Exposição em São Paulo exibe a força estética do bordado

Com curadoria de professora da USP, mostra no Sesc Pinheiros traz os encantos da arte do artesanato

 11/12/2020 - Publicado há 3 anos
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Pola Fernandez, sem título, 2019 – Foto: cortesia da artista
A professora Ana Paula Simioni, curadora da mostra – Foto: IEA/USP

A arte abre uma janela para São Paulo respirar. Transgride e renova a história com a exposição Transbordar: Transgressões do Bordado na Arte, no Sesc Pinheiros. Com a curadoria de Ana Paula Cavalcanti Simioni, professora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, a mostra reúne 39 artistas de diferentes gerações, gêneros e pesquisas para sugerir novos olhares e reflexões sobre a força estética do bordado.

Lia Menna Barreto, Beijo Azul, 2013 – Foto: Cortesia Galeria Bolsa de Arte

“A ideia de Transbordar é justamente a de explicitar as possibilidades subversivas do bordado na arte contemporânea. Na realidade,  desde final do século 19, alguns artistas e grupos de artistas colocaram em questão as distinções entre arte e artesanato, entre a figura do artista, tão valorizada, e a do artesão, tão desvalorizada”, explica a curadora. “Para tanto, abraçaram o lema da arte total, que propunha a superação de barreiras e limites entre arte como uma esfera institucionalizada, pautada por objetos que estão em coleções e museus, e viva na esfera das ruas, das casas, da vida ordinária.”

Ana lembra que, com a contribuição do feminismo, ao longo do século 20, outras hierarquias naturalizadas pelo mundo da arte e da cultura foram revistas. E o bordado, antes visto como atividade doméstica que cabia às mulheres e como produção inferior, teve seus preconceitos, sentidos sociais e tabus derrubados.

É essa revolução que o público pode apreciar. “Os artistas transcenderam hierarquias, borraram distinções. Daí o nome Transbordar: Transgressões do Bordado na Arte”, destaca Ana.  

Temos, num primeiro núcleo histórico, artistas como Regina Gomide Graz e Aldo Bonadei, pioneiros no uso do bordado como arte no Brasil.” 

Rosana Paulino, sem título,  série Bastidores, 1997 – Foto: cortesia da artista

A escolha dos artistas que integram a exposição foi criteriosa. A curadora observou cada um com a sua liberdade, seus processos criativos e a forma como utiliza o bordado de modo crítico. “A ideia de crítica aqui comporta desde obras que coloquem em questão as hierarquias tradicionais do sistema artístico até mesmo dimensões políticas mais manifestas.”

Ana Miguel, Para Sempre Meus, 2000 – Foto: Edgar César©, Miguel Macieira, Ana Lucia/Autvis

A exposição apresenta dois núcleos. O primeiro é o histórico. “Artistas como Regina Gomide Graz e Aldo Bonadei, pioneiros no uso do bordado como arte no Brasil, estão ao lado dos impressionantes quilts feitos por mulheres norte-americanas, que eram considerados obras domésticas e hoje são artefatos musealizados, muito valorizados graças às revisões do feminismo na arte, especialmente”, assinala a curadora. “E temos ainda o caso singular de Bispo, homem de origem humilde, que passou a vida em um manicômio e usava dos restos de fios de cortinas e lençóis para bordar obras que possuem uma força estética impressionante; seu caso nos convida a questionar os postulados de definição do que é ou não artista em nossa sociedade.”

O uso político do bordado na América Latina nos anos autoritários é um dos destaques do núcleo histórico. “Nesse sentido, as obras das arpilleras do Chile, de Zuzu Angel, Anna Bella Geiger, Regina Vater e Leticia Parente explicitam o quanto o bordado adquiriu um sentido crítico específico, e contundente, durante as ditaduras latino-americanas.”

Diversas obras trazem reflexões sensíveis e profundas sobre as questões raciais no Brasil, como as de Rosana Paulino, Jucélia da Silva e Janaína Barros, articuladas ainda a questões de gênero.”

