Tudo voltaria a ser como dantes no quartel de Abrantes

Por Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP

 21/12/2023 - Publicado há 5 meses

2024 promete. A “marcha dos acontecimentos”, como se costumava proclamar nos noticiários de antigamente, deverá ser rica em emoções, considerando as disputas e tensões ao redor do mundo.

Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela, uns mais, outros menos, se agitam aqui na América do Sul; em outras plagas, travam-se as batalhas militares entre Israel e o Hamas, em Gaza, e Rússia x Ucrânia, com repercussões na União Europeia. Simultaneamente, e com influência em todos os países e eventos citados, dá-se o grande jogo de xadrez pela hegemonia mundial entre os EUA e a China, que sucedeu à histórica disputa entre a União Soviética e os Estados Unidos da América. Sem esquecer a lista de países africanos que, recentemente, passaram por golpe de estado militar – mas sem ocupar com destaque as manchetes da imprensa mundial, ao contrário dos demais eventos citados, que dominam o noticiário ocidental e são repercutidos e ampliados pelas atualmente dominantes redes sociais.

Será possível imaginar que, depois da diminuição das tensões possibilitada pelo período natalino e o raiar de um novo ano, as batalhas políticas, quando se resumirem a apenas isso, e bélicas, em que os confrontos armados já estão em andamento, podem amainar?

A história e a experiência mostram que não. As festas de fim de ano funcionam mais como um amortecedor de problemas e questões que invadem o dia a dia, onde quer que seja, mas sem eliminá-los, fazê-los desaparecer, nem resolvê-los. Vêm-me à lembrança o filme Feliz Natal, em que soldados franceses, escoceses e alemães confraternizam uns com os outros numa noite de 25 de dezembro durante a Primeira Guerra Mundial. Mas, passado o momento, “tudo volta a ser como dantes no quartel de Abrantes”.

Ou seja: todas as diferenças, disputas e conflitos tendem a continuar, renovando-se apenas o calendário gregoriano que regula o mundo ocidental.

Estamos diante de uma inevitabilidade?

É normal que as disputas políticas que correm no campo democrático continuem naturalmente. Na nossa América do Sul, apesar dos imensos desafios redistributivos que marcam e desafiam as sociedades, a maioria dos países deve continuar operando democraticamente. Será preciso, porém, acompanhar de perto o que poderá ocorrer em dois países, em especial. A retórica do novo governo argentino aponta no sentido de provocar muitos conflitos no país portenho. E a Venezuela, que já vive em um regime fechado, como se comportará, em um ano eleitoral, na sua disputa com a Guiana?

Os dois principais conflitos internacionais, a guerra no Oriente Médio e a da Rússia x Ucrânia, apresentam questões históricas complexas, cuja superação se mostra terrivelmente difícil, com o potencial de enorme repercussão internacional, envolvendo os interesses das grandes potências. Como lidar com eles? São inquietações que devem estar no centro das preocupações do Departamento de Estado dos EUA, na Casa Branca e também em Pequim, espraiando-se para a União Europeia, que tem o desafio de admitir a participação da Ucrânia em seus quadros, o que irritaria enormemente a Rússia. A própria disputa entre os EUA e o império do Meio em torno da hegemonia mundial é um vetor decisivo nas relações mundiais.

Sem esquecer outros conflitos de menor dimensão, como já na citada África e regiões mais remotas no Oriente, é fundamental lembrar que neste 2024 haverá as decisivas eleições nos Estados Unidos, atualmente sob a assombração da possível candidatura do republicano Donald Trump. O resultado dessa eleição, em que Trump concorrerá ou não, dependendo de decisões de tribunais norte-americanos sobre sua elegibilidade ou não, terá peso decisivo no futuro imediato do mundo.

Todos os países e questões acima citados neste texto, todo o globo, na verdade, serão impactados pelo resultado do certame norte-americano, para o bem ou para o mal.

É, sem dúvida, uma perspectiva altamente preocupante tantos poderem ser impactados, ao redor do mundo, por decisões tomadas por tão poucos, minorias poderosas. Não faz sentido nenhum. Poderia ser diferente?

_______________
(As opiniões expressas pelos articulistas do Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.