Assim, por meio de uma revisão histórica e estética, busca-se melhor compreensão sobre a diferença entre a contingência e a necessidade de realidades verdadeiras em imagens politicamente instrumentalizadas e exploradas pelos media. Pois, atualmente, um dos principais desafios em comunicação e informação são a codificação e a decodificação dos significados das imagens reais, manipuladas ou instrumentalizadas, principalmente em seus aspectos políticos e ideológicos. Isso se deve especialmente pelo poder de seus efeitos midiáticos globais. Nesse sentido, este ensaio descreve o significado simbólico por trás da representação e da reprodução da imagem midiática — não necessariamente verdadeira — de impacto político na construção de novas realidades mediante uma desconstrução iconológica, comparando a imagem fotográfica com obras de arte consagradas para fundamentar a contingência nas imagens como politização da estética.
As representações vistas recentemente na cultura visual global se apropriaram dos valores essenciais da condição humana, que antes eram de domínio da arte clássica. Muitas obras de arte e seus temas fazem alusão à liberdade de expressão, à ética e à censura e, de forma geral, os significados sociopolíticos das imagens estão contidos na política. Consequentemente, parece que a contingência nas imagens se concentra nos valores de referência absolutos da existência humana, em face do contexto ideológico e do efeito que ele exerce em busca do ideal de democracia.
Enquanto a ética e a estética podem ser questionadas, o uso de obras de arte clássicas pela mídia tem sido mostrado como um meio de contingência na produção de imagens, no sentido de produção de impacto em seus efeitos estéticos. Para fornecer visões sobre a relação entre arte, mídia, política e os aspectos simbólicos das imagens, esta análise se concentra na exploração da personificação da vitória e da liberdade como um padrão para experiências visuais cotidianas e os verdadeiros valores simbólicos que poderiam comunicar fatos por meio de imagens para a política internacional.
Os aspectos simbólicos dos elementos que constituem as imagens encontradas na mídia da sociedade democrática são essenciais, juntamente com uma revisão dos valores dos direitos humanos e da politização dos indivíduos. Contudo, importante enfatizar a cultura visual como expressão estética e o desenvolvimento de raciocínio e cognição influenciado por sinais e símbolos na sociedade e na mídia. Por exemplo, o impacto mundial de uma fotografia tirada por Evan Vucci, da Associated Press, mostra a tentativa de assassinato de Donald Trump em um comício na Pensilvânia em 13 de julho de 2024. Assim, como muitas outras imagens, atualmente este tem sido o tema central sobre o impacto de uma imagem e sua instrumentalização política. Como foi o caso da World Press Photo 2017, de impacto global com a imagem de uma foto tirada por Burhan Ozbilici, um fotógrafo turco, também da Associated Press, mostrando um policial armado gritando e gesticulando, momentos após atirar fatalmente no embaixador russo na Turquia em uma galeria de arte em Ancara.
Por um lado, a fotografia durante muito tempo serviu como registro de realidade. Por outro, a tecnologia de reprodução visual também nos permite manipular as imagens colocando em dúvida a realidade. As reproduções visuais estáticas ou em movimento permitem a manipulação dos elementos de interesse. E mais, os especialistas em conteúdos visuais poderiam, se quisessem, até manipular e produzir significados. Sem considerar ainda as ilimitadas capacidades da inteligência artificial. De qualquer modo, não me parece o caso de imagens realizadas por fotógrafos consagrados pelo seu trabalho de documentação, como recentemente, o reconhecido fotógrafo de guerra Evan Vucci. Não se sabe. Pois em sua entrevista à revista Time, para a matéria Behind the Cover: Interview With the Photographer of the Trump Image, Vucci relata apenas a situação de um fotógrafo ávido pela foto diferenciada. No entanto, como resultado, sua foto propõe tornar o invisível visível, pela composição da imagem estritamente ligada à sua representação e que só se torna visível por causa justamente da disposição de cada elemento em cor e forma como um conjunto que apresenta ritmo, intensidade, fuga e equilíbrio ao olhar do observador, transmitindo a mensagem por meio da percepção como efeito.
Essas são técnicas de composição, e soma-se ainda o conhecimento das teorias que surgiram no início do século 20, entre elas a Psicologia da Gestalt (psicologia da forma, composição ou configuração). No entanto, essas combinações não surgem apenas da experiência técnica de um fotógrafo ou do momento certo da captura da imagem. Deve-se considerar, sobretudo, o impacto sobre o público. Não se trata meramente de entender o gosto do público-alvo para o qual a imagem seria direcionada, mas sim, como o imaginário coletivo interpretaria essa imagem em sua composição tão impactante e os efeitos dessa recepção no contexto sociopolítico no qual a imagem está presente.