Rosana Palazyan, Nunca Mais Quis Saber de Futebol, de Mais Nada, 2006 – Foto: cortesia da artista

No segundo núcleo, Ana reúne artistas que, desde os anos 1980, utilizam o bordado de modo subversivo. “Em geral são obras que nos encantam por sua beleza ou delicadeza, mas que, ao serem observadas por meio de um olhar detido, revelam situações de profunda contundência social e política”, diz. “Nesse sentido, os trabalhos de Beth Moysés, Lia Menna Barreto, Nara Amelia, Nazareth Pacheco, Nazareno, Pola Fernandez, Rick Rodrigues, Rosana Palazyan, Brígida Baltar são muito emblemáticos.”

O segundo núcleo, em sua maioria, é composto de artistas brasileiros. Porém, há dois vídeos da mexicana Teresa Margolles que mostram os assassinatos de travestis no Brasil e no mundo. “Diversas obras trazem reflexões sensíveis e profundas sobre as questões raciais no Brasil, como as de Rosana Paulino, Jucélia da Silva e Janaína Barros, articuladas ainda a questões de gênero.”

Fábio Carvalho, Bai Feliz Buando, no Bico Dum Passarinho n. 6, série Portugal – Lenços de Namorados, 2012 –
Foto: cortesia do artista

Há ainda, nesse segundo núcleo, as produções de Angela Od, Fabio Carvalho, Fernando Penteado, Karen Dolorez, Rodrigo Mogiz e Sol Casal. “Outro elemento bastante recorrente é o das memórias”, explica a curadora. “Diversos artistas utilizam o bordado para um convite à reflexão sobre as práticas sociais da memória no Brasil, por vezes através de suas próprias experiências, que permitem evocar dimensões coletivas e traumáticas.”

Nesse sentido, Ana traz os trabalhos de Sonia Gomes, Leonilson, Paulo Buenoz, Pedro Luiz e Carolina Valansi. “E, por fim, há obras que promovem tensão em relação aos discursos tradicionalmente mais valorizados na arte brasileira, como nossa tradição construtiva, a valorização de suportes tradicionais. Saliento os trabalhos de Edith Derdyk, Nino Cais e Niobe Xandó.”

O projeto foi gestado a partir da pesquisa acadêmica, da vivência de questões que surgiam em sala de aula, feito ao longo de muitos anos.”

Jucélia da Silva, Cabeças, 2017 – Foto: Ana Pigosso

Importante destacar que a exposição é resultado do trabalho de Ana Paula Cavalcanti Simioni como professora e pesquisadora da USP desde 2005. Ela iniciou como docente do curso de Têxtil e Moda da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e foi para o IEB em 2009. “Comecei pesquisando Regina Gomide Graz. Eu vinha de um doutorado dedicado às mulheres artistas e quis continuar esse percurso, mas me abrindo para a materialidade têxtil, em função do curso”, lembra. “Percebi então que havia muitos preconceitos, mesmo entre pessoas de humanidades e artes, inclusive na USP, que viam a moda como uma área menor, fútil e feminina. Essas percepções também atravessavam, ainda que sutilmente, as narrativas de história da arte.” Foi aí que a pesquisadora começou a investigar como essas distinções foram construídas historicamente e que artistas se propuseram a criticá-las. “O projeto foi gestado a partir da pesquisa acadêmica, da vivência de questões que surgiam em sala de aula, feito ao longo de vários anos.”

Sentir-se livres para observar as obras com calma e tranquilidade é a orientação da curadora aos visitantes. “Os textos de parede pontuam algumas das coisas colocadas aqui e algumas obras têm também audioguias, feitos em conversas com os próprios artistas, que podem trazer algumas informações interessantes para a compreensão delas.”

A exposição Transbordar: Transgressões do Bordado na Arte, com a curadoria de Ana Paula Cavalcanti Simioni, fica em cartaz até 8 de maio de 2021, de terça a sexta-feira, das 13 às 20 horas, no Sesc Pinheiros (Rua Paes Leme, 195, Pinheiros, em São Paulo). O horário de visitação precisa ser reservado através do site do Sesc Pinheiros. Ingressos grátis, com limite de quatro unidades por CPF.


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