Os insetos e a educação ambiental

Por Vera Cristina Silva, entomóloga, doutora em Ciências Biológicas pela USP, e professora aposentada da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp – Jaboticabal). Atualmente integra projeto em coautoria com o pesquisador da FFCLRP-USP Dalton Amorim

 06/02/2023 - Publicado há 1 ano
Vera Cristina Silva – Foto: Cecília Bastos

 

O mundo natural e suas belezas sempre atraíram a atenção dos seres humanos. Durante a recente pandemia de Covid-19, todos fomos levados a permanecer mais tempo em casa, observando o mundo externo pelas nossas janelas /ou pelas telas dos celulares, tablets, computadores e televisores. Muitos sofremos do que já foi chamado por Richard Louv de “Transtorno de Déficit de Natureza”—que não é um diagnóstico médico. Esse termo foi criado pelo Richard Louv para definir várias questões físicas e mentais em parte associadas a uma vida desconectada da Natureza. Entre elas, principalmente em crianças e adolescentes, estão uma redução do uso dos sentidos, dificuldades de atenção, taxas mais altas de doenças como miopia, obesidade infantil e adulta, deficiência de vitamina D e outras enfermidades.

Esse cenário avança junto ao processo de urbanização. Atualmente, a maior parte da população brasileira já vive nas cidades, em 2022, 85% da população de acordo com o IBGE. Isso faz com que nossas crianças e adolescentes tenham poucas chances de estar em contato próximo com áreas naturais e sua fauna.

O WWF [World Wide Fund for Nature] nos lembra que “o uso de recursos em velocidade superior à sua capacidade de regeneração e a criação de resíduos, como CO2, em velocidade superior à sua capacidade de absorção recebe o nome de descompasso ecológico”. Atualmente esse descompasso se mantém, o que pode levar ao esgotamento dos recursos que são a base da nossa economia. Como reverter isso? A Educação é um caminho, talvez o único. Mas uma educação que ajude os seres humanos a respeitarem o ambiente natural (vou chamar aqui de Natureza) é um aspecto fundamental.
Parques, pátios verdes de escolas e mesmo nossas casas estão habitadas por muitos desses organismos. De modo geral, são pequeninos. Mas eles podem nos ajudar a refazer essa conexão com a Natureza. Nesse sentido, entram os insetos! Eles estão presentes em praticamente todos os ambientes. Mesmo em ambientes criados pelos seres humanos, a maioria não apresenta riscos à nossa saúde. São relativamente fáceis de observar, de coletar e são bonitos!

Os insetos estão entre os organismos com os quais temos um contato maior e mais próximo, exceto talvez pelos gatos e cachorros domésticos.
Para muitos de vocês que leem este pequeno artigo, o termo “inseto” remete a visões horripilantes de baratas voando pela casa, entrando por nossas janelas em uma noite quente. É verdade! Mas insetos incluem muito mais que esse grupo de organismos tão vilipendiados. Eles correspondem a dois terços de TODAS as espécies conhecidas no Planeta. E incluem muitas espécies que beneficiam os seres humanos e nossos ambientes.

Ao longo da minha carreira como docente de um curso de Ciências Biológicas e pesquisadora dos insetos, procurei desenvolver projetos de extensão que ajudassem a mudar essa visão distorcida sobre a presença e importância dos insetos. O resultado é muito promissor!

Muitos jovens e crianças, quando em um primeiro contato com os insetos, tendem a sentir medo e até mesmo repulsa. Quando essas emoções são superadas, começam a se divertir e aprender. Os conceitos que podemos trabalhar nessas situações incluem a importância da biodiversidade para os diversos biomas, os vários papeis que os insetos desempenham na dinâmica da Natureza, sua relação com os seres humanos, a importância da ciência e seus métodos nesses estudos, o que fazem, e quem são os cientistas que estudam a biodiversidade, entre tantos outros.

O mais interessante é que todos esses aspectos podem ser abordados no pátio da escola (mesmo que ela não contenha nenhuma área verde…), nas praças ou em parques (dentro das cidades ou em áreas mais rurais). Para observar insetos, precisamos de poucos instrumentos: uma lupa de mão, uma rede entomológica, frascos onde acondicionar os insetos capturados e uma prancheta com papel e lápis para anotar nossas observações. Os insetos podem ser capturados, observados e, depois, soltos. Pode-se tirar fotos com celular para buscar posteriormente uma identificação mais precisa, que também acabam registrando dados sobre o modo de vida daquele inseto. Em algumas partes do mundo, as fotos de insetos tiradas por cidadãs e cidadãos com seus celulares contribuem para conhecer a diversidade de espécies de insetos, mapas de distribuição dessas espécies etc. Sim, a ciência-cidadã também produz ciência original.

Da minha experiência no ensino da diversidade e da beleza de insetos, a situação que mais me marcou foi um projeto com alunos de uma escola da pequena cidade de Barrinha (próxima de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo). As crianças coletaram insetos e outros invertebrados para testar uma hipótese: se existiriam mais dessas espécies ao redor dos prédios do que em um bosque, no campus da Unesp-Jaboticabal. Eles próprios construíram a hipótese e realizamos coletas rápidas para testá-la; ao final, descobrimos que os dados não corroboravam a hipótese. Assim, eles precisaram encontrar os motivos para isso. Foi incrível, ao final, eles perceberem que estavam fazendo ciência e que não precisamos, necessariamente, de laboratórios com tubos de ensaio para isso.

Jovens observando insetos coletados no campo, Unesp-Jaboticabal, Brasil. Foto: Arquivo pessoal

 

Outro momento aconteceu mais recentemente, em uma viagem de coleta de insetos em que participei, no sul do Chile, como parte de um projeto conjunto de pesquisadores brasileiros  – USP e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA), entre outros –  e chilenos (Museo Nacional de Historia Natural e Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación, em Santiago). Durante as coletas no Parque Nacional Puyehue, organizamos atividades para estudantes do ensino médio de duas cidades próximas. Conversamos sobre nosso estudo, sua importância e os resultados obtidos até então. Mas o melhor, evidentemente, foi fazer uma caminhada por uma das trilhas do parque, coletando e observando os insetos. A maioria ficou muito envolvida com tudo. O que despertou mais interesse foi observar no estereomicroscópio o material que haviam coletado. Um outro universo se abriu para aqueles jovens.

Jovens observando insetos à lupa e conversando com especialista no Parque Nacional Puyehue, Chile. Foto: arquivo pessoal.

Essa é a magia e a importância desses momentos na nossa atividade como cientistas, quando compartilhamos com crianças e jovens nosso encantamento pela Natureza. Nosso compromisso com a ciência não é separado do compartilhamento do conhecimento obtido com a comunidade e da proteção do planeta.

Jovens observando e coletando insetos em armadilha, e conversando com especialista no Parque Nacional Puyehue, Chile. Foto: Cecília Bastos

 

Em breve no Jornal da USP, matéria em texto e vídeo sobre a expedição ao Parque Nacional Puyehue, no Chile.

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