Para isso, acredito que Evan Vucci empregou muito bem seu conhecimento sobre a composição da imagem e seus efeitos com base no repertório consagrado ao longo da história, especialmente, ao tratar do tema vitória e liberdade, intrínsecos em imagens de guerra, assim como no contexto político. De certa forma, qualquer semelhança nas composições poderia ser entendida como coincidência! Mas o fato é que o repertório visual de quase todas as pessoas, ou seja, o imaginário coletivo, na representação da vitória e liberdade, ainda segue as mesmas referências para a composição desde as primeiras manifestações figurativas de conquistas tão importantes para os seres humanos: liberdade e vitória. Não importa de qual lado da luta estejam!
Em geral, as imagens políticas — sejam elas fotografias, obras de arte, ilustrações ou cartazes de propaganda — atuam como instrumentos que produzem reações emocionais e mensagens para a sociedade, como foi com a clássica pintura de Eugène Delacroix, A liberdade guiando o povo, retratando a Revolução de Julho de 1830 na França.
Os valores verdadeiros são referências absolutas à existência humana que exploram a eterna luta pela vitória, justiça e liberdade. Eles desafiam as ideologias fundamentais da humanidade em todos os níveis. A noção de liberdade é filosófica; portanto, por meio da estética, disciplina filosófica que reflete sobre o belo na obra de arte, reflete sobre o sentido do belo, relacionado ao bem, à verdade, à vitória e à liberdade como valores simbólicos na obra de arte e em imagens reproduzidas ou com alusões a obras de arte. Consideramos, assim, a liberdade o conceito principal e a vitória o conceito secundário para nos posicionarmos em relação à liberdade possível, ou seja, como verdade contingente, relacionando-a às dicotomias da verdade e da realidade, por meio das imagens associadas à eterna luta pela justiça e pela liberdade, mantendo as liberdades fundamentais em todos os níveis da história e, principalmente, na compreensão de nossa evolução em relação à noção de liberdade.
Uma analogia indireta com a foto de Evan Vucci mencionada acima é a composição de elementos visuais relacionados à representação dos conceitos de vitória e liberdade mostrados no período da Antiguidade Clássica, o período helenístico, na imagem da Deusa da Vitória (Nike, em grego, que significa vitória), nas representações da Deusa Eleutéria (literalmente, “liberdade” ou “libertação” em grego) e da deusa romana Libertas. Nesse sentido, algumas obras de arte são representativas de conceitos essenciais à existência humana. A evolução dessas representações por meio de um processo de conhecimento, reprodução, transmissão e interpretação moldou a cultura ocidental e proporcionou a mimese dos valores essenciais da humanidade. O termo mimese refere-se à arte como uma imitação da natureza e uma representação da realidade.
Em suma, a teoria da mimese apresenta etimologicamente seu significado na Grécia antiga com propósitos distintos de interpretação na tradução latina. Somando-se isso aos valores da Idade Média, que sinalizam a passagem do uso do termo mimesis para imitatio, imago, a imagem de Deus e associações com todos os segmentos do sagrado. No século 14, a expressão imitatio Christi ilustrava bem essa transformação. Esse termo incorporou a ideia do homem criado à imagem de Deus, transmitindo no termo imago não apenas o sentido de cópia, mas também o de analogia. A partir de seu significado latino, os italianos desenvolveram a teoria da imitazione. Nos séculos 15 e 16, período da Renascença, a teoria da mimese de Aristóteles referia-se à pintura imitando a natureza. Em oposição a essa teoria, no entanto, os franceses adotaram a filosofia de Aristóteles, mimesis, que prevaleceu no pensamento europeu desde o século 17, e a partir dessa concepção francesa, os alemães desenvolveram suas reflexões sobre mimesis (Nachahmung, nachmachen, kopieren, nachbilden) a partir do século 18.
Nesse sentido, todos os valores reconhecidos da experiência e da motivação humana não estavam mais relacionados à cultura politeísta da Grécia Antiga, mas consequentemente, para os personagens bíblicos, quando a vitória é transferida para as imagens de mensageiros de Deus ou anjos. Nas imagens do período helenístico, a composição do significado simbólico da vitória e da liberdade ganhou temas políticos e religiosos. Um exemplo dessas características é encontrado na composição da imagem de Evan Vucci mencionada acima. Com relação a isso, podemos fazer uma analogia com a composição O Triunfo de Sansão, de Guido Reni (1612). As pinturas de Reni lidam principalmente com os temas das histórias bíblicas e da mitologia grega. Conforme o historiador Klaas Spronk, em The Looks of a hero: some aspects of Samson in fine arts, O Triunfo de Sansão pode ser visto como uma mistura de cenas mitológicas, caracterizada por um foco nas proporções do corpo humano. Reni acrescentou as referências visuais da antiguidade grega aos valores simbólicos dos romanos para criar imagens representativas da experiência da vitória e da liberdade, consequentemente transferidas para os personagens bíblicos. A referência utilizada por Reni é a estátua do Apolo de Belvedere (atualmente no Museu do Vaticano), que ressalta a preocupação com a representação anatômica e a imagem do corpo humano em seu equilíbrio de proporções.
