O fato é que duas ideias – segundo análise de Heládio – presidiram a configuração do modelo da USP: por um lado, a cultura desinteressada e os altos estudos; e, por outro, a formação de professores e administradores escolares. Quando o Instituto de Educação foi extinto, em 1938, ele foi
imediatamente transformado na Seção de Pedagogia e depois no Departamento de Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
Como bem observa Olinda Evangelista, a criação da USP se deu como um momento inaugural de uma nova quadra na história da cultura e da educação brasileiras. Assim, a ideia que se veiculava era a de um tempo novo, com um homem novo para um mundo novo. Por sua vez, a formação de professores em nível universitário, conforme a mesma autora, constituiria um movimento importante em direção à profissionalização do magistério.
Durante seu período de funcionamento, o Instituto de Educação, em sua condição de Escola de Formação de Professores, mantinha um curso para formação de professores primários, um curso para formação de professores secundários, um curso para formação de diretores e inspetores escolares, além de cursos de aperfeiçoamento para o magistério. Em 1938, já no início do Estado Novo, o instituto seria, então, convertido na quarta seção daquela faculdade que aglutinava os estudos da filosofia, ciências, letras e educação.
Com o tempo, toma corpo a necessidade de constituição na Universidade de uma Faculdade de Educação autônoma. Na verdade, desde o Inquérito sobre a Instrução Pública, realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo em 1926, configurava-se a percepção de que os estudos da educação deveriam se dar em nível superior. As propostas versavam em direção à defesa de que os estudos da educação pudessem constituir também matéria para os altos estudos, aqui não desinteressados, mas voltados para o campo profissional. Por isso, projetava-se também um Instituto de Pesquisas Educacionais, que agregasse serviços considerados especificamente pedagógicos. Daí viria talvez a alegada inferioridade científica dos estudos pedagógicos, como se apenas a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras pudesse efetivamente fomentar o saber erudito.
Bruno Bontempi Jr. demonstra em seu trabalho as artimanhas e estratégias mediante as quais a Pedagogia torna-se a parente pobre da família científica, com os “filósofos” olhando de cima para baixo aqueles que considerarão ser os “pedagogos”. Muitos eram – de acordo com Bontempi Jr. – os docentes (em especial os da tão reputada missão francesa) que qualificavam explicitamente os estudos pedagógicos como um território menor, esvaído de significado. Tais professores seriam contrários às próprias disciplinas pedagógicas, argumentando que, para bem transmitir o conhecimento, bastaria bem conhecer a matéria de estudo. Acreditavam que o professor já nasceria feito. Tratava-se, portanto, de uma vocação a ser seguida.
Mas, conforme argumenta também a professora Beatriz A. de Moura Fétizon, os estudos da educação eram apresentados como estudos superiores de segunda categoria. Para Fétizon, a incorporação da formação de professores à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras piorou a situação da preparação pedagógica do professorado. Ao ser incorporada à faculdade, a formação pedagógica diminuía em horas e em anos. Além disso, era patente a diferença entre os estudos pedagógicos, dos quais eram encarregados os antigos mestres do Instituto de Educação e os demais campos do conhecimento da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, para os quais havia sido contratado um conjunto muito significativo de professores estrangeiros.
Beatriz Fétizon recorda, ainda, que, em 1937, a Faculdade de Filosofia, quando era reduzida aos cursos de bacharelado, voltados apenas para a pesquisa básica e para a formação da dita alta cultura, esteve prestes a fechar por falta de alunos. Até que, por sugestão e insistência de Fernando de Azevedo, passava-se a oferecer, junto com os conteúdos dos cursos teóricos de base, a licenciatura. Pela memória de Antonio Candido, recordada por Diana Gonçalves Vidal, Bruno Bontempi Jr. e Maria Angela Borges Salvadori, Fernando de Azevedo, então diretor do Instituto de Educação, teria tido uma ideia para resolver o problema pelo qual passava a faculdade, com poucos estudantes e com uma evasão bastante elevada.
Fernando de Azevedo, segundo Candido, teria dito a Júlio de Mesquita Filho: “se você obtiver do seu cunhado Armando Salles de Oliveira um decreto, eu encho a faculdade de alunos capazes. Como? Comissionando os professores primários com vencimentos. Eu pego os jovens professores que estão aí pelos grupos escolares, pelas escolas rurais, os bons entre eles, os que tiveram boas notas e os comissiono na faculdade como alunos.”
A partir de então, muito rapidamente, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, tornou-se extremamente concorrida por novos estudantes, que ingressavam e permaneciam vinculados aos cursos. Dentre esses estudantes, teriam saído muitos dos brilhantes professores da geração seguinte. Mesmo assim, a instituição pouco se reestruturou para incorporar os estudos pedagógicos. Nada dos procedimentos didáticos teria sido alterado. A pedagogia foi agregada como um adendo anódino, que pouco acrescentava ao conjunto anterior. A Faculdade de Filosofia deixava claro, naquele tempo, que sua vocação eram os bacharelados.
