Por que se tornou mais difícil aumentar o salário mínimo no Brasil? A nota técnica de Política Econômica nº032 visou a discutir exatamente isso: a relação entre a política salarial, fiscal e o conflito distributivo no País, considerando o modelo de crescimento econômico com inclusão social que marcou os governos do PT. “Na verdade, essa discussão é uma tentativa um pouco de ler, no início desse novo governo, como é que a gente pode recolocar os elementos que estavam postos ao longo de uma trajetória de quase 15 anos de governo do PT”, explica o autor da nota Pedro Romero Marques, pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP.
Todo um modelo econômico petista foi construído pensando no crescimento econômico com tentativa de redistribuição de renda. O aumento do salário mínimo, assim como mostrado no estudo, impactou a distribuição de renda e teve “impacto generalizado sobre os benefícios sociais pagos pelo governo, em especial aqueles associados à seguridade social”.
Como isso é replicado no momento atual?
“Há condições muito distintas que, de certa forma, impedem que esse modelo seja automaticamente replicado”, explica Marques. A política de valorização salarial, fator essencial nos governos Lula e Dilma, sustentou um processo de aumento geral da massa salarial do País, principalmente entre 2000 e 2010. “Não só por isso, o aumento do salário mínimo está ligado ao aumento de valores de alguns benefícios sociais fundamentais, como os benefícios da Previdência Social, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o seguro-desemprego. Então, um aumento do salário mínimo que ocorreu ao longo de todo essa década de 2000 a 2010 também se reflete no valor desses benefícios”, ele explica.
A hipótese da discussão proposta pela nota, que é de economia política, é que há um aumento das tensões distributivas do País, na medida em que o Estado, com uma política deliberada de aumento do salário mínimo, acaba beneficiando a renda do trabalhador. “A renda de um país pode ser dividida entre salários e lucros. Grosso modo, o que acontece é que a gente tem uma ampliação da renda do salário que pode acabar pressionando a renda dos lucros”, explica Marques.
O que acontece nesse período primeiro do governo, ele diz, é uma tendência redistributiva da renda na direção da renda do salário, que pode vir a causar uma certa redução relativa da participação da renda do lucro no total da economia.
Teto de gastos
O teto de gastos, assim como as reformas trabalhista e previdenciária, veio com o impeachment. Pedro Marques explica que, ao olhar para esses fatores, alguns pontos são percebidos: o aumento do gasto social vira aumento do salário mínimo, o que deve ser contido, já que causa uma pressão no orçamento público. O teto de gastos, por outro lado, impede que haja um crescimento real dos gastos no País. “O aumento do salário mínimo vai implicar, por exemplo, um aumento maior no pagamento de benefícios previdenciários. Esse aumento nos pagamentos vai pressionar o teto dos gastos”, diz. “Não há espaço num regime do teto de gastos para uma política de valorização do salário mínimo da forma como ela ocorreu durante os primeiros governos do PT”, conclui Marques.
Além disso, a reforma trabalhista reduz o espaço de barganha dos trabalhadores numa negociação direta com os seus empregadores. Ela também impacta o pagamento dos benefícios da Previdência Social. “O modelo de crescimento com inclusão social do PT se esgota na situação do impeachment da Dilma e na situação de aprovação do teto de gastos”, explica o pesquisador. Em sua análise, o teto de gastos é uma reação política.
Nova regra fiscal
“Acredito que um novo arcabouço fiscal vai tentar ao menos trazer uma possibilidade de conseguir que o Estado funcione a partir de seus mecanismos próprios de financiamento da política fiscal”, explica Pedro Marques. O governo tem se preocupado em garantir que o teto de gastos termine, para que o País tenha uma maior garantia de continuar com os gastos, desde que de forma responsável.
É necessária uma política fiscal adequada para as demandas do País, ainda em desenvolvimento, e que inclua elementos contemporâneos, como a questão da inclusão das mulheres na economia e da transição verde. “O Brasil tem uma oportunidade de, neste momento, por estar discutindo o teto dos gastos, também poder discutir o papel da política fiscal de uma forma mais ampla”, finaliza.
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