Instituto de Ciências Biomédicas lança testes que ampliam capacidade de diagnóstico de covid-19

Os dois testes desenvolvidos no ICB poderão ser usados em cidades de pequeno e médio portes. Baixo custo, uso de reagentes nacionais, confiabilidade e rapidez nos resultados são algumas das características

 11/08/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 16/08/2020 as 18:31
Um dos testes tem como base o PCR e revela se o paciente está com vírus no corpo. O outro, voltado para o diagnóstico sorológico e baseado no método de Elisa, mostra se o paciente esteve em contato com o novo coronavírus – Imagem: teste rápido Covid – Foto: Bruno Concha/Secom – Fotos Públicas

Aumento da testagem, rapidez nos resultados, aplicação em todo o País, alta confiabilidade, utilização de reagentes nacionais e baixo custo. Essas seis conquistas na luta contra o novo coronavírus estão reunidas em dois testes para a covid-19 desenvolvidos pelo Instituto de Ciências Biomédicas ICB da USP. Eles já tiveram sua eficácia comprovada e podem ser aplicados imediatamente.

Os testes poderão ser realizados em cidades de pequeno e médio porte, com baixo custo e resultados até no mesmo dia – o que possibilita que a pessoa infectada receba o tratamento correto e seja isolada o mais rapidamente possível.

Para desenvolver esses testes em um prazo relativamente curto – eles começaram a ser estudados em março –, os pesquisadores do ICB concentraram seus esforços em adequar ao diagnóstico da covid-19 equipamentos e metodologias já utilizados anteriormente para o diagnóstico de diversas outras doenças.

Um dos testes tem como base o PCR (Reação em Cadeia da Polimerase, na sigla em inglês), que revela se o paciente está com vírus no corpo. O outro, voltado para o diagnóstico sorológico e baseado no método de Elisa, indica se o paciente esteve em contato com o novo coronavírus.

Teste RT-PCR-ICB

Os estudos consistiram na adaptação para a covid-19 do PCR convencional, que serve para o diagnóstico de inúmeras doenças infecciosas, por exemplo, sarampo, influenza, tuberculose e problemas genéticos. No caso da covid-19, o teste – batizado como RT-PCR-ICB – analisa secreções das vias respiratórias para detectar a presença do novo coronavírus no corpo do paciente.

O novo teste tem altos índices de confiabilidade: 98% de sensibilidade (capacidade de detectar casos positivos) e 100% de especificidade (capacidade de excluir casos negativos).

Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen): profissionais técnicos capacitados em Biologia Molecular com ênfase em Real Time PCR podem dar suporte às atividades de diagnóstico de covid-19 – Foto: José Gadelha / Fiocruz Rondônia

O RT-PCR-ICB será uma alternativa – com vantagens – a um dos testes mais utilizados no Brasil para diagnosticar covid-19: o PCR em Tempo Real (Real Time PCR, na sigla em inglês). Os estudos foram conduzidos pelo virologista Edison Luiz Durigon, coordenador do Laboratório de Virologia Clínica e Molecular do ICB.

Uma das novidades é que o RT-PCR-ICB será feito por meio de equipamentos existentes na maioria das universidades, hospitais e laboratórios, públicos e privados, localizados em diversas cidades do País. Esse equipamento, chamado termociclador, custa cerca de R$ 15 mil. No caso do Real Time, o equipamento chega a custar R$ 150 mil.

Outra diferença: o custo dos reagentes. O RT-PCR-ICB utiliza reagentes fabricados no Brasil, mais baratos e com entrega pelo fabricante em poucos dias. O Real Time usa insumos importados que, além de caros, estão demorando até dois meses para chegar ao Brasil.

Professor Edison Luiz Durigon – Foto: Ciência USP via YouTube

Mais um diferencial: disponibilidade de mão de obra. Técnicos de nível médio e profissionais graduados em Biologia ou em Ciências Biomédicas possuem os conhecimentos necessários para a realização do RT-PCR-ICB. Já o Real Time só pode ser realizado por profissionais treinados pelo fabricante do termociclador, o que implica tempo para essa habilitação.

 

Com essas características, o Real Time é feito exclusivamente por grandes laboratórios, concentrados em grandes cidades. Com a alta demanda por testagens em todo o País, os resultados demoram para chegar aos pacientes – o que pode provocar demora também para a indicação do tratamento correto.

Há, também, a disparidade de custos para a realização de cada teste: cerca de R$ 15,00 para o RT-PCR-ICB, contra aproximadamente R$ 80,00 para o Real Time.

O resultado do RT-PCR-ICB demora o mesmo tempo do Real Time, aproximadamente seis horas. “Ambos têm as mesmas eficácia, sensibilidade e especificidade”, informa o professor Edison Luiz Durigon.

