Congregações do ICMC e da FE se manifestam contra PL 529/2020

Colegiados destacam que o artigo 14, se aprovado, pode colocar em risco as pesquisas e demais atividades das universidades paulistas e da Fapesp

 31/08/2020 - Publicado há 4 anos

Manifestação da Congregação do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC)

A Fapesp e as Universidades Estaduais paulistas são financiadas primordialmente por uma reserva de recursos provenientes do ICMS. Aliada à autonomia de gestão dessas instituições, a garantia de financiamento contínuo estabeleceu as bases do bem sucedido sistema científico paulista, viabilizando o planejamento e execução de iniciativas, projetos e ações de longo prazo, essenciais para o sucesso de qualquer sistema científico e tecnológico.

A arrecadação do ICMS, como de qualquer imposto, está sempre sujeita às flutuações na economia que podem implicar em variações substanciais no financiamento. As instituições têm se organizado para fazer frente a tais flutuações, implementando medidas duras de contenção dos gastos. A despeito de dificuldades e consequências práticas causadas por revisões e cortes orçamentários que afetam toda a comunidade acadêmica, elas sempre se pautaram pelo compromisso com a preservação da qualidade na execução de sua missão institucional.

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As Universidades e a Fapesp já sofrem o impacto de reduções adicionais expressivas nos seus orçamentos, em função das drásticas quedas de arrecadação decorrentes da atual pandemia. Ao prever que reservas financeiras das autarquias e das fundações paulistas sejam transferidas ao final de cada exercício ao Tesouro Estadual, o efeito prático, no caso das Universidades e da Fapesp, é o de retirar dessas instituições a possibilidade de se programarem no longo prazo e estabelecerem prioridades, tornando-as reféns do cenário econômico e político do momento. No caso dessas instituições, não se trata de superávit, mas de reservas para fazer frente aos compromissos de longo prazo que devem ser mantidos a despeito de variações significativas nas receitas. Em crises recentes foram as reservas financeiras que permitiram que as Universidades e a FAPESP mantivessem seus compromissos sem buscar recursos adicionais do Estado. O recolhimento desses recursos não traz benefícios à sociedade paulista, ao contrário, apenas compromete a continuidade de um sólido sistema científico que custou muitos anos e investimentos para construir.

A Congregação do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP) manifesta sua preocupação com o artigo 14 do Projeto de Lei 529, que se aprovado representará um retrocesso de décadas para o sistema de ciência e tecnologia do Estado de São Paulo, e comprometerá o futuro da sociedade paulista que depende de geração de conhecimento para seu desenvolvimento econômico e social.

Manifestação da Congregação da FEUSP contra o PL nº 529/20

O Projeto de Lei (PL) n° 529/20 enviado à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) em 13/08 pode ser considerado o ápice dos ataques, que já têm sido intensificados nos últimos anos, contra os serviços e servidoras e servidores públicos paulistas.

No que diz respeito às universidades públicas do Estado de São Paulo, o Art. 14 do PL n° 529/20 trata da pretensão de recolher à conta única do Tesouro Estadual, ao fim de todo exercício fiscal, as reservas financeiras apuradas junto a autarquias e fundações do estado, para a execução de projetos e pesquisas de longa duração e para equilíbrio financeiro quando os repasses dos 9,57% do ICMS não são suficientes para seu funcionamento regular, mas equivocadamente consideradas como “superávit financeiro”. Tal medida agride a autonomia universitária ao tentar ingerir na administração das três universidades públicas estaduais – USP, Unesp e Unicamp –, prejudicando seu funcionamento e comprometendo as pesquisas, o ensino e os serviços prestados à população pelos hospitais universitários. Além disso, inviabiliza o fluxo de projetos que dependem do financiamento contínuo da Fapesp.

Além disso, o PL n° 529/20 visa à extinção de dez instituições descentralizadas: Fundação Parque Zoológico de São Paulo, Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima” (Furp), Fundação Oncocentro de São Paulo (Fosp), Instituto Florestal (IF), Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU), Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo S. A. (EMTU/SP), Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), Instituto de Medicina Social e de Criminologia (Imesc), Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp) e Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (Itesp). E pretende realizar uma reestruturação no Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe), aumentando as contribuições de usuárias/os e introduzindo a cobrança por dependentes, sendo que há muito o Iamspe não tem contado com a contrapartida do Tesouro do Estado a partir da contribuição mensal do funcionalismo estadual.

Todas essas instituições não são um ônus para o estado de São Paulo, ao contrário, prestam relevantes serviços à população, fazem parte do patrimônio do estado e estão sob ameaça do governo Dória. Em síntese, o que o PL n° 529/20 prevê é a entrega desse patrimônio público para exploração comercial e imobiliária, com a consequente precarização das relações trabalhistas, demissões, encarecimento e extinção da prestação de serviços.

O discurso governamental tem manipulado dados, apontando o funcionalismo público como um setor de privilegiados, capaz de desequilibrar as contas públicas, camuflando, na verdade, a negação de direitos fundamentais da população, que só podem ser garantidos por meio do acesso aos serviços públicos. É isso o que representa o ataque aos serviços públicos: a destruição de direitos, pois não há Estado Democrático de Direito, sem financiamento, sem equipamentos e sem pessoal adequadamente formado e remunerado.

