Ideias do educador Anísio Teixeira serão debatidas nesta semana

Um dos maiores pensadores da educação do Brasil é tema de colóquio virtual promovido pela USP

 14/12/2020 - Publicado há 3 anos
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Anísio Teixeira, um defensor da educação pública (Crédito: Acervo Instituto Anísio Teixeira)

Educação não é privilégio

(Anísio Teixeira)

Essa célebre frase do educador baiano Anísio Teixeira (1900-1971) demonstra sua visão como gestor acadêmico e líder institucional. Defensor da educação pública, ele construiu uma obra histórica, filosófica, pedagógica e política seminal, formulando conceitos como educação democrática, além de difundir os pressupostos da Escola Nova – movimento de renovação da educação ocorrido na primeira metade do século 20. Apesar do vigor e atualidade de seu pensamento, Anísio Teixeira tem ficado de fora dos debates atuais. Para refletir sobre seu legado, a Cátedra de Educação Básica do Instituto de Estudos Avançados (IEA), em parceria com o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), ambos da USP, e com apoio da Fundação Itaú para Educação e Cultura, promove o Colóquio 120 Anos de Anísio Teixeira, que será realizado nesta semana, entre os dias 16 e 18, com transmissão pelo Youtube (leia matéria abaixo).

“Anísio Teixeira é um dos grandes educadores brasileiros, e de renome internacional”, afirma a professora Diana Gonçalves Dias, diretora do IEB. Segundo a professora, ele teve uma participação fundamental na constituição do sistema educacional brasileiro, desde quando começou a atuar como secretário da Educação na Bahia, ainda nos anos 20, e depois ao assumir, na década de 30, a diretoria de Instrução Pública do Rio de Janeiro.

Para o professor Naomar de Almeida Filho, titular da Cátedra de Educação Básica, “Anísio deixou um imenso legado para a educação brasileira; em todos os planos, em todos os setores, em seus vários papéis; na teoria, na prática e, sobretudo, na política”. Segundo o professor, Anísio Teixeira planejou sistemas inteiros de educação pública, na Bahia por duas vezes, no Rio de Janeiro quando era capital da República e no novo Distrito Federal, em Brasília, além de criar conceitos de unidades educacionais inovadoras, como a escola-parque, e revolucionar os métodos pedagógicos com as ideias de educar para a cidadania, que se chamou de educação democrática. Como destaca o professor, não se pode esquecer seu legado político: “Ele foi um defensor ferrenho da democracia e da liberdade através da educação pública. Foi corajoso, enfrentava as polêmicas com muita audácia, por isso foi muito perseguido em vida e talvez por isso tenha sido, de muitas maneiras, esquecido depois de morto”.

O educador Anísio Teixeira (1900-1971) – Foto: Reprodução

Anísio Spínola Teixeira nasceu no dia 12 de julho de 1900, em Caetité, na Bahia. Vindo de uma família tradicional – seu pai, Deocleciano Pires Teixeira, era médico e foi chefe político do município –, estudou em colégio de jesuítas e cursou Direito no Rio de Janeiro, formando-se em 1922, na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Reformou o sistema educacional da Bahia e do Rio de Janeiro, exercendo vários cargos executivos. Foi um dos mais destacados signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em defesa do ensino público, gratuito, laico e obrigatório, divulgado em 1932. Em 1935, fundou a Universidade do Distrito Federal, depois transformada em Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. “Criou duas universidades, a Universidade do Distrito Federal, no Rio, em 1935, e a Universidade de Brasília, em 1961, ambas inovadoras no seu tempo”, completa o catedrático.

Durante o Estado Novo (1937-1945), afastou-se da vida pública, dedicando-se à mineração (atividade econômica da família). Na década de 40, atuou na criação da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). “Ele é o brasileiro que vai pensar justamente na construção inicial da Unesco”, comenta Diana. De volta à Bahia, fundou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, mais conhecido como escola-parque, que propunha uma educação em tempo integral a famílias menos favorecidas, e que serviria de modelo a outras escolas. “É um centro educacional, de renome internacional, que unia não só formação em tempo integral, mas formação integral”, diz Diana, explicando que o educando, além de aulas profissionalizantes e disciplinas acadêmicas, entrava em contato com a cultura de forma mais ampla.

Nos anos 50, Anísio Teixeira dirigiu o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), órgão do governo federal, e foi também o criador e primeiro dirigente da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (atual Capes), instituída em 11 de julho de 1951, por decreto do presidente Getúlio Vargas, e na qual atuou até o golpe de 1964. Ele ainda assumiu o Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional, atuando na coordenação dos centros regionais, um deles implantado em São Paulo, dentro da USP, sob a liderança de Fernando de Azevedo, como lembra a professora Diana. Além disso, participou das discussões da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), de 1961.