Teste Elisa-ICB

Os pesquisadores do ICB desenvolveram também um teste sorológico do tipo Elisa (Ensaio de Imunoabsorção Enzimática) específico para a covid-19 a partir de antígenos produzidos em seus laboratórios. Análises de amostras de sangue identificam a presença de anticorpos (IgA, IgM e IgG) no paciente para descobrir se ele está ou já esteve infectado pelo coronavírus, inclusive em casos assintomáticos. Seus índices de acerto são de 92% na detecção de casos positivos (sensibilidade) e de 98% na exclusão de casos negativos (especificidade).

Para esse teste, foram produzidas em laboratório proteínas do SARS-CoV-2 que reagem aos anticorpos de pacientes infectados. A equipe da pesquisadora Cristiane Guzzo analisou todos os fragmentos da proteína S (Spike, localizada na superfície do vírus) e da proteína N (do nucleocapsídeo, que envolve o material genético do vírus). Após uma série de testes com soros de pacientes positivos, foram identificados os fragmentos que reagem melhor com os anticorpos e garantem maior especificidade ao teste.

Uma microplaca de 96 poços usada para o teste Elisa – Foto: Jeffrey M. Vinocur

A proteína foi clonada e introduzida em bactérias E. coli, que foram usadas para expressá-la em grande quantidade. Para isso, as bactérias são colocadas em um equipamento que agita as amostras com rotações e temperaturas específicas. “Isso serve para otimizar o crescimento das bactérias. Quando elas atingem o ponto ideal, colocamos uma substância para induzir a produção da proteína”, explica a mestranda Ana Paula Barbosa, que participa do estudo.

Em seguida, as amostras são colocadas em um sonicador, que ajuda a romper as membranas das bactérias para liberar as proteínas. Por fim, é necessário separá-las das outras proteínas que a bactéria produziu, utilizando um equipamento de purificação. No caso da proteína S, que é insolúvel, foi necessária mais uma etapa: deixá-la solúvel sem perder totalmente a sua estrutura – e assim poder ser reconhecida pelos anticorpos. Esse trabalho foi feito no laboratório do professor Luís Carlos de Souza Ferreira, diretor do ICB.

Professor Luiz Carlos de Souza Ferreira, diretor do ICB – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“O processo todo exigiu a participação de equipes de três laboratórios do ICB, de diferentes especialidades”, informa o pesquisador. “A metodologia também é fruto de parcerias com empresas que trabalharam em conjunto com o ICB no desenvolvimento de kits de diagnóstico sorológico semelhante aos desenvolvidos para pessoas infectadas pelos vírus zika e da dengue.”

O Elisa-ICB apresenta vantagens em relação a testes similares, principalmente no custo de cada reação (cerca de R$ 20,00 em contrapartida a valores que  podem chegar a R$ 500,00 em laboratórios particulares) e na procedência dos reagentes (nacionais, mais baratos e disponíveis no mercado, em vez de importados, mais caros e com demora na entrega).

A eficácia do Elisa-ICB foi comprovada em um estudo no qual foram testadas 934 pessoas, entre professores, alunos e funcionários do instituto. Daquele total, 9,3% das pessoas testadas tiveram resultado positivo para IgG, ou seja, foram expostas ao vírus e desenvolveram imunidade. Por outro lado, 1,5% das pessoas testadas apresentaram resultado positivo para IgA, indicativo de exposição recente ao vírus. “Aqueles que tiveram resultado confirmado para IgA também se submeteram ao teste molecular (PCR) para a identificação de pessoas que ainda estavam com o vírus no organismo”, acrescenta Ferreira.

Ampliação da testagem

Ambos os testes desenvolvidos pelo ICB podem contribuir para o manejo da infecção em populações, seja em empresas, organizações públicas ou privadas, e mesmo em municípios e cidades de pequeno e médio portes.

Um laboratório equipado para o RT-PCR-ICB pode fazer cerca de 100 testes por dia; para o Elisa-ICB, cerca de 500 testes. Esses números refletem a realidade de uma cidade como Araraquara, de 260 mil habitantes. Localizada no interior de São Paulo, Araraquara se destaca no combate à covid-19 em razão do número de testes que realiza, acima da maioria das cidades, e, em consequência, da baixa letalidade da doença: 0,99%, contra 3,6% da média nacional. Atualmente, a prefeitura de Araraquara demanda, por dia, cerca de 120 testes Real Time e 300 testes sorológicos.

Os testes desenvolvidos pelo ICB-USP resultarão em benefícios não só para o Brasil, mas também para os países que têm carência de grandes laboratórios e dificuldade para obter insumos para o Real Time. “O PCR convencional é uma tecnologia implantada há mais de 20 anos; hospitais e universidades do mundo todo já têm acesso a ela. A produção das proteínas para o Elisa também não é cara e pode ser realizada em qualquer país. Os dois métodos que desenvolvemos podem ser usados facilmente em países da África, da América do Sul ou do Caribe”, afirma o diretor do ICB.

Mais informações: atendimento à imprensa (11) 99998-0150, com José Roberto Ferreira, e-mail jroberto@academica.jor.br ou (11) 99912-8331, com Angela Trabbold, e-mail angela@academica.jor.br


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