Na somatização o paciente não consegue diferenciar os sintomas físicos de origem psíquica de doença orgânica

A manifestação de sintomas físicos de transtornos, como ansiedade e depressão, em órgãos do corpo humano pode estar associada a processos psíquicos

 19/05/2021 - Publicado há 3 anos
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A somatização é resultado de uma condição psiquiátrica que se manifesta como uma desordem física no corpo, habitualmente originada ou agravada pelos processos emocionais. Os sintomas físicos podem aparecer em diversos órgãos do corpo, a pessoa sente e se queixa, mas sem uma doença ou alteração orgânica que os justifiquem. Normalmente, quem somatiza percebe os sintomas físicos e não os relaciona a alguma desordem mental.  

Segundo a psicóloga Bruna Rios, pesquisadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP (FFCLRP-USP), os sintomas físicos podem ser divididos entre aqueles que são comuns a um determinado transtorno e os chamados de psicossomáticos, que aparecem sem causa aparente ou explicação biológica. No caso dos sintomas físicos psicossomáticos, o paciente pode desenvolver algumas condições de saúde como, por exemplo, gastrite, enxaqueca, coceiras e vermelhidão na pele sem que haja necessariamente uma doença física de base. 

A somatização pode ser mais comum quando há transtornos, como ansiedade e depressão, mas também pode ser desencadeada por outras condições psíquicas. De acordo com a psicóloga, sintomas como visão turva, tremedeira, batimentos cardíacos acelerados e suor excessivo se manifestam no corpo e estão relacionados a sistemas que são ativados em momentos de ansiedade. “A ansiedade acaba fazendo uma ativação geral do nosso sistema, principalmente, porque ela tem origem de luta e fuga.” 

A pesquisadora utiliza uma ação cotidiana para explicar a manifestação desses sintomas. “Estou ansiosa porque estou atrasada para o trabalho; eu identifico isso como um perigo, algo que eu preciso ficar atenta, uma coisa que pode me prejudicar e isso dispara alguns mecanismos antigos do nosso corpo, com origens primárias de luta e fuga de predadores.” 

Em outros casos, a sensação desencadeada pode gerar reações mais intensas. “Uma coisa que acontece muito é a gente ter um transtorno, chamado transtorno do pânico, em que a pessoa tem uma sensação de infarto, de que ela vai morrer, ela vai ter um ataque cardíaco. Muitas vezes ela vai para o hospital, achando que está tendo infarto, porque o coração dispara muito e são feitos exames e, realmente, foi uma crise de ansiedade, uma crise de pânico; não há nada de biologicamente ou fisicamente errado”, conta Bruna. 

Corpo e mente estão ligados  

Quando o paciente procura o médico e realiza exames, mas não consegue encontrar uma causa biológica, é necessário considerar as dimensões da psique humana. A saúde física e a saúde mental são correlatas, por isso, esclarece a psicóloga, “muitas vezes, a gente acaba dividindo a mente do corpo, como se o psicológico fosse algo que existe só dentro da minha cabeça que é separado do meu corpo. Isso não é verdade. A gente sabe hoje em dia que o meu cérebro é um órgão como outros órgãos e que ele está relacionado com a coordenação do meu corpo como um todo. Então, tudo se afeta mutuamente”.

A somatização pode ocorrer devido a situações pelas quais as pessoas passam ou por fatores genéticos. Como é o caso da deficiência da serotonina, conhecida como hormônio da felicidade, que está ligada a uma situação de bem-estar. Bruna conta que “alguns antidepressivos atuam na recaptação da serotonina, por exemplo, aumentando o nível dela dentro do corpo. Essa baixa de serotonina, seja por uma depressão, seja por uma questão psicológica, afeta coisas físicas na gente”.

Primeiro ocorre a baixa de serotonina e depois a depressão? Ou a depressão é desencadeada primeiro e consequentemente há uma baixa de serotonina? Segundo a psicóloga, essas respostas não são simples e exemplifica com o histórico familiar de depressão. Bruna diz que causas genéticas podem estar relacionadas a uma baixa de serotonina, predispondo o indivíduo à depressão, mas que fatores externos também podem desencadear o transtorno depressivo.

Como saber se estou somatizando?

Muitas vezes, o paciente não consegue diferenciar os sintomas físicos de uma doença orgânica de algo que possa estar relacionado à somatização de condição psíquica. “É difícil conseguir diferenciar isso sozinho, muitas vezes as pessoas acabam fazendo alguns exames e verificando que não há alterações biológicas, elas passam a pensar, então, em outras doenças. Então, é importante perceber a frequência com que isso ocorre”, orienta Bruna.

A psicóloga aconselha buscar diagnóstico e exames médicos para tratar sintomas físicos. Na ausência de desordem biológica, Bruna recomenda uma investigação de ordem psicológica. “Fazer uma avaliação com psicólogo, com psiquiatra, também é importante, porque sozinho é difícil eu conseguir diferenciar o que é físico e o que é psicológico, até porque muitas vezes as coisas se unem.” 

O tratamento de sintomas psicossomáticos pede acompanhamento psicológico e psiquiátrico para entender as raízes do problema. “O tratamento é, realmente, primeiro, terapia, porque a terapia ajuda a elaborar as coisas que eu estou sentindo”, enfatiza a psicóloga, lembrando que também é necessário rever alimentação e exercício físico. “Essas coisas são importantes para um bom estilo de vida. Um estilo de vida que, na verdade, se associe a bons hábitos de saúde.”

A psicóloga orienta não ignorar os sintomas ou simplesmente se automedicar, “é importante tentar entender as razões e buscar um tratamento adequado para essas questões”. 


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