Para uma representação dos conceitos de vitória e liberdade, qualquer tentativa de descrição verbal se torna igualmente complexa. Como representar a vitória e a liberdade? Muitas das imagens que buscam essas representações desde a Antiguidade Clássica criaram uma personificação da “liberdade” e da “vitória” como personagens femininas relacionadas aos temas patrióticos. Na Grécia antiga, havia a Deusa da Liberdade, Eleutéria, com os romanos, a Libertas. Na França, a liberdade é personificada por Marianne, na Inglaterra, por Britânia, e nos EUA, a figura de Colúmbia é a marca registrada da liberdade. A configuração dessas personificações mantém expressões de atitude semelhantes à liberdade caracterizada por símbolos e posturas corporais específicos. Da mesma forma, essas composições estão associadas às características de vitória encontradas na imagem da deusa grega Nike.
A história da arte e da literatura tem mostrado modos eficazes de influenciar a configuração de imagens que impõem a percepção de seus significados e métodos de análises estéticas, iconológicas, estruturais, semiológicas ou semióticas. Contudo, a arte como mercadoria simbólica existe como tal, apenas para aqueles que detêm os meios para decifrá-la e apropriar-se dela como afirmou Pierre Bourdieu, em Language and Symbolic Power. Uma imagem permanece sujeita a várias interpretações, especialmente quando mostrada sem referências textuais, porque primeiro a perceberemos como uma experiência estética antes de passarmos a entender o significado completo da imagem. Dessa forma, considera-se que as definições estão restritas a um domínio específico da cognição, pois os juízos baseados em valores subjetivos são significativos em termos da polissemia da imagem, especialmente devido à imensa diversidade de valores para a sua interpretação. Como Bourdieu afirmou, os instrumentos de conhecimento e comunicação são “um poder estruturante somente porque são estruturados” e que:
[o] poder simbólico é um poder de construção da realidade, que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o significado imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) depende do que Durkheim chama de conformismo lógico, ou seja, “uma concepção homogênea de tempo, espaço, número e causa, que possibilita que diferentes intelectos cheguem a um acordo” (1991, p. 166, tradução livre).
As imagens são o produto principal da técnica, isto é, do desenvolvimento e da transformação dos processos, dos meios, tornando-se os fins e vice-versa. Assim, a produção e o fascínio das imagens não cessam de indicar condicionalmente que a realidade é, por ela mesma, a imaginação. Isso significa dizer que tudo pode ser representado ou produzido em um processo provável pela evolução tecnológica, seguindo ideais que transformam socioculturalmente a realidade das coisas. As imagens são transmitidas de contextos e tempos diferentes e manifestam-se por meio de diversas interpretações em caráter trans-histórico em concepções estéticas, mas de certa forma, as imagens estão vinculadas ao repertório visual histórico e imaginário coletivo para interpretação e entendimento. Não por acaso, Hegel acrescenta que podemos imaginar que o artista selecione no mundo exterior as melhores formas e as configure, por meio de sua escolha de composição, para encontrar aquelas mais adequadas ao seu conteúdo. Mas, quando assim, ainda não fez nada, pois o artista deve ser “criador” e, em sua fantasia, com o reconhecimento das formas verdadeiras, com o sentido profundo e a sensibilidade que dariam força para ele exprimir o significado de modo espontâneo do contexto histórico ao qual pertence.
Além do pensamento hegeliano, encontram-se as ideias de Georg Lukács, para quem a arte é o “reflexo da realidade”. Ela resulta da interação entre o homem e a natureza, tendo o trabalho e a sociedade como elementos essenciais para o ato de criação. Assim, o momento histórico teria importância não só no momento da criação artística, mas na própria concepção estética da sua obra. Lukács concebe a arte como a forma de expressão mais apropriada e de autoconsciência da humanidade. Nesse sentido, considera-se uma verdade necessária, impossível de negar esta realidade. No entanto, ao considerar as artes, especificamente visuais, em relação ao contexto histórico e político, dos mais diversos segmentos da sociedade, independentemente da classe social, as imagens configuradas podem apresentar diversas ideologias como realidade distinta para cada segmento social. Assim, diante dessa diversidade e do reflexo da realidade social, as imagens apresentam verdades contingentes, realidades possíveis, ou não, podendo ser negadas, considerando que poderiam ser politizadas esteticamente de formas diferentes.
Enfim, ao analisar a dinâmica artística atual por meio da estética e da iconologia e contextualizar a produção de imagens, as técnicas e os meios predominantes na época em que foram criadas, o discernimento do discurso ideológico se torna fundamental para se chegar a uma resposta significativa sobre como o sentimento de liberdade surge e incentiva o respeito aos direitos humanos. É disso que se trata a revolução, de trocar o velho pelo novo com o ideal do bem, do belo e da verdade. Essa é a motivação e o impulso para a liberdade e a vitória.
Mas ainda assim, qualquer semelhança pode ser mera coincidência com a foto de Evan Vucci, ao personificar a vitória ou a liberdade com Trump! Enfim, este é apenas um detalhe evidente na contingência da imagem midiática em sua politização estética em relação aos ideais democráticos.
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