O papel da universidade na formação dos empreendedores

Por Marcelo Caldeira Pedroso, professor livre-docente da FEA-USP

 08/11/2023 - Publicado há 6 meses
Marcelo Caldeira Pedroso – Foto: FEA-USP
O empreendedor é um indivíduo que aloca recursos – tais como tempo, capital, conhecimento, experiência e relacionamentos – para desenvolver um novo negócio. Assim, ele investe no presente visando obter ganhos econômicos e sociais no futuro. Esses ganhos necessariamente estão associados ao impacto na sociedade, na forma de geração de novos empregos, solução de problemas e atendimento de necessidades.

Se esse novo negócio for uma empresa nascente inovadora (ou startup), estamos falando do empreendedor inovador. Para este, as incertezas e os riscos são maiores, comparativamente ao empreendedor de negócios tradicionais. Como contrapartida, as expectativas do empreendedor inovador em relação aos resultados também são maiores.

A universidade, como instituição de ensino (além de pesquisa e extensão), tem o papel de formar pessoas. Especificamente, como ela pode contribuir para formar empreendedores?

Primeiro, é importante considerar que há elementos antecedentes à vida universitária e que contribuem para formar um empreendedor. Por exemplo, algumas pesquisas mostram que há componentes genéticos e fatores familiares que influenciam a intenção empreendedora.

Segundo, é essencial compreender a constituição do empreendedor. Basicamente, podemos considerar três elementos principais associados ao perfil ideal de um indivíduo empreendedor: competências empreendedoras, paixão e mindset (ou configuração mental). Eu denomino “perfil do empreender ideal” (ou IEP – ideal entrepreneur profile) quando uma pessoa com intenção empreendedora apresenta esses três elementos de forma equilibrada.

As competências empreendedoras remetem ao conjunto de conhecimentos, experiências e habilidades do indivíduo em empreender. As competências são associadas ao processo de aprendizagem, e podem ser adquiridas ou modificadas por meio de educação (formação e estudo), experiência (profissional e empreendedora) e observação.

A paixão pode ser caracterizada como a energia que nos impulsiona para realizar nossos sonhos. Essa pulsão pode ser inconsciente ou emocional, típica de um indivíduo que é apaixonado por empreender. Ou a paixão pode ser racionalizada – ou seja, estar conectada a uma razão. Nesse caso, a paixão vira propósito.

O mindset pode ser entendido como uma configuração ou estado mental. O mindset pode ser considerado segundo três aspectos: 1) cognitivo: como os empreendedores usam modelos mentais para pensar e decidir; 2) comportamental: como os empreendedores agem em busca de oportunidades; e 3) emocional: o que os empreendedores sentem e como lidam com o estresse, risco, fracasso e sucesso.

Considero ser necessário que o empreendedor desenvolva esses três elementos de forma harmoniosa. A carência de algum deles pode gerar desequilíbrios. As lacunas de competências empreendedoras podem resultar em decisões inapropriadas. A carência de paixão pode ocasionar apatia, desmotivação e falta de energia. E limitações nos aspectos cognitivos, comportamentais e emocionais de sua configuração mental podem reduzir sua capacidade de adaptação às oscilações e incertezas típicas de uma jornada empreendedora. Isso pode ocasionar consequências importantes, tais como o comprometimento da saúde mental do empreendedor.

Por fim, temos a ação empreendedora. Ou seja, como o empreendedor transforma a intenção em ação. Em outras palavras, a ação empreendedora é o resultado de uma efetiva alocação de recursos por parte do empreendedor.

Ao considerar essas questões, como a universidade pode contribuir para formar empreendedores? Para responder a esta questão, apresento cinco reflexões:

  1. É importante a universidade reconhecer que a formação do empreendedor se origina antes da universidade. Parte dessa questão está associada à compreensão de como os antecedentes de um indivíduo influenciam os motivadores e a paixão empreendedora. Portanto, a vida acadêmica deve ser tratada como mais um estágio na formação do empreendedor.
  2. A universidade deve contribuir efetivamente para o desenvolvimento das competências empreendedoras de um indivíduo. Isso implica oferecer um conjunto de atividades direcionadas à aprendizagem do empreendedor. Esse conjunto de atividades contempla a pesquisa e o desenvolvimento de novos conhecimentos em empreendedorismo; a inserção do tema empreendedorismo no ensino de diferentes cursos; e a disseminação dos conhecimentos em empreendedorismo para a sociedade por meio das atividades de extensão. Dessa forma, a universidade cumpre a sua tríplice missão pesquisa-ensino-extensão.
  3. Além da formação tradicional, a universidade deveria proporcionar oportunidades para desenvolver empreendedores por meio da experimentação e ação. Esse é pressuposto do empreendedorismo baseado em ação (ou action-based entrepreneurship). O Laboratório de Inovação e Empreendedorismo, oferecido em diferentes cursos de pós-graduação, graduação e extensão na USP é um exemplo dessa abordagem.
  4. A contribuição da universidade no mindset empreendedor merece atenção. Um empreendedor pode se deparar com resultados díspares em espaços de tempo relativamente curtos. O fracasso de hoje pode se tornar o sucesso de amanhã – e a recíproca também é verdadeira. Uma possível contribuição da universidade seria no desenvolvimento da resiliência do empreendedor, ou seja, da sua capacidade de adaptação frente ao sucesso e o fracasso. Uma das formas está associada ao estabelecimento de elevados padrões de desempenho aos alunos, concomitantemente ao oferecimento de meios para que eles possam atingi-los.
  5. Por fim, a universidade deve fomentar a ação empreendedora. Isso implica proporcionar condições para que os indivíduos com intenção empreendedora possam avançar para a ação empreendedora. Isso pode ser consubstanciado por meio do acesso a diferentes ativos, tais como recursos financeiros (ex.: bolsas de fomento ao empreendedorismo), instalações (ex.: laboratórios, incubadoras, espaços de coworking), capital intelectual (ex.: patentes) e conexões (ex.: agências de fomento, investidores, hubs de inovação).

A universidade empreendedora apresenta capacidade de inovar, reconhecer e criar oportunidades, bem como habilidade de trabalhar de forma multidisciplinar, assumir riscos e responder aos desafios da ciência e da sociedade. Acredito que as reflexões aqui apresentadas possam contribuir para a pauta de debates das universidades empreendedoras, particularmente em relação ao seu papel de formação de empreendedores.

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