Startups do tipo “deep techs”: como aumentar as possibilidades de sucesso

Por Marcelo Caldeira Pedroso, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP

 04/03/2024 - Publicado há 2 meses

Vamos começar pela conceituação de startups: são empresas nascentes inovadoras que buscam desenvolver um modelo de negócio escalável. Há três considerações importantes nesta definição. Primeiro, a startup é uma empresa nascente; assim, ela se encontra no estágio inicial de evolução de uma organização. Segundo, a startup se propõe a comercializar uma solução inovadora; dessa forma, as incertezas são maiores do que aquelas associadas aos negócios tradicionais. E, terceiro, a startup precisa desenvolver um modelo de negócio escalável, ou seja, um modelo que possibilite uma expansão da receita proporcionalmente maior do que o crescimento dos custos e despesas ao longo do tempo.

As startups do tipo deep techs são empresas nascentes inovadoras que objetivam fornecer soluções tecnológicas baseadas em conhecimentos científicos. Essas soluções geralmente buscam resolver problemas complexos e de alto impacto. Exemplos de deep techs podem ser encontrados nos segmentos de biotecnologia, em startups que desenvolvem diferentes tipos de hardware e naquelas que adotam inteligência artificial para resolver problemas de elevada complexidade.

As deeps techs apresentam algumas particularidades e desafios importantes. As deep techs com soluções bem-sucedidas apresentam um capital intelectual de destacado valor para a sociedade. Esse ativo de conhecimento pode ser difícil de reproduzir por outras empresas, particularmente quando está associado a uma propriedade intelectual – seja no formato de propriedade industrial (ex.: patentes), direito autoral (ex.: textos científicos) ou proteção sui generis (ex.: novas variedades de plantas, ou cultivares). Esse diferencial tecnológico em relação às demais empresas é considerado uma vantagem competitiva segundo os conceitos da estratégia empresarial.

A evolução do capital intelectual de uma deep tech está associada a um conjunto de desafios. Destaco principalmente os desafios tecnológicos, regulatórios e de financiamento. As soluções das deep techs geralmente demandam atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) relativamente longas antes do estágio de comercialização. Esse período pode ser ainda maior quando há a necessidade de adequação aos aspectos regulatórios, tais como as etapas de pesquisa clínica no desenvolvimento de medicamentos. Dessa forma, as deep techs podem necessitar um elevado capital para financiar as atividades de P&D e regulatórias até a comercialização.

Cabe destacar ainda que os investimentos em deep techs estão associados a diferentes riscos. Destaco cinco principais: riscos tecnológicos, riscos regulatórios, riscos de mercado, riscos financeiros e riscos relacionados à composição do time de fundadores.

Os riscos tecnológicos são inerentes ao desenvolvimento de soluções tecnológicas baseadas em conhecimentos científicos. Os riscos regulatórios estão associados às aprovações das soluções por parte das agências regulatórias. Os riscos de mercado estão relacionados à capacidade da startup endereçar importantes problemas a serem resolvidos por meio de suas soluções tecnológicas. Os riscos financeiros estão associados à necessidade de captação de investimentos públicos e privados para financiar os longos tempos de desenvolvimento das soluções.

Por fim, há os riscos de composição do time de fundadores. Este time deve considerar competências complementares e alinhadas ao mercado de atuação da startup. Tradicionalmente, as deep techs são fundadas por cientistas, ou seja, pessoas que realizam pesquisas científicas com o intuito de avançar o conhecimento em uma determinada área. O conhecimento e os relacionamentos no setor de atuação da deep tech são essenciais, particularmente nas etapas de validação e comercialização da solução. Caso estas competências não estejam com o cientista, este deveria buscar cofundadores para supri-las.

Neste contexto, como as startups do tipo deep techs podem aumentar suas possibilidades de sucesso?

Apresento quatro questões:

1) Modelo de negócio: as deep techs devem prover uma atenção especial ao desenho e validação do seu modelo de negócio. Este deve considerar as competências tecnológicas dos fundadores, as oportunidades do mercado de atuação, a validação da proposta de valor e a adequação do seu modelo de negócio (business model fit).
2) Estratégia de captação de investimentos (fundraising): essa estratégia deve considerar os estágios de evolução da deep tech e alinhar a busca de investimentos públicos e privados (capital de risco) a esses estágios. Recomendo uma atenção especial à captação de recursos das agências de fomento, particularmente em função dos elevados riscos tecnológicos e longos períodos de desenvolvimento da solução de uma deep tech.
3) Formação do time de fundadores: esse time deve contemplar fundadores com competências tecnológicas (ex.: cientistas), além de conhecimentos e relacionamentos no mercado de atuação da deep tech. Em outras palavras, os fundadores devem ter uma adequação ao mercado (founders-market fit).
4) Estratégia de mitigação de riscos (de-risking): essa estratégia deve considerar os diferentes riscos de uma deep tech, com ênfase nos riscos tecnológicos, regulatórios, mercadológicos e financeiros.

Essas quatro questões não garantem o êxito de uma deep tech, uma vez que há diversas variáveis que ela não consegue controlar (ex.: pandemia da covid-19). Não obstante, a consideração criteriosa dessas questões certamente aumenta sua probabilidade de sucesso.

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