Parte da mídia tem corroborado o discurso do governo quando suas matérias afirmam “meias verdades”, sem contextualização. Por exemplo, informações e dados da Folha de S. Paulo, em agosto de 2020, afirmam que, segundo a declaração de renda de 2018, o funcionalismo representou 15% da população ocupada, com garantia de estabilidade no emprego e de rendimentos. Além disso, alega que o funcionalismo está protegido contra os dissabores econômicos da crise deflagrada pelo novo coronavírus. O jornal afirma ainda que, em 2019, os governos federal, estaduais e municipais e seus Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário gastaram R$ 920 bilhões com pessoal, sendo que a despesa com pessoal é o segundo maior gasto do governo federal (R$ 313 bilhões ou 4,3% do PIB) metade do que é gasto com a Previdência Social e 22% da despesa total. Afirma ainda que membros do Poder Judiciário, como ministros, desembargadores, juízes e procuradores, além de diplomatas, só perdem em remuneração para donos de cartórios, com renda média mensal acima de R$ 100 mil.

Contudo, ainda que apresente dados de diferentes anos e diferentes fontes, confundindo o leitor, o mesmo jornal ignora que, segundo o Atlas do Estado Brasileiro elaborado pelo Ipea, em 1990, o número de vínculos de empregos formais no país era de 35,4 milhões, sendo 5,7 milhões do setor público (dos três poderes e das três esferas administrativas), destes cerca de 1 milhão eram federais, 2,7 eram estaduais e 2,1 eram municipais; e em 2017, último ano com dados disponíveis da pesquisa, o total de vínculos empregatícios no país foi de 65,7 milhões, com forte redução dos vínculos de emprego por conta da crise econômica sentida entre 2015 e 2017 e antes da pandemia da covid-19, o setor público representava em torno de 11,4 milhões de vínculos, sendo 1,2 milhões federais, 3,7 milhões estaduais e 6,5 milhões municipais (sobretudo pela contratação de docentes e de profissionais da saúde para atendimento direto da população). Ou seja, se é verdade que o número de funcionários públicos cresceu no período, o jornal não informa a esfera pública a qual os funcionários pertencem, pois o crescimento ocorreu nos municípios em basicamente dois setores: educação e saúde, que historicamente não recebem salários condizentes com suas funções.

Em outra pesquisa, Mapeamento do Funcionalismo Público Brasileiro, da FGV/DAPP, evidencia-se que entre 1998 e 2014 o contingente de servidores municipais cresceu de 1,85 para 4,87 milhões, o que, segundo a pesquisa, também indica um aumento da carga de responsabilidade dos municípios para atender serviços básicos, como saúde, saneamento e habitação.

Numa perspectiva de comparação internacional, um estudo realizado em 2015 (outro ano, portanto) pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) considerando os países que possuíam os maiores números de servidores públicos em relação ao percentual da população encontra-se a seguinte distribuição: Estados Unidos da América (15,3%), Espanha (15,7%), Reino Unido (16,4%), Grécia (18%), Canadá (18,2%), França (21,4%), Finlândia (24,9%), Suécia (28,6%), Dinamarca (29,1%) e Noruega (30%). O Brasil possuía em 2015 cerca de 3,12 milhões de servidores públicos. O que significava cerca de 1,6% da população do país, portanto bem menor que os países apresentados.

Não se trata de evitar o combate à existência de supersalários no funcionalismo público (onde, no governo federal, os maiores encontram-se no Poder Judiciário, no Legislativo e no Poder Executivo, na Polícia Federal e no Exército), como mencionado anteriormente, mas de adotar medidas corretivas e informar devidamente a população.

Essas informações reforçam a necessidade de barrar o brutal ataque aos serviços públicos que representa a iniciativa do governador João Dória. Ademais, o PL n° 529/20 não constitui somente um ataque ao funcionalismo, mas à população em geral, na medida em que aponta para o desmonte de diferentes “equipamentos públicos” que contribuem para a garantia do seu bem estar, desde as universidades, as fundações de pesquisa e os institutos de atendimento e de formulação de políticas públicas em diferentes áreas.

Assim, o governo Doria, que concedeu ao empresariado mais de R$ 23 bilhões em renúncias fiscais em 2019, o que supera o dobro do alegado déficit de R$ 10,4 bilhões nas contas do estado, projetado para 2021, tenta justificar mais esse passo em direção ao desmantelamento dos serviços públicos no estado de São Paulo em função da crise econômica gerada pela pandemia, ou seja, apresenta uma agenda de restrições da população aos seus direitos , justamente em um momento em que as desigualdades sociais e econômicas – já abissais – só serão mais aprofundadas.

Por todos esses motivos, a Congregação da Feusp, atuando em coerência com sua história de defesa incondicional da educação pública e dos direitos fundamentais de cidadãs e cidadãos, repudia veementemente a aprovação do PL n° 529/20, cujos efeitos nefastos alcançarão muitas gerações ao longo das próximas décadas.

São Paulo, 27 de agosto de 2020.
Congregação da Faculdade de Educação da USP


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