O educador e professor

Anísio Teixeira conseguiu ampliar o sistema educacional, privilegiando a formação de professores. Inclusive, atuou como professor. Em 1924, a convite do governador da Bahia, assumiu o cargo de inspetor geral de ensino – equivalente ao cargo de secretário da Educação –, iniciando sua carreira de pedagogo e administrador público. Para desempenhar melhor a função viajou em 1924 para a Europa, observando o sistema educacional de diversos países e implementando várias reformas no ensino do Estado, reinaugurando a Escola Normal, que havia sido fechada em 1901. Em 1927, e novamente em 1928, viaja aos Estados Unidos – estuda no Teachers College da Columbia University, onde trava conhecimento com as ideias do filósofo e pedagogo John Dewey (1859-1952) acerca da educação progressiva. “Ele não tem contato com Dewey, mas lê seus trabalhos e se embebe dessa discussão sobre educação progressiva e educação democrática”, conta Diana.

O livro Educação Progressista, de Anísio Teixeira – Foto: Reprodução

“Ele é um liberal, apesar de ser acusado de comunista”, afirma a professora. E continua: “Ele acredita que a educação poderia ser a própria revolução ao estabelecer um sistema de meritocracia”. Segundo a professora, ele via na educação a superação de impasses, de problemas econômicos, políticos e sociais. “Anísio vai agir na criação de mecanismos que beneficiem as classes menos favorecidas a ter uma educação de qualidade”, destaca a professora, citando uma mudança implantada no Rio de Janeiro, em que ele equiparou o ensino de escolas profissionais ao ensino secundário, permitindo o acesso ao ensino superior. Como lembra Diana, essas escolas profissionais, além de cursos profissionalizantes, incorporavam disciplinas do currículo acadêmico, favorecendo pessoas que procuravam uma profissionalização e posterior acesso ao mercado de trabalho, mas também que pudessem chegar à universidade.

A professora Diana lembra ainda que Anísio Teixeira vem de uma elite baiana, e desiste de ser padre para seguir uma outra vocação, o magistério. “Ele não só foi político da educação, não foi só filósofo da educação – produziu diversas obras importantes, como Educação Progressista e Educação para a Democracia: Introdução à Administração Educacional –, mas também atuava como professor”, informa, e acrescenta: “Ele estava em sala de aula formando os futuros professores.” É sobre esse tema que Diana vai falar na primeira mesa do simpósio.

O livro Educação para Democracia, de Anísio Teixeira – Foto: Reprodução

Segundo o professor Naomar de Almeida Filho, a lista de obras de Anísio Teixeira é imensa. “Anísio escreveu muito, a vida inteira, quase compulsivamente. Seus discursos nos eventos e cerimônias quando estava em cargos de gestão são extremamente bem escritos. Tinha um estilo claro e objetivo, mas sempre elegante. Relatórios também eram bem cuidados e sempre demonstravam os fundamentos das inovações que ele buscava. Muitos desses escritos eram periodicamente revisados e organizados em coletâneas, mas ele também escreveu pequenos compêndios temáticos”, informa. “Gosto muito das suas coletâneas políticas, como a tetralogia A Educação e a Crise Brasileira, Educação É Um Direito, Educação Não é Privilégio e Educação para a Democracia”, cita o professor. Além disso, diz, sua obra filosófica é marcante, muito influenciada pelo pragmatismo de John Dewey, de quem ele traduziu várias obras. “Mas os meus preferidos são dois livros de maturidade: o seu tratado sobre a universidade, Ensino Superior no Brasil: Análise e Interpretação de sua Evolução até 1969, e suas reflexões antropológicas, reunidas num volume publicado pouco antes de sua morte, intitulado Educação e o Mundo Moderno, impressionante como antecipação do mundo contemporâneo”, acrescenta.

Um crime político

Anísio Teixeira morreu no dia 11 de março de 1971, aos 70 anos, após cair no fosso de um elevador no prédio do professor e crítico Aurélio Buarque de Holanda, em Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro. Em campanha por uma vaga na Academia Brasileira de Letras (ABL), iria almoçar com o crítico. Saiu às 11 horas e desapareceu, sendo encontrado somente dois dias depois. Sua morte ficou durante muito tempo sem uma conclusão – os médicos legistas estabeleceram a data, mas não havia informações sobre se a morte teria sido acidental.

