No Brasil, a exploração de terras raras teve início com a extração da monazita, como documentado no livro Cobaias da Radiação, da jornalista Tania Malheiros, que também aborda os interesses estrangeiros envolvidos nessa extração, o domínio tecnológico pelo Brasil na época, e os impactos da negligência neste processo até os dias atuais.
Apesar de serem mais abundantes do que o nome sugere, as terras raras desempenham um papel crucial nas tecnologias de ponta. Com o Brasil detendo a terceira maior reserva global desses elementos, a recente iniciativa de produção de ímãs de terras raras, usados em turbinas eólicas, veículos elétricos e eletrônicos, pelo Laboratório de Produção de Ímãs de Terras Raras (Labfab ITR), adquirido pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), pode representar um avanço significativo. No entanto, o País tem sido lento em aproveitar plenamente seu potencial nesse setor, especialmente em comparação com a China, maior detentora das reservas comprovadas de terras raras.
No cenário global, a busca por minerais estratégicos tem sido acompanhada por mudanças significativas na legislação e no licenciamento em diversos países, como já abordei nesta seção. Um exemplo dessa dinâmica é a proposta da Comissão Europeia para a Lei das Matérias-Primas, aprovada em 2023, na qual as terras raras são destacadas tanto por seu papel na transição energética quanto em suas aplicações relacionadas à defesa e à indústria espacial.
Já o governo brasileiro informou que pretende direcionar seus esforços para identificar novas áreas ricas em minerais estratégicos, visando impulsionar a economia e o desenvolvimento tecnológico do País. Além disso, há planos de revisão das políticas anteriores para competir de forma mais eficaz com nações da Ásia, África e América Latina nesse setor. Uma das mudanças significativas implementadas pelo governo anterior foi a criação do Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos (CTAPME), como parte da ampla Política Pró-Minerais Estratégicos, integrada ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Nesse sentido, o CTAPME já está atuando no apoio ao licenciamento ambiental de projetos minerários considerados essenciais para a expansão da produção nacional de minerais estratégicos.
Dada a natureza de alta tecnologia das principais aplicações de terras raras, a maior parte da demanda global vem dos países industrializados, colocando diretamente os Estados Unidos e a Europa nessa disputa. No entanto, como mencionado, é a China quem detém hegemonia neste mercado, possuindo os maiores depósitos de terras raras, totalizando 44 milhões de toneladas. Essa posição dominante confere à China um poder geopolítico importante. Na década de 1980, a China já possuía uma participação importante no mercado de terras raras, respondendo por cerca da metade da produção mundial. Por outro lado, os Estados Unidos mantiveram uma forte presença até os anos de 1970, sendo responsáveis por 70% da oferta global de terras raras. No entanto, a exploração na mina Mountain Pass, na Califórnia, onde ocorreu a extração de terras raras de 1952 até 1980, foi abandonada devido à incapacidade de competir com os preços mais baixos praticados pela China. Ou seja, economicamente, importar tornou-se mais viável, refletindo o conceito de “periferização ambiental”, que em poucas palavras podemos definir como um intercâmbio industrial assimétrico, onde alguns países fornecem matérias-primas a baixos custos sociais e ambientais para serem processadas nos países centrais. O caso chinês é atípico porque atualmente eles dominam toda a cadeia de produção.
Em 2023, a China demonstrou sua influência ao suspender as exportações de tecnologia essencial para o processamento desses minerais, destacando sua capacidade de utilizar esses materiais como instrumento de pressão geopolítica. Em 2022, a União Europeia (UE) identificou a China como seu principal parceiro comercial para importações de elementos de terras raras, representando 40% do total importado, com a Malásia e a Rússia seguindo de perto, com participações de 31% e 25%, respectivamente. Esse cenário tem levado a UE a buscar maneiras de reduzir sua dependência das terras raras chinesas. Uma estratégia adotada é intensificar a prospecção e a pesquisa em seu próprio território, visando fontes alternativas desses minerais. Enquanto isso, os Estados Unidos também estão buscando diversificar suas fontes de terras raras, com um foco crescente em projetos na África.
Obviamente, este texto não tem a intenção de esgotar o debate sobre as terras raras, mas sim lançar luz sobre as estratégias que permitiram à China alcançar seu domínio nessa área. Neste sentido, vale a pena olhar a relevante reportagem publicada aqui no Jornal da USP, demonstrando como a China investiu em toda a cadeia produtiva e que, se os ímãs de terras raras são essenciais para os veículos elétricos, a China vai vender o carro e não o ímã.
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