O Instituto de Educação da USP, como foi já mencionado, agregava uma formação técnica e profissional para o magistério e uma concepção que tomava a escola também como um centro de investigação teórica. Esse caráter experimental, que entretecia docência e pesquisa, estava dado na configuração de seus laboratórios: Psicologia Educacional, Biologia Educacional, Pesquisas Sociais e Educacionais e Estatística.
No Instituto de Educação, bem como na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, por sua vez, a cátedra significava a propriedade vitalícia do conhecimento em uma determinada área, além – como destacam Vidal, Bontempi Jr. e Salvadori – da prerrogativa para escolher os próprios assistentes e o poder decisório nos órgãos colegiados deliberativos da Universidade.
Como bem destaca Alexsandro do Nascimento Santos, houve grande disputa no processo de departamentalização da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, com a consequente transformação da Seção de Pedagogia em Departamento de Educação. Santos sublinha que, ainda quando pertencia à Faculdade de Filosofia, o Departamento de Educação foi um dos primeiros que veio para a Cidade Universitária, onde ocupou parte do prédio do Centro Regional de Pesquisas Educacionais, órgão que havia sido ali instalado.
Algumas disciplinas, como Didática Geral e Especial, além de Orientação Educacional continuaram a funcionar na Maria Antônia, por manterem relação com os cursos de Licenciatura da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e também pelo seu vínculo com o Colégio de Aplicação, que se localizava nas proximidades da Rua Maria Antônia.
O fato é que, quando a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, após o fechamento do Instituto de Educação, passou a conferir diploma de licenciatura aos alunos que cursassem as matérias didáticas, houve, além do referido aumento do contingente estudantil, um processo de recepção de alunos menos abastados, com uma significativa presença de estudantes do sexo feminino.
Em 1962, a Congregação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras aprovou a reestruturação do curso de Pedagogia. Haveria, a partir de então, um núcleo comum com matérias aglutinadoras destinadas a todos os alunos – dentre as quais as Práticas de Ensino, Metodologia e Didática – e havia também um outro conjunto com as formações específica, subdivididas em três áreas de concentração: Administração Escolar, História e Filosofia da Educação e Orientação Educacional.
Dizem Vidal, Bontempi Jr. e Salvadori que posteriormente a criação dos três departamentos que compuseram a Faculdade de Educação foi dada a partir dessa dinâmica anterior: “do núcleo de Administração Escolar e Educação Comparada surgiu o Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação (EDA); do núcleo de Metodologia Geral do Ensino surgiu o Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada (EDM); e do núcleo de História e Filosofia da Educação nasceu o Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação (EDF)”.
A Faculdade de Educação, que, então, se constituiu efetivamente a partir de decreto de 1969, passando a funcionar desde janeiro de 1970, é extremamente tributária de todo esse movimento anterior e tem como matrizes teóricas e conceituais algumas das linhas de pesquisa expressas nas diferentes áreas de conhecimento abrigadas nesses conjuntos pelos quais se organizaram seus departamentos. Destacamos que cada um dos departamentos, desde então, consolida uma vocação específica, contribuindo para dar forma à organização didática e de pesquisa da Universidade.
A FE, que integra o conjunto das unidades de ensino, pesquisa e extensão da USP, tem cumprido seu compromisso histórico de formar professores, profissionais e especialistas em diferentes áreas, bem como de produzir conhecimento pedagógico, colocando-o à disposição da sociedade. Nessa direção, esmeramo-nos em formar, por uma perspectiva crítica e sólida, profissionais do ensino, fomentando a investigação teórica e a ação prática no território da educação. Procuramos articular nossas ações sempre com vistas à intersecção entre a formação do curso de Pedagogia, das demais licenciaturas e do Programa de Pós-Graduação em Educação.
Há claramente uma vocação interdisciplinar na pesquisa educacional e a Faculdade de Educação é composta, no seu próprio corpo docente, por profissionais com formação em diversas áreas do conhecimento. Vale destacar que o compromisso da FE com a rede de ensino público tem sido permanentemente reafirmado, como se pode ver, clara e destacadamente, no Programa de Formação de Professores, pelo qual se estabelece um conjunto de escolas-campo, as quais, para além da nossa Escola de Aplicação, tornam-se ambiente de demonstração, de experimentação pedagógica e de estágios para nossos alunos.
Alguém poderia nos perguntar o porquê de, na condição de diretores da Faculdade de Educação, termos optado por reconstituir essa história institucional, ao invés de discorrer sobre como as coisas são hoje na FE. O fato é que a relação com o passado, como um repositório de experiências, expressa também um envolvimento com o presente. Há denominadores comuns entre o tempo curto da história do tempo presente e o tempo longo do passado que constituiu as formas de ser da vida institucional.
Os acontecimentos de tempos pretéritos abrem uma fenda na própria dinâmica da temporalidade e permitem a compreensão de uma realidade vindoura que é, em grande parte, estruturada a partir da lógica desse passado. O presente é uma terra a ser desbravada e seus desafios são inúmeros. Olhar para trás é uma forma de perscrutar o legado que nos foi deixado sem nenhum testamento, para fazermos dele o que melhor nos aprouver. Sejamos cautelosos e saibamos compreender algumas das lições e das missões com as quais a História nos presenteou.
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