Escassez global de novos antibióticos agrava a ameaça das superbactérias

Estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) revela a falta de novos medicamentos para tratar infecções bacterianas devido a entraves científicos e econômicos

 24/05/2021 - Publicado há 3 anos
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Novos antibióticos em desenvolvimento não são capazes de tratar as bactérias resistentes – Ilustração: Fotomontagem

De acordo com o relatório anual da Organização Mundial da Saúde (OMS), os novos antibióticos atualmente em desenvolvimento não são capazes de tratar as bactérias resistentes, conhecidas como superbactérias. A revisão de 2020 avaliou candidatos a drogas antibacterianas em estágios de desenvolvimento clínico e pré-clínico em todo o mundo e concluiu que o mundo ainda não está desenvolvendo os tratamentos antibacterianos de que precisa para conter o avanço das bactérias resistentes a medicamentos, que estão descritas na Lista de Patógenos Bacterianos Prioritários da organização.

Atualmente, estão em desenvolvimento 43 antibióticos que, entretanto, não são capazes de conter as superbactérias descritas na Lista de Patógenos Bacterianos Prioritários da OMS, que inclui 13 bactérias e que tem sido usada para informar e orientar áreas prioritárias para pesquisa e desenvolvimento desde 2017. Como explica Fernando Bellissimo Rodrigues, médico infectologista e epidemiologista, professor do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, as superbactérias “exibem resistências a múltiplas classes de antimicrobianos, que são usados rotineiramente no tratamento dessas bactérias”. 

Uso indiscriminado também na agropecuária

O professor aponta que a seleção das espécies de bactérias resistentes é artificialmente induzida, “as mutações que conferem resistência aos antimicrobianos ocorrem naturalmente, em várias espécies, porém  não acarretam nenhuma vantagem à bactéria, a menos que na presença de antibiótico. Então, quanto mais antibiótico a gente usa, maior a probabilidade de seleção de mutantes resistentes àquela droga, por isso que o uso indiscriminado de antibióticos aumenta a incidência dessas cepas”.

A emergência da ameaça das superbactérias vem sendo agravada, ainda, pelo uso indiscriminado de antibióticos e antissépticos, substâncias importantes que deveriam ser utilizadas apenas em momentos específicos para tratar infecções, de acordo com prescrições médicas ou de cirurgiões-dentistas. “O uso indiscriminado não traz benefícios à saúde humana como pode trazer malefícios por alterar a microbiota normal do corpo humano e aumentar a chance de você ser colonizado por bactérias multirresistentes”, explica o infectologista.

Mas o uso pela população humana não é o único que apresenta riscos, cerca de 80% dos antibióticos produzidos são consumidos na agropecuária. O professor avalia que “isso é uma coisa muito perigosa, porque está pressionando a resistência bacteriana em uma situação em que esses medicamentos muitas vezes não são necessários”.

Desafios científicos e econômicos 

O mapeamento realizado anualmente pela OMS busca priorizar e coordenar os esforços globais de pesquisa e desenvolvimento a fim de buscar soluções para a ameaça das bactérias resistentes. Mesmo com esse esforço nos últimos anos, o estudo da OMS revela que a grande maioria dos antibióticos disponíveis no mercado é de variações de antibióticos descobertos na década de 1980. 

Antibióticos – Foto: Domínio público via Wikimedia Commons

Ainda de acordo com esse mapeamento, as perspectivas de mudança dessa realidade ainda são distantes, visto que apenas alguns antibióticos foram aprovados por agências regulatórias nos últimos anos e, atualmente, existem alguns produtos promissores em estudo e desenvolvimento, mas apenas uma fração deles chegará ao mercado devido aos desafios econômicos e científicos. 

O processo de desenvolvimento de novos antibióticos é caro e trabalhoso, porque “para cada droga, de maneira genérica, que chega ao mercado como medicamento de sucesso, que passou por todas as fases de testes de aprovação de segurança, muitas vezes a indústria tem que fazer a triagem de até 10 mil compostos”, afirma Bellissimo. 

O desenvolvimento de antibióticos tem outro agravante. Em comparação a outras classes de medicamentos, desenvolver novos antibióticos, que apenas serão usados em casos excepcionais de infecções e por um curto período de tempo, não é economicamente viável. “Por isso, as empresas estão deixando de investir na seleção, no desenvolvimento de novos antibióticos, a menos quando recebem incentivos estatais.” 

Bellissimo também ressalta que “a Fundação Gates, o National Institutes of Health (NIH), nos Estados Unidos, e a União Europeia têm tentado compensar isso com fundos públicos, financiando o desenvolvimento de novas drogas”. 

Pandemia acende novo alerta sobre as superbactérias

Ilustração: Naille tairov via Wikimedia Commons/CC BY-SA 4.0

Globalmente, a escalada da resistência bacteriana também ameaça o exercício da medicina, uma vez que a área é dependente dos antibióticos. “Realmente é preocupante a escalada da resistência e, nos dias de hoje, a gente já tem pacientes morrendo nas UTIs sem tratamento antimicrobiano”, afirma o infectologista. 

A atual pandemia de covid-19 chamou a atenção para o problema dessa escalada global de resistência, devido ao uso de medicamentos ineficazes para tratar a doença e a quantidade de infecções hospitalares que pacientes internados acabam contraindo. O infectologista analisa que muitos pacientes que contraem a covid-19 estão “sendo tratados abusivamente e desnecessariamente com antibióticos, e sofrendo infecções hospitalares em decorrência disso”. 

O professor destaca que, ocasionalmente, pacientes que precisaram ser hospitalizados devido à doença provocada pelo vírus sars-cov-2 contraem infecções por bactérias resistentes e “morrem, não pela covid-19, mas pelo Acinetobacter, ou pela Klebsiella pneumoniae, que são os dois agentes mais resistentes de todos na atualidade”. Como ressalta Bellissimo, “isso não é uma ameaça potencial, isso já está acontecendo nos nossos hospitais”.

Por outro lado, a pandemia também “canalizou muitos investimentos em pesquisa para o seu enfrentamento, tornando escassos os recursos de pesquisa para o desenvolvimento de novas drogas ou métodos de conter a resistência bacteriana”, finaliza o professor.


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