A presença da língua espanhola é habitual nos variados espaços da Universidade de São Paulo, consequência da presença de estudantes e eventuais professores oriundos de países latino-americanos que os frequentam regularmente. Mas ela se tornou mais forte durante esta semana que termina, em função da realização na USP do 6º Congresso de História Intelectual da América Latina, que ocorreu entre 25 e 28 de julho últimos.
No encontro, pesquisadores brasileiros e colegas latino-americanos debateram, em mais de uma centena de mesas de trabalho, com variados formatos, os inúmeros desafios que se colocam à frente do desenvolvimento da América Latina, especialmente do ponto de vista intelectual, como registra o nome do encontro.
Não são poucos, pois um sem-número de temas até hoje afligem a intelectualidade latino-americana, do México à Patagônia, no debate dos caminhos para iluminar o crescimento social e econômico desta região.
Trata-se de um enorme desafio para este somatório de países plantados por Espanha e Portugal – que desde as suas independências, conquistadas no século 19, procuram, com muita dificuldade, a sua própria identidade vis a vis os países desenvolvidos. A diversidade das mesas do evento mostra a amplitude do desafio (veja aqui o programa do evento).
Os congressos anteriores da série foram realizados em Medellin, Buenos Aires, Cidade do México, Santiago do Chile e Montevidéu. O sexto sendo realizado no Brasil é um indicador importante do ganho de tração na aproximação do nosso país ao demais componentes do espaço de origem espanhola, um dos objetivos do atual governo do presidente Lula, que supera a distância injustificável existente na administração Bolsonaro.
Uma pequena amostra das distâncias a vencer está no livro A Invenção de Nossa América. Obsessões, narrativas e debates sobre a identidade da América Latina, de Carlos Altamirano, um dos principais convidados da sexta edição do Congresso, que participa do Centro de História Intelectual (CHI) da Universidad Nacional de Quilmes, em que integra o conselho diretor da revista Prismas.
Nas suas mais de 200 páginas, o livro apresenta uma longa exposição das obras e opiniões de intelectuais de inúmeros extrações sobre questões intelectuais sobre o continente latino-americano. “Mas menos de seis páginas, no capítulo O Gigante Vizinho, salientando as hesitações da própria intelectualidade brasileira em se considerar parte da América Latina”, observou a vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, que participou como debatedora na mesa que analisou o livro.
Nesse curto capítulo, Altamirano escreve: “O assunto a ser indagado seria o das relações que podem ser registradas entre o tópico da identidade nacional e o da identidade latino-americano do Brasil. As elites políticas e intelectuais do maior país da América Latina nem sempre consideraram que seu país integrava uma mesma unidade histórica com seus vizinhos hispano-americanos (e vice-versa: os hispano-americanos também não viram sempre o Brasil como parte da ‘pátria-grande’)”.
E continua: “A ambivalência aparece como a nota que define a conexão entre dois quadros de referência identitária, ‘dois polos que se atraem e se repelem’, observa Maria Ligia Coelho Prado, em O Brasil e a distante América do Sul, um artigo que rastreia esse movimento de afastamentos e aproximações no pensamento brasileiro”.
Mas Altamirano também faz uma ressalva:
Porém, no século 20 […] o latino-americanismo brasileiro teve sua década de ouro. Foram os anos da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), do desenvolvimentismo e das teorias da dependência. De fato, como evocar esses tempos sem os nomes de Celso Furtado, Hélio Jaguaribe, Fernando Henrique Cardoso, Ruy Mauro Marini, Francisco Weffort e muitos intelectuais outros brasileiros?
Em entrevista sobre o livro no site da Editora da USP, Altamirano também toca no tema:
No Brasil, como no resto dos países do subcontinente, tem-se produzido uma vasta literatura sobre a questão da identidade, mas, em geral, essa investigação se refere à identidade nacional brasileira. Como observou Leslie Bethell: “À medida que os escritores e intelectuais brasileiros pensavam no mundo para além do Brasil, não olhavam para a América espanhola – não se viam como parte da ‘América Latina’ –, mas para a Europa, em especial para a França, ou, mais raramente, para a América como um todo, incluindo os Estados Unidos”. Os vizinhos hispano-americanos pareciam ser países instáveis, com constantes guerras civis. Parece-me que, no pensamento das elites brasileiras, a visão de que o Brasil seria também um país latino-americano só se enraizou após a Segunda Guerra Mundial.
Debates sobre a América Latina, seja do ponto de vista intelectual, econômico ou social, voltados para a superação do sem-número de questões e problemas que a região enfrenta são e serão de altíssima utilidade para a sua superação – que seria tardia, mas é absolutamente necessária.
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