Livro retrata as jornadas e as realidades invisíveis de refugiados LGBTQIA+

Obra de Ricardo Corrêa explora a perseguição e as dificuldades enfrentadas por refugiados LGBTQIA+ e o paradoxo da aceitação no Brasil

 06/11/2024 - Publicado há 1 mês
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Capa do livro Anywhere, do escritor, ator e dramaturgo Ricardo Corrêa – Foto: Reprodução/ProAC

No próximo dia 9 de novembro, será lançado oficialmente o livro Anywhere, do escritor, ator e dramaturgo brasileiro Ricardo Corrêa. O título aborda as vivências e realidades de refugiados LGBTQIA+ ao redor do mundo e será lançado pelo Programa de Ação Cultural (ProAC) do Governo do Estado de São Paulo. 

Formado em Artes Cênicas pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Corrêa está lançando seu segundo livro. O título trata de uma dramaturgia autoral de Corrêa. Além da história escrita com intenção de ir aos palcos, o livro contém relatos de pessoas LGBTQIA+ refugiadas e em busca de refúgio.

Imagem: Foto em preto e branco de homem branco e de barba
Ricardo Corrêa – Foto: Arquivo pessoal

“Em 2018, eu fiquei sabendo das notícias assustadoras sobre os campos de concentração para homens gays na Rússia, na Chechênia. Essa informação me deixou apreensivo. Pesquisei a respeito e fui entender todo o contexto político dessa perseguição sobre a comunidade LGBT, que se perpetua historicamente desde a Segunda Guerra Mundial. E aí eu fui associando essa perseguição, que ela se perpetua no tempo, e também fazendo paralelo com o Brasil”, relatou Corrêa.

O ator relata ter criado associações entre diferentes lugares do mundo e o Brasil, que apesar de não ter uma punição escrita em lei para pessoas homossexuais, segue como um dos países com mais mortes de pessoas LGBTQIA+ em todo o mundo. De acordo com pesquisa feita pelo Grupo Gay da Bahia, uma pessoa LGBTQIA+ foi morta a cada 34 horas no Brasil, no ano de 2023.

“A gente tinha um contexto político, em 2019, muito forte, que era a questão da extrema direita tomando o poder, ganhando forma, tudo o que a gente viveu depois que veio a pandemia, e esse projeto ficou incubado. Foram algumas tentativas de editais para conseguir patrocínio e poder escrever essa peça. E no final do ano passado eu mandei um projeto ao PROAC, falando sobre refúgio LGBT, e fui contemplado no final do ano passado para fazer a pesquisa, a criação e a publicação dessa obra. E aí eu retomei um assunto que estava já aqui fomentando dentro de mim desde 2018”, explica Corrêa.

Durante a produção de Anywhere, o autor entrevistou refugiados LGBTQIA+ de várias partes do mundo, incluindo Brasil, Rússia, Moçambique, Ucrânia, Síria e Irã. Também contatou associações e movimentos sociais de acolhimento LGBTQIA+.

Entre as diferentes histórias contadas no livro por Corrêa, se encontra a história de Navid. Homem homossexual nascido no Irã, país que aplica pena de morte como punição para a homossexualidade. Vindo de uma família turca e muito conservadora, Navid relata ter tido medo de demonstrar sua sexualidade no seu país de origem. Apesar disso, ele acabou contando para sua família sobre sua orientação sexual, que, apesar dos estigmas sociais do país, aceitou suas diferenças. Porém, por medo de repressão, Navid foi aconselhado pelo pai a deixar o Irã. O final dessa história e de outras você lê em Anywhere.

Homossexualidade criminalizada

Apesar de a comunidade LGBTQIA+ ter conquistado importantes direitos nos últimos anos, em alguns locais do mundo a opressão contra pessoas fora do padrão heteronormativo ainda é notória, forçando alguns a saírem dos seus países em busca de acolhimento e proteção.

De acordo com um levantamento feito pela Human Tristy Dignity, 64 países-membros ou observadores da ONU ainda criminalizam a homossexualidade. Em países como Arábia Saudita, Irã e Afeganistão, as penas para pessoas LGBTQIA+ podem chegar até a pena de morte. Além disso, na Rússia, a relação homossexual consensual em privado é despenalizada, porém, existem leis contra “propaganda” homossexual que podem punir com multas e prisões.

Em relação às pessoas trans, 13 países-membros ou observadores da ONU criminalizam a expressão de gênero de pessoas transexuais: nove localizados na Ásia e quatro na África.

Corrêa relata que teve uma grande dificuldade em encontrar pessoas que quisessem relatar suas histórias. Apesar da vontade de compartilhar, muitas tinham medo de perseguição e principalmente de terem que voltar ao seu país de origem. “Teve muita gente que falou, ‘ainda não estou preparado para dar um depoimento’, existe esse medo de ser deportado, de se expor. E de ter que voltar para o país de origem e ser morto. São muito tristes essas histórias”, comenta Corrêa.

O autor também fala do paradoxo brasileiro em relação à homossexualidade. Apesar de ainda se manter como um dos países que mais matam LGBTQIA+ no mundo, muitos dos membros da comunidade em outros países veem no Brasil uma forma de refúgio.

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“É um paradoxo, ao mesmo tempo em que é o país que mais mata LGBTs, é um lugar onde ainda se pode viver de uma forma plena, por isso eu acho que é importante falar sobre isso, sobre esses nossos direitos, os direitos que estão sempre ameaçados, de um jeito ou de outro, existe sempre essa perseguição. Dependendo do contexto político, a gente tem um pouco mais de liberdade, mas, ao mesmo tempo, a gente tem um congresso, uma bancada superconservadora, o preconceito, o conservadorismo ainda está aí, e eu acho importante a gente sempre trazer essas narrativas para que as pessoas pensem a respeito, para que os próprios LGBTs pensem a respeito”, comenta Corrêa. 

O autor, por fim, se diz conectado com os relatos por meio de sua própria história, lembrando que a migração não necessariamente é de locais muito distantes. Dentro do próprio Brasil, algumas pessoas LGBTQIA+ têm que migrar para se sentirem mais confortáveis com sua sexualidade. “Eu consigo fazer paralelos com a minha própria história. Eu sou da periferia, de Taboão da Serra, em São Paulo. Vivi preconceitos dentro da comunidade onde nasci e fui criado. Venho de uma família conservadora. Eu tive que sair da cidade para entender, para estudar. Essa foi minha própria migração da periferia de uma cidade da Grande São Paulo para o centro. Fico imaginando também outras formas de migrações. A história da humanidade é pautada por essa ideia da migração e imigração.”

Além do livro, também serão lançados um audiolivro e um minidocumentário sobre o processo de criação; ambos serão disponibilizados no canal de YouTube da Cia Artera de Teatro.

O evento de lançamento acontecerá das 14 às 18 horas, no Museu das Migrações, R. Visconde de Parnaíba, 1.316 – Mooca, São Paulo. No evento, haverá leitura de trechos da obra e uma roda de conversa com o autor e os convidados Alexandre e Gabriela Rabelo.

*Estagiário sob supervisão de Antonio Carlos Quinto


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