Estudo compara disfunção de sexualidade em mulheres que foram ou não vítimas de violência sexual

Realizada por pesquisadores da USP em Ribeirão Preto, o estudo indica maior probabilidade das vítimas desenvolverem quadros depressivos

 25/11/2021 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 09/12/2021 as 12:32
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Todos os abusadores do estudo eram homens e, a maioria, do círculo de convívio, como pai, tio, avô, padrasto, primo e vizinho. Muitas vezes, esse tipo de violência ocorre na infância, por isso, é importante que as mães fiquem atentas às mudanças de comportamentos das crianças, sejam do sexo feminino ou masculino. Violência contra mulheres – Foto: Governo da Bahia/Creative Commons

 

Pesquisadoras da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP compararam a disfunção sexual em mulheres que foram ou não vítimas de violência sexual. Os resultados apontam que 22% das mulheres estudadas, com disfunção sexual feminina relatam ter sofrido violência sexual na infância ou na idade adulta. Entre os resultados do estudo está a maior probabilidade de ter depressão e ansiedade entre as mulheres vítimas do que as do grupo controle.

“A depressão, assim como o uso de drogas antidepressivas foi mais prevalente nas mulheres vítimas. O resultado não é surpreendente se considerarmos os impactos negativos da violência sexual na vida de uma pessoa” afirma a médica Lucia Alves da Silva Lara, uma das autoras do estudo e coordenadora do Serviço de Saúde Sexual do setor de Reprodução Humana do HCFMRP.

Outro resultado do estudo é que 19% das vítimas relataram que os parceiros sexuais tiveram um relacionamento extraconjugal. “As vítimas relataram que os parceiros eram mais agressivos e infiéis, sendo que as do grupo controle relataram que os parceiros eram mais afetuosos. Além disso, elas eram mais propensas a ter problemas de relacionamento”, conta a professora Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva da FMRP e coordenadora da pesquisa.

Violência contra mulheres – Foto: Pedro Guerreiro / Arquivo Ag. Pará / Sejudh

 

No Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, as vítimas possuem atendimento de uma equipe multidisciplinar formada por ginecologista, psiquiatra, psicóloga e fisioterapeuta. A abordagem inclui a obtenção de um histórico de forma empática, por meio de uma entrevista semiestruturada feita de forma presencial, além de exame físico geral e ginecológico quando indicado.

Mais de 92% dos abusadores são conhecidos da vítima

No estudo, 92,31% dos agressores eram próximos à vítima. Todos os abusadores do estudo eram homens e a maioria do círculo de convívio, como pai, tio, avô, padrasto, primo e vizinho.

“Muitas vezes, o abuso ocorre na infância, por isso, é importante que as mães fiquem atentas às mudanças de comportamentos das crianças, sejam do sexo feminino ou masculino”, alerta a professora Ana Carolina.

Além das médicas Ana Carolina e Lucia, o estudo Comparison of Sexual Dysfunction in Women Who Were or Were Not Victims of Sexual Violence tem como primeira autora a médica Juliana Ribeiro Figueira e contou com autoria da pesquisadora Maíra Cristina Ribeiro Andrade; todas da FMRP.

Políticas públicas devem contemplar a formação médica e educação sexual

Como políticas públicas para o atendimento de mulheres vítimas de violência sexual, as professoras apontam a importância de formar ginecologistas que saibam fazer a abordagem adequada. “Há 10 anos, graduandos na FMRP e residentes no HCFMRP aprendem como abordar a questão com a paciente e quando deve encaminhar para o atendimento especializado”, conta Ana Carolina, professora da FMRP.

A médica Lucia Lara conta ainda que a formação envolve descartar condições físicas que podem ter levado à disfunção sexual e investigar sobre o histórico de violência da paciente. “Nós treinamos o médico para fazer essa abordagem. Em geral, a paciente sente vergonha e culpa pelo abuso e isso não tem sentido, a culpa é do adulto que cometeu esse crime. O papel do médico é, também, dirimir essa culpa utilizando o conhecimento adquirido no treinamento”.

