Encontrei esses dois radialistas em outras ocasiões e ambos perguntavam um do outro, mandavam abraços e falavam do tempo em que trabalharam juntos na emissora. Sendo assim, tivemos a ideia de marcar essa reunião para me auxiliarem, mais uma vez, na pesquisa e, é claro, matarem a saudade. Entre sorrisos, lembranças boas e outras nem tanto, os dois conversaram por quase duas horas.
Moisés começou falando de quando veio ocupar a vaga de programador da Rádio USP, em 1978, e, por conta da sua voz grave e forte, acabou assumindo o comando de O Samba Pede Passagem que já estava “no ar”, das 12h às 13h. Revelou, no entanto, que a viralização do programa aconteceu na gestão de Santoro: “Ele dobrou o tempo e inovou ao permitir que fizéssemos ao vivo, com plateia, às sextas-feiras, no Anfiteatro Camargo Guarnieri, por exemplo. Bancamos uma série. Era lindo de ver o povo negro entrando no auditório para tocar samba. Quando terminava, saía aquele ‘mar de gente’ de dentro da universidade. Era uma loucura”, recordou Moisés.
Santoro aproveitou para contar que durante sua gestão, houve uma vez que saiu para almoçar com o reitor da época (entre 1982 e 1986), professor Antônio Hélio Guerra Vieira, que o questionava sobre ter esse tipo de programa em uma rádio educativa. E, coincidentemente, durante o trajeto até o restaurante, ao passarem por vários food trucks, todos estavam sintonizados na Rádio USP, escutando O Samba Pede Passagem. “Tá vendo, professor, há audiência para o programa”, interveio Santoro.
Ao ouvir o depoimento, Moisés ficou mais sério e desabafou: “Infelizmente, o programa sempre sofreu um olhar preconceituoso do academicismo, contrariando mentes brilhantes como a do escritor e dramaturgo Plínio Marcos, que afirmava que a cultura popular é tão boa quanto a cultura erudita. Eu tinha notícias [naquela época] de que a metade do Conselho Universitário questionava a existência do programa. Até hoje em dia, de vez em quando, aparece um ‘maluco’ que implica com o linguajar, com a concordância verbal correta etc.”, reclamou.
De acordo com Santoro, O Samba Pede Passagem foi um dos programas de maior impacto na sua gestão, e o fato de ter conseguido mantê-lo e até ampliá-lo na programação foi fundamental: “O Samba Pede Passagem fazia parte de um grande pacote que a Rádio USP trazia de diversidade de ideias, diversidade de valores, de experimentação, de oxigenação de programação. Além do samba, que não era tocado em FMs comerciais naquela época, tínhamos ainda programas na área de informática, outro feito por indígenas, entre tantos outros. Éramos inovadores.”
Antes do término da entrevista, aproveitamos a oportunidade para perguntar a Santoro, que tem uma carreira acadêmica sólida, por que ele acreditou em um programa de samba, apesar das dificuldades da época, incluindo o preconceito diante desse gênero, como relatou Moisés anteriormente: “Fui criado no bairro do Bixiga, berço da escola de samba Vai-Vai, aqui em São Paulo, e além disso minha mãe era pianista, o que aumentou minha sensibilidade para o universo da música. Também fui muito cedo trabalhar em televisão, com 19 anos eu já era editor de telenovelas. Então, juntando a minha criação mais a minha atuação no mercado de trabalho, eu acabei sendo muito sensível em entender a cultura popular, o que o povo pensa, como é que o povo fala ou, ainda, o que o povo gosta.”
O encontro terminou com a voz potente, meio embargada, de Moisés emocionado ao rever Santoro, a quem definiu como uma pessoa significativa dentro da sua trajetória na emissora: “Foi meu grande incentivador. Queria ampliar, levar o programa até para a TV”, contou.
Com espírito de nostalgia e, ao mesmo tempo, de muito orgulho do trabalho concretizado, tanto Moisés quanto Santoro ressaltaram que todas essas realizações aconteceram nos anos 1980, sem internet, blog, podcast ou redes sociais.
*O Samba Pede Passagem faz parte da programação da Rádio USP, sábados e domingos, das 12h às 14h, com reprise aos sábados e domingos, à meia-noite. Já recebeu dois prêmios APCA, entre outras premiações.
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