Desenvolvimento da igualdade de gênero: perspectivas e desafios em construção

Por Eduardo Blanco Cardoso, pós-doutorando, e Elisa Maria Parahyba Campos, professora do Instituto de Psicologia da USP

 08/03/2024 - Publicado há 2 meses
Eduardo Blanco Cardoso – Foto: Arquivo pessoal
Elisa Maria Parahyba Campos – Foto: Sites/USP

 

O Dia Internacional da Mulher é comemorado no Brasil, como em diversos países, no dia 8 de março. Habitualmente nesta data as mulheres recebem frutos do marketing: flores, chocolates, promoções, entre outros, que apelam ao reconhecimento de sua “feminidade”. No entanto, além do simbolismo que a sociedade lhe adjudica desde um olhar sexista, é uma oportunidade para reafirmar a importância da luta pelos seus direitos, assim como prestar homenagem às contendas passadas e presentes que reivindicam a igualdade de gênero.

Explicar o crescimento da violência feminina no País não é tarefa fácil. Em primeiro lugar, porque a subnotificação é regra nestes casos e está longe de ser uma especificidade do contexto brasileiro. Para ser ter uma ideia, pesquisa realizada em 2018 mostrou que, em média, mais de 500 mulheres são agredidas fisicamente a cada hora, sendo que 61% dos agressores são conhecidos. Em relação ao feminicídio, no primeiro semestre de 2023 registraram-se 722 vítimas, número que representa um aumento de 2,6% em relação ao mesmo período de 2022. Outro dado igualmente alarmante é com relação ao estupro, que ocorre em média a cada oito minutos, e 85% das pessoas afetadas são do sexo feminino. Números condenáveis que sustentam a existência de uma cultura de violência reconhecida e silenciada no País.

Portanto, não é um dia destinado a realçar sua “essência feminina”, como se existisse apenas uma forma de ser mulher ou um modelo a ser seguido. É um dia para exigir das instituições governamentais, além de segurança, proteção e amparo, a justa equivalência de trabalho e salário igualitários. Injustamente as mulheres ganham menos que os homens por igual função e horas laborais. Para termos uma ideia, de acordo a dados do IBGE, elas receberam, em 2019, 77,7% do salário percebido pelos homens. Isto se vê agravado pela desigualdade na carga horária, uma vez que realizam uma dupla e até tripla jornada em serviços domésticos e cuidados familiares, após encerramento do expediente remunerado, situação particularmente exacerbada durante e após a pandemia. É importante consignar que o desemprego também as afeta mais. A taxa de desocupação entre as mulheres é de 14,1%, enquanto a dos homens, 9,6%.

Embora se insinue nos meios de comunicação que na atualidade os homens auxiliam mais a suas mulheres nas tarefas domésticas, o que de fato é legítimo, o progresso para diminuir a lacuna de tempo demandado entre mulher e homem, é muito lento. Seriam necessárias muitas décadas para alcançar um equilíbrio na partilha de tarefas conjugais. Certamente existe uma “carga mental” redobrada proveniente das múltiplas atividades realizadas, conceito desenvolvido pela socióloga Monique Haicault, e que demandaria tensão permanente, provocando cansaço físico e psíquico, equivocadamente atribuídos ao stress.

Além disso, mesmo que possuam igual ou até maior qualificação que alguns homens, registra-se menor número de mulheres ocupando cargos de gestão. O “teto de vidro” é uma realidade invisível e presente. Apesar das mulheres terem acesso a quase todos os ofícios, continuam em certas profissões sub-representadas, posto que teoricamente nada impede que possam aceder a elas. Culturalmente são orientadas às chamadas “profissões femininas”, sendo muitas vezes desestimuladas no acesso a carreiras que exigem maior responsabilidade, acompanhadas de melhor remuneração e reconhecimento social. Exemplificando estes conceitos vale lembrar que apenas 14% dos membros da Academia Brasileira de Ciências são mulheres e só 7% integram o principal comitê da instituição. Na política, lugar de poder por excelência, continuam tendo baixa representatividade. Um estudo realizado em 2023 pela União Interparlamentar, organização internacional responsável pela análise dos parlamentos mundiais, demostrou que, dentre 193 países, o Brasil aparece na 131ª colocação do ranking de participação de mulheres na política nacional.

Não obstante, algumas das batalhas iniciadas nos anos de 1970 terminaram e com o tempo incluíram-se outras: a luta contra o assédio no trabalho, nas ruas; contra a inseguridade menstrual; o fato de libertar-se do mandato da depilação corporal etc. Estes temas, considerados aparentemente fúteis, não menoscabam o sentido da luta. Tudo é certamente importante para tentar reaver a condição da mulher em termo de direitos e não só de obrigações, como tradicionalmente se lhe inculca e exige.

Contudo, algumas pessoas questionam a relevância e méritos deste dia, afirmando que no Brasil se tem publicado leis, decretos e emendas consideráveis que fortalecem a base da equidade de gênero, ou exaltando, em contraposição, a criação do “Dia Internacional dos Direitos do Homem”, esquecendo que, apesar dos avanços legislativos, a mulher continua subjugada, em um mundo influenciado pela dimensão sistêmica do patriarcado.

Fatos como os comentados reforçam nosso papel na sociedade, não apenas como parte do problema, mas também de sua solução. Portanto, é preciso investir na mulher, garantindo-lhe a oportunidade de receber educação de qualidade, saúde, segurança, acessos a recursos financeiros e melhores condições de vida, desde a perspectiva dos direitos humanos, pedra angular para a criação de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva. Nelson Mandela dizia: “Ser livre não é só quebrar as próprias correntes, mas viver de uma maneira que respeite e melhore a liberdade dos outros”.
________________
(As opiniões expressas nos artigos publicados no Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.