Segundo Almeida Filho, o trabalho de décadas de João Augusto Rocha, resumido no livro Breve História da Vida e Morte de Anísio Teixeira, não deixa dúvidas de que ele foi assassinado pelos órgãos de repressão em 1971. “Na mesma onda de terrorismo que vitimou Rubens Paiva e Stuart Angel, Anísio foi sequestrado e não resistiu à tortura. Quando foi encontrado, estava cuidadosamente arrumado ao lado dos óculos intactos, com marcas de lesões corporais graves causadas por golpes de porrete ou algo parecido, incompatíveis com a queda de um corpo no fosso de um elevador antigo cheio de molas e polias”, relata o professor. Lançado em 2019, o livro de Rocha ganhou neste ano o Prêmio da Associação Brasileira de Editoras Universitárias (Abeu) na categoria Ciências Humanas.

A professora Diana revela que, em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) chegou à conclusão de que a morte de Anísio Teixeira foi um crime político e que o educador foi vítima da ditadura. “Ele estava buscando essa vaga na ABL como um salvo-conduto. Ele foi perseguido durante o governo Vargas e estava sendo perseguido novamente na ditadura pelo governo militar, e, por sugestão de alguns amigos, buscava abrigo na Academia”, relata Diana.

Educação em todos os sentidos

O Colóquio 120 Anos de Anísio Teixeira, que será realizado de 16 a 18 de dezembro, às 15h30, com transmissão pelo Youtube, vai reunir pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e Canadá. Nos três dias do encontro, serão realizadas palestras sobre a obra de Anísio Teixeira, sempre seguidas de debates.

No primeiro dia do evento, nesta quarta-feira, dia 16, o painel Educação Integral com Qualidade-Equidade será composto pelas seguintes palestras: O Legado de Anísio Teixeira na Educação do Brasil, ministrada pela professora Clarice Nunes, da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma das biógrafas de Anísio Teixeira, Anísio Teixeira, Precursor da Educação Integral, com a pesquisadora Jaqueline Moll, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Anísio Teixeira: Professor de Professores/as, com a professora Diana Vidal, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, que vai falar sobre como o educador preparava suas aulas, usando para isso alguns de seus resumos.

No segundo painel, Universidade, Ciência e Tecnologia, na quinta-feira, dia 17, às 16 horas, haverá uma discussão em torno das universidades, que apresentará o modelo de educação superior defendido pelo educador baiano. Além da palestra Ciência e Tecnologia na Obra de Anísio Teixeira, por Luiz Roberto Curi, do Conselho Nacional da Educação, serão temas de palestras Universidades Rebeldes Criadas por Anísio Teixeira, com Libania Xavier, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que vai tratar da criação, em 1935, da Universidade do Distrito Federal (UDF), e Universidades Inovadoras Inspiradas em Anísio Teixeira, com o professor Paulo Gabriel Nacif, ex-reitor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Na sexta-feira, dia 18, também às 16 horas, o terceiro painel, Internacionalização e Educação, vai apresentar as palestras Filosofia, Educação e Democracia na Contemporaneidade, com David Hansen, do Teacher’s College, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, que vai falar sobre a relação entre Anísio Teixeira e John Dewey, Por Que Anísio Teixeira Não É Reconhecido no Cenário Internacional? , com Rosa Bruno-Jofre, da Queen’s University, no Canadá, que mostrará a razão dessa falta de reconhecimento, e Anísio Teixeira, Arquitetura e Educação, com a pesquisadora Samira Chahin, do Centro Universitário Facens, de Sorocaba (SP), que tratará da atuação de Anísio Teixeira na Unesco.

Discutir a obra, o pensamento e o legado de Anísio Teixeira hoje faz pensar sobre a história recente da alma brasileira, acredita o professor Naomar de Almeida Filho, titular da Cátedra de Educação Básica da USP. “Anísio era contrário a todos os sectarismos e fanatismos. Ele era um entusiasta da ciência, admirava as novas tecnologias. Sua vida foi um exemplo de integridade política e militância cidadã, sempre focado na educação como libertadora em todos os sentidos, como libertadora de pessoas oprimidas por serem excluídas dos benefícios da civilização e como superação até mesmo de opressores alienados e inconscientes do mal que causam”, diz Almeida Filho. E, diante da atual crise brasileira, o professor afirma que todos devem exercer a indignação: “É importante que sejamos capazes de mostrar ao mundo nossa resistência e insubmissão frente ao fundamentalismo e autoritarismo em curso em nosso país. Pela memória de Anísio Teixeira, qualquer lugar de fala, qualquer formulário, qualquer demanda, qualquer evento ou encontro acadêmico, qualquer escrito ou conversa devem ser transformados em espaço de denúncia e luta por liberdade acadêmica e pela democracia”.

Colóquio 120 Anos de Anísio Teixeira será realizado no dia 16 de dezembro, das 15h30 às 18h30, e nos dias 17 e 18 de dezembro, das 16 às 18h30, com transmissão pelo canal da Cátedra de Ensino Básico no Youtube. Mais informações neste link


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