Outro ponto listado como política pública é a educação sexual voltada para os professores e família, além das crianças. “Os estudos mostram que a educação sexual na escola é o caminho. A educação não é ensinar a criança o que é fazer sexo. Mas orientar professores e pais para identificar comportamentos e responder às dúvidas da criança de forma adequada para a idade e sem mentir”, conta Lucia. Além disso, explica que a mãe ou responsável deve ser a pessoa adequada para direcionar para a criança quem pode auxiliar na troca, no banheiro e tocar na genitália.

“É necessário ensinar sem cunho sexual para crianças entre 6 e 8 anos que o toque na genitália não pode ocorrer, porque ela não vai entender o que está acontecendo em um abuso, mas vai compreender que ninguém pode tocar aquela região do corpo”, finaliza Ana Carolina.

 

Abuso sexual – Foto: Pixabay

 

Mulheres sentem culpa por abuso sexual infantil

A culpa de ter sofrido abuso sexual na infância impede que a mulher tenha prazer na vida sexual. “A genitália tem terminações nervosas que dão prazer ao toque, e a criança que sofre o abuso não tem condições de julgar se aquele toque não pode acontecer. Como normalmente o abusador é alguém próximo e que ela gosta, a interpretação é de que aquilo é um carinho”, afirma Lucia.

Ela diz ainda que a criança passa a entender que aquela ou aquelas situações não deveriam ter acontecido quando cresce e recebe informações relacionadas ao comportamento sexual adulto. “As vítimas não têm condições de falar que o agressor adulto é o culpado, porque ela sente culpa como se tivesse permitido. A criança não tem capacidade de fazer um julgamento do que é adequado ou não, e aí ela carrega na fase adulta o mal estar de ter sido abusada, ainda achando que permitiu que acontecesse. É preciso que nós, profissionais da saúde, expliquemos que ela foi vítima e que não tem culpa”, explica.

Como funciona a resposta sexual nas mulheres

Já que a disfunção sexual feminina é caracterizada por um desvio no padrão normal ou esperado durante a relação sexual, como funciona a resposta sexual nas mulheres? A professora Ana Carolina conta que tudo começa com o desejo que pode ser espontâneo ou desencadeado por estímulos, como: visual, auditivo, tato ou até olfativo através de música, perfume, aparência física do parceiro ou parceira e beijo.

A segunda etapa é quando a mulher engaja com a atividade sexual. “Essa é a fase de excitação em que ela vai aumentar o desejo e ter uma resposta orgânica com a lubrificação vaginal, se preparando para uma relação com penetração”, explica.

Depois, a mulher pode ou não atingir o orgasmo e iniciar a retomada do estado normal. “É importante ressaltar que o fato de não ter tido o orgasmo não significa que não foi satisfatório, porque para ela pode ser que o carinho e a troca de sensações sejam muito mais prazerosos”, revela.

Neste sentido, a disfunção sexual feminina é quando há alguma dificuldade, mudança ou insatisfação em algumas destas etapas. Entre os exemplos estão: a anorgasmia, que é não conseguir ter o orgasmo; não ter a fase de excitação por sentir dor; e não ter desejo sexual espontâneo ou com estímulo. “O nosso papel como ginecologista é identificar o porquê, qual fase da resposta sexual está comprometida e tentar abordar”, revela Ana Carolina.

A professora explica ainda que alguns casos são possíveis resolver na consulta com orientações e informação. Entretanto, mulheres que sofreram a violência sexual e possuem disfunção sexual precisam de um encaminhamento para uma equipe multidisciplinar formada por profissionais médicos, psicólogos, sexólogos e fisioterapeutas, por exemplo.  

Violência sexual: como agir e como denunciar?

As denúncias de violência sexual podem ser feitas no Disque 100 ou no Ligue 180, que são serviços gratuitos para casos de violação de direitos humanos. O atendimento funciona 24 horas por dia de domingo a domingo e envolve o encaminhamento para os órgãos competentes. Mais informações neste link.

 


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