A 56ª reunião de cúpula de chefes de Estado do Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai aconteceu por videoconferência, no início deste mês, para discutir, entre outros temas de interesse do bloco, as medidas tomadas para o enfrentamento do coronavírus em cada país e suas consequências. Para entender a realização e contexto dessa cúpula, a colocação do governo brasileiro e os temas discutidos, o Jornal da USP no Ar conversou com Paulo Borba Casella, professor do Departamento de Direito Internacional da Faculdade de Direito (FD) da USP.
A reunião marcou o repasse rotativo da presidência do bloco do Paraguai para o Uruguai. Citando a nota introdutória da chancelaria paraguaia, Casella diz que o maior desafio que temos foi e continua a ser a pandemia. “Este é o momento que precisamos levar em conta e que já aparece uma diferença de atitude do Brasil em relação aos vizinhos. Com um número muito menor de casos, Uruguai e Argentina tomaram medidas muito mais drásticas, sem negacionismo e tentativas de minimizar a pandemia”, contextualiza Casella, que também faz parte do Grupo de Estudos sobre o Brics (Gebrics) da USP.
Argentina e Uruguai já tinham sinalizado que o Brasil representaria uma ameaça para a região devido ao enorme aumento de contaminação. Na reunião, o Brasil afirmou que a presença do País no bloco é positiva, após várias declarações sobre uma possível saída do bloco em 2019. Essa ambiguidade do governo federal também se estende em relação à pandemia, a ênfase “absurda” na cloroquina e hidroxicloroquina (medicamentos que não têm nenhuma base científica de recomendação para a covid-19) e ao falso discurso de privilegiar a economia ao invés da vida.
De acordo com o professor, essas inconsequências resultaram no isolamento “feito pela metade” no Brasil, no aumento de casos e em medidas de flexibilização antes mesmo de superada a primeira onda de contágio. Para ele, isso ainda vai significar mais vidas perdidas, hospitalizações e demora para superar a primeira fase da pandemia.
O professor destaca que essa atitude do governo brasileiro teve um impacto negativo não apenas em território nacional, mas também no continente e no mundo. “Esse é o efeito previsível do desastre que foi e continua a ser a política externa deste governo”, lamenta Casella. A pauta ambiental é extremamente necessária nos dias atuais, o que justifica o apelo dos outros países para que seja valorizada, por exemplo, a Amazônia. “A confiança ambiental é uma coisa que está na agenda. Não é uma coisa do ‘globalismo’ ou ‘esquerdismo’ como costuma dizer o atual chanceler, Ernesto Araújo. É uma bobagem achar que qualquer país do mundo pode operar sem pensar no impacto ambiental e na sustentabilidade.”
Essa problemática na nossa política externa pode ser um dos grandes impasses de um grande acordo comercial a ser firmado entre o Mercosul e a União Europeia. Casella relembra de atritos criados “sem nenhum motivo” pelo governo brasileiro com o presidente francês, Emmanuel Macron, que posteriormente sinalizou que não faz parceria com países que violam o meio ambiente. “O Brasil está jogando fora o legado de quase 200 anos de política externa e alinhamento com o direito internacional”, ressalta. “Como pode o Brasil mostrar credibilidade quando o vice-presidente, Hamilton Mourão, senta para conversar com grandes fundos de investimentos, tendo do lado Ernesto Araújo e Ricardo Salles que estão absolutamente desacreditados para os cargos que ocupam?”, questiona Casella.
Ouça a entrevista na íntegra no player acima.
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