagogia e licenciaturas acompanham a rotina escolar em todos os setores, ou seja, permite a conexão entre a teoria e a prática, na sala da aula, com os alunos e seu professor, bem como todos os outros setores da escola. De acordo com a resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), este estágio tem que ter duração de pelo menos 400 horas. Entretanto, segundo dados do último Exame Nacional de Desempenho dos Estudos (Enade), de 2021, a maioria dos professores não conclui sequer a carga mínima obrigatória dos estágios em escolas.

Esta situação é muito prejudicial para o Ensino Infantil, Fundamental I e II e Médio, pois, atualmente, esbarramos com um sistema econômico-social, de saúde, cultural e educacional, no Brasil, que não reconhecem diferenças e não garante a igualdade de oportunidades, apesar de existirem lutas pelos direitos e respeitos às diferenças individuais, quaisquer que sejam elas. Entretanto, escolas, sociedade e Estados brasileiros continuam a excluir minorias e integrar timidamente outras.

A integração escolar no meio social é avaliada pelo sucesso escolar, pelo percurso de vida do aluno, implicando que deva ser satisfatório para a comunidade em que vive. Com o ensino presencial e com os estágios supervisionados, os estudantes universitários aprendem que ensinar significa trabalhar com questões como pensamento crítico, reflexão, raciocínio, criatividade e solidariedade, levando em consideração o contexto de cada turma e preparando os alunos para terem condições de lidar com problemas inesperados de vida e buscar soluções individuais e/ou coletivas.

Nos estágios em escolas públicas, eles poderão observar a realidade, na maioria das vezes, catastrófica, de vida econômica, social e afetiva dos alunos presentes na sala de aula, e isso possibilita que aprendam a conhecer e lidar com situações de difícil resolução na escola, como:
• os estereótipos dados aos pais, como “tratam mal os filhos”, “mau ambiente em casa”, “não sabem educar”, “pouco inteligentes”, “vulneráveis” e até adversários, responsabilizando-os pela situação de fracasso escolar e social dos seus filhos;
• aprendem a ter uma relação positiva com a família, por meio de diálogos construtivos, percebendo que são pessoas com problemas graves, tanto no campo econômico, social, educacional, cultural, de saúde, mas com grande potencial de cooperação, quando a situação deles não os impedir;
• observam que a família vivencia a escola como uma instituição que não deseja a sua cooperação, rejeitando sua participação. Porém, quando se solicita seu envolvimento, é uma fonte de satisfação, pois compreendem as necessidades de seu filho e os objetivos educativos, tornando-se parceiros de todo o processo de aprendizagem;
• vivenciará a importância de conhecer as necessidades específicas dos alunos, sua vida, em casa e fora dela, não só para ganhar um aliado familiar e quebrar o isolamento, mas também com todo o meio social que o envolve;
• perceberá que o sucesso e modelo de uma escola para todos não pode ser medido só em função de critérios internos, mas também dos externos, ou seja, aberta às diferenças, onde minorias encontrem uma resposta às suas necessidades. Para isto é preciso mudança de estruturas, atitudes, abertura à comunidade com novos recursos e serviços, beneficiando todos os alunos em geral;
• durante o estágio, o professor em formação perceberá que cada criança é diferente da outra, com as suas necessidades específicas, ritmos, e progride de acordo com as suas próprias possibilidades.

O século 20 foi caracterizado pelo início da obrigatoriedade e expansão da escolarização básica. Porém, no Brasil, há um grupo bastante vasto de crianças e adolescentes que frequenta escolas públicas e não consegue seguir o programa normal, o que leva ao fracasso escolar e consequentemente à evasão. O currículo da escolarização Infantil, Fundamental I,II e Médio deve ser aberto, flexível e concretizado no contexto de cada escola, em forma de projeto como grupo/classe e, caso necessário, para um aluno concreto, mediante uma adaptação curricular individualizada, adaptando-se, da melhor forma possível, às características e necessidades de todos.

Portanto, a graduação presencial é muito mais vantajosa e fundamental na formação de professores à educação brasileira, pois possibilita refletir como educar, de forma efetiva, seus futuros alunos. Aprendem que importantes modificações metodológicas nas atividades de ensino-aprendizagem devem ser efetuadas, priorizando determinados objetivos ou conteúdos, acrescentando e/ou eliminando-os na temporalização com o objetivo de atender a diferentes necessidades existentes entre os alunos por meio das adaptações individuais.

É uma fase transformadora na vida de qualquer estudante universitário, pois surgem amizades que podem durar uma vida inteira, com discussões engrandecedoras, trocas de conhecimento, vivência com a diversidade, entre outras situações fundamentais. Entretanto, a formação presencial não depende somente de uma escolha individual, mas também das instituições governamentais e da sociedade em geral, que têm de dar o suporte físico e financeiro a esses estudantes, bem como às escolas e ao salário dos professores atuantes no magistério que, atualmente, é vergonhoso, mal dando para suprir suas necessidades básicas.

As crianças e adolescentes de hoje serão os responsáveis pelas ações políticas econômicas, sociais e administrativas do futuro do Brasil. Porém, pelo menos 15% delas podem nunca mais voltar à escola, principalmente as de renda familiar mais baixa, o que pode levar até à marginalidade.

Infelizmente, os governos federal, estaduais e municipais, juntamente com uma sociedade sem consciência social, exclui muitos dos seus membros, pois não mobilizam energias e potencialidades, não levam em conta as diferenças, quaisquer que sejam, e tornam a educação empobrecida, sem crítica, sob a tutela de governos inoperantes com propósitos de manipulação socioeconômica, educacional e cultural de sua população. Conclui-se, portanto, que uma formação a distância e/ou on-line, na maior parte das vezes, facilita a Educação decadente da sociedade brasileira.

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