Negativa de transferência de mulheres trans para presídio feminino tem viés discriminatório

A reescrita de decisão judicial, sob perspectiva jurídico-feminista, partiu do pedido de 11 mulheres trans, do presídio masculino para o feminino, no Distrito Federal

 17/08/2023 - Publicado há 1 ano
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A discussão feminista como método jurídico se baseou na realidade do sistema carcerário – Foto: Visualhunt

 

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A reescrita com perspectiva jurídico-feminista trazida para este episódio da série Mulheres e Justiça é sobre a decisão da Justiça de negar o pedido de transferência de 11 mulheres trans do presídio masculino para o presídio feminino no Distrito Federal. 

Para falar sobre o tema e a reescrita e seus resultados, a professora Fabiana Severi recebeu a pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Camilla de Magalhães Gomes, professora adjunta da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e colíder do Grupo de Pesquisa Corpografias – Gênero, Raça e Direito.

Julia Franzoni – Foto: Arquivo Pessoal

A escolha de reescrever essa decisão, segundo a pesquisadora, se deu pelo grupo de estudos buscar um tema que estivesse à margem do que se chama de dogmática, doutrina, jurisprudência dominante no campo. “Na época em que aconteceu, a decisão gerou bastante repercussão, uma vez que seus argumentos eram extremamente biologizantes e essencializantes e até discriminatórios e linguisticamente violentos a respeito das mulheres que pleiteavam essa transferência.” Além disso, segundo Julia Franzoni, questões referentes a mulheres trans e o transfeminismo não dizem respeito somente a esse grupo, mas “podem servir como ponto de partida para as discussões feministas de forma geral”. 

A discussão feminista como método jurídico, utilizado pelo grupo da pesquisadora, se baseou na realidade do sistema carcerário, que tem suas peculiaridades, na utilização de informações e estatísticas, além de relatos, ao invés de presunções e generalizações. Outro ponto foi visibilizar as diferentes posições da relação entre sujeito e Estado, além das diferentes relações entre os sujeitos. O terceiro ponto levado em consideração, que também faz parte desse método de reescrita feminista, refere-se às fontes utilizadas, ou seja, visibilizar outras fontes que sejam produzidas por aqueles e aquelas que vivem aquela realidade. “Tivemos uma grande preocupação em buscar o que as pessoas trans, o que o transfeminismo já produziu ou está produzindo em situações como essas, seja na literatura ou no ambiente forense.” Por último, o grupo utilizou o método da pergunta pelo gênero e uma busca pela não essencialização do sujeito. 

Resultados

Camilla de Magalhães Gomes – Arquivo pessoal

Sobre os resultados, a pesquisadora conta que, além da discussão dos métodos feministas, com a inclusão e utilização de um método transfeminista, incluiu-se também o gênero. As razões da negativa da primeira e segunda instâncias do Sistema de Justiça Criminal do Distrito Federal, para a transferência solicitada, passaram por argumentos como: a biologia, por uma suposta maior força física, presença de determinados genitais, a não realização de cirurgia de transgenitalização e outras questões nesse sentido. 

O grupo passou a pensar gênero levando em consideração a autodeclaração, pela definição de cada sujeito, ideia que vem tanto do transfeminismo como do argumento jurídico dado pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 4275. Essa decisão do STF foi afastada pela reescrita, por se considerar que só tratava de questão subjetiva e não dizia respeito à questão prisional. “Entendemos, portanto, que essas considerações biologizantes, como a presença de um genital, a não transgenitalização, a presença de um genital atribuído ao masculino, da maior força física e mesmo argumentos criminalizantes, como a possibilidade de uma violência sexual, são extremamente violentas. Não poderiam ser essas as bases para uma decisão,  considerando o que é hoje a base jurídica para a discussão de gênero. Assim, ao final, concedemos o pedido da transferência nessa reescrita.”

Participaram da reescrita, além da professora Camilla, as professoras e pesquisadoras Julia Ávila Franzoni, do Departamento de Teoria do Direito da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e coordenadora do Grupo de Pesquisa Labá – Direito, Espaço & Política, e Claudia Paiva Carvalho, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e colíder do Grupo de Pesquisa Corpografias – Gênero, Raça e Direito.

A série Mulheres e Justiça faz parte do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Femininas, uma rede colaborativa de acadêmicas e juristas brasileiras de todas as regiões do País, que se presta a reescrever decisões judiciais a partir de um olhar feminista.

A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira -
Apoio:acadêmicas Juliana Cristina Barbosa Silveira e Sarah Beatriz Mota dos Santos-FDRP
Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br


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