Em um cenário em que a inclusão no esporte ainda apresenta desafios, Érika Coimbra se destaca como a representante brasileira de ginástica rítmica nas Olimpíadas Especiais. A trajetória dela foi explorada pela pesquisadora Enoly Cristine Frazão da Silva em sua dissertação de mestrado, desenvolvida na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP. Intitulado “Quero vencer, mas se não puder vencer, quero ser valente na tentativa”: A percepção da experiência vivida no esporte por uma atleta de ginástica rítmica adaptada, o trabalho baseou-se em uma entrevista com a ginasta para entender a percepção da experiência vivida no esporte por uma atleta com síndrome de Down.
O estudo utilizou uma abordagem fenomenológica, com duas entrevistas e um encontro presencial. A primeira entrevista focou a carreira de Érika nas artes e no esporte. Na segunda, a atleta foi solicitada a levar objetos significativos que marcaram sua trajetória na ginástica rítmica. No encontro presencial, Enoly acompanhou um campeonato municipal do qual Érika participou e escreveu um diário de campo sobre a competição.
Os resultados mostraram como as experiências vividas por Érika Coimbra no esporte e sua percepção positiva sobre a síndrome de Down compuseram sua identidade atlética. Érika enfrenta os mesmos desafios e exigências que o atleta sem deficiência, como dedicação e disciplina.
Conhecendo a técnica e a si mesma
A atleta reconhece a sua deficiência e suas características, como as mãos pequenas, necessidade do uso de óculos e dificuldade cardiorrespiratória. Ela e a sua técnica explicam sobre todas as adaptações que precisaram realizar para um melhor desempenho, como a mudança do tamanho da bola que ela utiliza e a permissão para usar óculos durante as rotinas de competições. Érika, no entanto, não encara sua deficiência como algo negativo e percebe seu corpo como perfeito para a prática da ginástica rítmica.
Em relação à estética esportiva, foi observado que as exigências da ginástica rítmica também são impostas para Érika. Para alcançar o requisito, é necessário que a atleta empenhe técnica e dedicação durante os longos treinos diários. “Exigente consigo mesma, ela repete incontáveis vezes o mesmo movimento e sabe diferenciar o certo do errado, mostrando domínio das regras do seu esporte”, analisa a pesquisadora.
Um dos tópicos abordados pelo estudo reflete sobre um tema muito comum entre os atletas: a dor. É importante diferenciar a lesão da fadiga, para que essa dor não impossibilite a prática esportiva a longo prazo. Érika respeita seus limites de dor e sabe diferenciar, por exemplo, a dor de um alongamento de uma dor de lesão. Ela relembra as memórias da luta já vencida contra a obesidade, doença que pode ser desenvolvida por muitas pessoas com síndrome de Down. Durante seu primeiro ano na ginástica, a atleta enfrentava dores no joelho devido ao sobrepeso. Com a ajuda de nutricionistas e personal trainers, ela passou por um processo de emagrecimento saudável, o que contribuiu para a diminuição da dor nos joelhos.
O ser atleta
Érika explicitou em suas falas o esforço exigido de quem é atleta, o risco no palco esportivo e a sua relação com o mundo e os outros. Ela relatou situações e momentos de tensão durante as suas apresentações. Na competição que a autora presenciou, por exemplo, a atleta perdeu o arco, mas o recuperou, retornou para a coreografia e finalizou com louvor. De acordo com a pesquisadora, essa situação é um indicativo não somente da técnica da atleta, mas também do esforço entre os riscos.
Outro aspecto relevante da carreira de qualquer atleta é o incentivo, que muitas vezes vem de casa. Frequentemente, esse incentivo é o que conduz ao primeiro passo na jornada do esporte. Denise Guimarães, treinadora de Érika, a descobriu em uma apresentação de balé de um show de talentos. Naquele momento, ela já viu no palco uma grande atleta. Além da grande amizade com sua treinadora, a ginasta mantém laços sólidos com sua equipe e conta com o amor de seus familiares e a amizade e o carinho de outras atletas.
“Quero ser valente na tentativa”
As Olimpíadas Especiais, evento em que Érika representou o Brasil na ginástica rítmica, é uma entidade sem fins lucrativos que promove o esporte para pessoas com deficiência intelectual. Durante o ano, a instituição proporciona treinamento esportivo e competição atlética em uma variedade de esportes olímpicos. Nos Jogos Mundiais das Olimpíadas Especiais de 2023, realizados em Berlim, o Brasil conquistou 23 medalhas. Érika foi responsável por cinco delas: quatro de ouro e uma de prata, nas mais diversas modalidades da ginástica rítmica.
Durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, é comum ter um momento denominado “juramento do atleta”, quando os participantes se comprometem a honrar o espírito esportivo. Nas Olimpíadas Especiais, há um momento similar. Em um momento de grande significado, a atleta convidou Enoly a repetir esse juramento: “Permita-me ganhar. Mas se eu não ganhar, permita-me ser valente na tentativa.”
A frase destaca não apenas o desejo da vitória, mas reflete um espírito de determinação e resiliência, enquanto ressalta a importância da coragem e do esforço, independente do resultado. “O juramento transcende o âmbito esportivo, transformando-se em uma filosofia de vida para o atleta. O compromisso de dar o melhor de si torna-se uma constante em todas as áreas de sua vida”, explica a pesquisadora.
Enoly conclui que o atleta com deficiência não é diferente do atleta convencional. “Cada modalidade tem suas particularidades que precisam de algumas adaptações, permitindo uma melhor performance de acordo com as potencialidades. Porém, estão sujeitos às mesmas situações de jogo, sendo analisados pelos árbitros, sobrepondo imprevisibilidades, dedicando-se horas e dias para uma competição, lidando com dor, fadiga física e mental, e cuidando sempre de sua saúde para a manutenção de sua carreira esportiva”, afirma.
“Esse estudo se integra à luta pelo reconhecimento pleno do esporte para pessoas com deficiência. Mais do que isso, busca reconhecer esses atletas como indivíduos completos, quebrando barreiras capacitistas e reafirmando a importância de suas contribuições para o universo esportivo”, completa Enoly.
Por Guilherme Ike, da Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE