Pensando e agindo à beira do abismo: governança, meio ambiente e o estado do mundo

Por André Francisco Pilon, professor associado da Faculdade de Saúde Pública da USP

 18/12/2020 - Publicado há 4 anos
André Francisco Pilon – Foto: ResearchGate GmbH

 

No final de um ano dominado por uma pandemia, o Acordo de Paris completa seu 5º aniversário (12 de dezembro de 2020); estariam os líderes mundiais realmente agindo para evitar o caos iminente, ou eles ainda pensam que o ecocídio é uma invenção de ambientalistas que abominam o sistema capitalista? Critérios duvidosos de contabilidade de carbono (Austrália) ou então apontar para emissão zero enquanto o desmatamento aumenta (Brasil) não são suficientes para entrar na lista de governos responsáveis. Ambientes naturais ou construídos e regeneração social, cultural e política são aspectos complementares.

Embora os Estados Unidos voltem a integrar o Acordo e, juntamente com a Europa, China e Japão, reassumam seus compromissos, resta ainda consagrar em suas leis os deveres das corporações de negócios em todas as suas operações, responsabilizando-as pelas violações ambientais, dentro ou fora de seus países. Estudiosos e comentaristas destacam que os negócios têm status privilegiado nos debates de políticas públicas, na cobertura dos media, nas “soluções” para os problemas do mundo, sempre ancorados em seus interesses, notadamente quando se trata do meio ambiente versus questões de mercado.

Reconhecendo que esta deve ser uma agenda pública, como diferentes valores (uso vs. preservação) e a estrutura desses valores (serviços ecossistêmicos vs. espécies) influenciam as políticas públicas e a gerência dos negócios, em termos de prescrições, costumes, hábitos e estilos de vida?

Como conservar a paisagem, as florestas, savanas, bacias hidrográficas, face a fragmentação do habitat, a perda da biodiversidade, os incêndios, o predomínio de áreas manejadas para a produção comercial em uma situação de crise (commodities, minerais, extração de madeira, biocombustíveis)?

David Korten lembra que a convergência de forças políticas, econômicas e tecnológicas levou a uma concentração de poder cada vez maior em um punhado de corporações e instituições financeiras e deixou o sistema de mercado cego para tudo, exceto para seus próprios ganhos financeiros de curto prazo.

A análise política é incapaz de definir objetivos consensuais, ou determinar instrumentos para que as instituições públicas assumam de fato as metas preconizadas; que políticas estão em jogo, quais são os atores que as formulam e implementam, que regras regem seu comportamento?

Abordagens positivistas, arcabouços de coalizão, advocacia, políticas narrativas obscurecem os problemas investigados, naturalizando o sistema liberal como uma luta entre grupos com reivindicações concorrentes, apesar da evidência dos mecanismos que preservam o poder dos atores dominantes.

A transição para uma economia circular não é apenas uma transição de materiais e tecnologias, é uma transição de valores. A ciência, os atores sociais devem assumir responsabilidade pelos efeitos sociais e ambientais do conhecimento produzido, pelas suas derivações tecnológicas (processos de inovação e produtos).

Ações e intervenções coletivas para um futuro equitativo, justo e “sustentável” envolveriam a sociedade civil, unidades de conservação, os media, jornalistas, líderes religiosos, juristas, especialistas, tomadores de decisão, ativistas, jovens, líderes políticos, organizações, grupos e comunidades (regiões, setores e gerações).

Mudar os paradigmas de desenvolvimento, crescimento, poder, riqueza, trabalho e liberdade, embutidos nas instituições políticas, tecnológicas, econômicas e educacionais, implica capacidade institucional, neutralidade judicial, transparência informativa, participação política esclarecida e espaços sociais para engajamento cívico.

A maior deficiência da espécie humana é a incapacidade de compreender a função exponencial, na qual o argumento ocorre como expoente; o crescimento exponencial da população humana e o consumo indiscriminado dos chamados “recursos naturais” não podem continuar indefinidamente.

As relações entre as ciências sociais, econômicas e políticas e as ciências exatas devem ser intensificadas, a vida como a conhecemos está em jogo, a grande maioria das pessoas valoriza “construções” (por exemplo, dinheiro) sobre a realidade (natureza), lembra Amelia Delgado em “O que é sustentabilidade?” (ResearchGate).

Os problemas e os contextos em que ocorrem devem ser reinterpretados e reestruturados através de uma lente ecossistêmica, alterando assim as formas de abordá-los. Novos nichos de aprendizagem sociocultural, tanto na academia quanto na sociedade em geral, devem preparar a transição para novas formas de estar no mundo.

“Estar no mundo” abrange quatro modos de existência (Binswanger): a relação do homem consigo mesmo (Eigenwelt); a relação do homem com seus semelhantes (Mitwelt); a relação do homem com a sociedade em geral (Menschenwelt); a relação do homem com o meio ambiente (Umwelt). Esses modos se complementam e devem se apoiar.

Uma civilização ecológica cuida dos ambientes natural e construído, do patrimônio cultural, dos vínculos coletivos, da educação, saúde, ética, estética, equidade e justiça. A prioridade é dada a um conjunto de valores, normas e políticas relacionadas ao bem-estar humano e à qualidade de vida, onde “ninguém fique de fora”.

Além do discurso, são esperadas ações concretas, verificáveis por organizações científicas e de defesa do meio ambiente, em níveis local, regional, nacional e internacional: uma boa política seria realizar um inventário das condições que possibilitam ou impedem a realização desses objetivos nos diversos países do mundo.


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