Do ambiente à economia, avanços e contradições marcam parque Petar

Geógrafo analisou plano de manejo e condições atuais do parque, incluindo meio ambiente e comunidades locais

 23/10/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 07/11/2018 as 16:19
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Corredeiras do Rio Betari, que corta o bairro da Serra – Foto: Marcelo Nakashima/Arquivo pessoal

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Mapa de localização da área de estudos (clique para ampliar)

Atualizado em 07/11/2018*

Pesquisa do geógrafo Marcelo Nakashima na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP investigou as dinâmicas e mudanças sociais, econômicas e ambientais provocadas no Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira (Petar) desde a sua criação, em 1958, até os dias atuais. O estudo defende que houve grandes avanços, mas diz que ainda existem algumas contradições que afetam a dinâmica do parque no Vale do Ribeira paulista, incluindo as populações da região.

O Petar é uma importante unidade de conservação, fazendo parte do Mosaico de Paranapiacaba, uma das maiores reservas remanescentes de Mata Atlântica em São Paulo, com um conjunto de centenas de cavernas (sistema cárstico). Dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por município, listam 416 cavernas em Iporanga e 129 em Apiaí.

O parque é reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e é muito utilizado para pesquisa científica e turismo ecológico. Sua área está contida em dois municípios, Apiaí e Iporanga, e o plano de manejo cita ainda outras cidades como fazendo parte da área de influência direta e indireta do Parque: Eldorado, Guapiara, Itaóca, Ribeirão Branco e Ribeirão Grande.

Além disso, diversas populações quilombolas, ribeirinhas e agrícolas vivem em pequenos vilarejos ou isoladamente dentro da área do parque.

Casa de pau-a-pique, trilha para a base Ouro Grosso – Foto: Marcelo Nakashima/Arquivo pessoal

Por meio de análise de documentos oficiais, novas legislações instauradas desde a formação do parque, dados demográficos oficiais e pesquisa de campo com os moradores locais, Marcelo Nakashima aponta mudanças e supostas incoerências socioambientais, consequências da criação do Petar e das legislações.

Algumas delas se acentuaram, de acordo com ele, com a elaboração do plano de manejo do parque, da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo. No plano são expostas formas de explorar os recursos da região e recomendações de como usar cada área do parque, para que ele possa ser preservado devidamente. Para o autor do trabalho, essas diretrizes se contrapõem em alguns aspectos e colocam as populações locais, já empobrecidas, em situação de maior fragilidade.

Mineração

Um dos principais pontos questionados pelo estudo é recomendação da mineração no entorno do parque, na região oeste, feita por estudiosos que elaboraram parte do plano de manejo analisado na tese. Para Nakashima, a contradição surge quando outros trechos do mesmo documento, elaborados por especialistas de áreas diferentes, dizem que a região deve ser preservada das atividades agrícolas familiares, devido ao fato de ser uma zona de recarga do sistema cárstico – relevo caracterizado pela dissolução química (corrosão) das rochas, responsável pelas formações da região, como cavernas e rios subterrâneos.

Kátia Pisciotta, da Fundação Florestal, mostra-se surpresa com as afirmações do geógrafo sobre o plano de manejo, a recomendação sobre mineração e o impedimento das atividades agrícolas familiares. “Ambas informações não procedem”, diz. A Fundação, vinculada à Secretaria do Meio Ambiente do Governo de São Paulo, é o órgão responsável pela gestão do Petar.

De acordo com ela, a primeira versão do plano de manejo é de 2010, mas o mesmo foi atualizado em 2016 e discutido ao longo de 2017, tendo sido aprovado em 2018. “Deveria ter sido consultada a versão mais atualizada. As questões envolvidas neste longo processo de elaboração, atualização e aprovação estão descritas na introdução do plano, sem muitos detalhes, mas a equipe técnica envolvida sempre esteve à disposição para esclarecimentos”, argumenta.

Sobre isso, Marcelo Nakashima lembra que a resolução que aprovou a versão final do plano de manejo é de maio de 2018, a tese foi defendida em dezembro de 2017. Mas reitera que mesmo na versão mais recente do plano, que ele acessou, há menção da mineração como atividade importante para a economia no local, feita dentro dos parâmetros legais. “A versão consultada até a data da finalização da tese foi sempre a mais recente disponibilizada no site da Fundação Florestal e, mesmo na versão final, as inconsistências apontadas se mantêm, tal qual apareciam na versão de 2010.”

O documento que nesta data está disponível on-line pode ser consultado na íntegra neste link, em que Nakashima destaca no “Diagnóstico” as páginas 94 (Parte 5: “Meio físico) e 468 (Parte 7: “Meio antrópico”).

Ele também ressalta que a pesquisa não se baseou exclusivamente na análise do plano de manejo. “A restrição e dificuldade para licenciamento de atividades agrícolas, mesmo as de caráter familiar, foram apontadas por moradores da região, em entrevista.”

Placa da área reclamada pela Associação Cabocla do Ribeirão dos Camargos – Foto: Marcelo Nakashima/Arquivo pessoal

Segundo Nakashima, em 2016 foi aprovada uma lei estadual que deixa brechas para a exploração privada na região de diversos parques paulistas, entre eles o Petar. Ele aponta que a extração de calcário já viria ocorrendo ao redor dos limites do parque por mineradoras, em áreas que deveriam ser preservadas porque fazem parte da zona de amortecimento. E diz que o novo manejo também deixa aberta a possibilidade de mineração nesta zona.

A população local, que inclui comunidades de origem quilombola, por outro lado, seria impedida de exercer suas atividades econômicas, o que agravaria ainda mais a condição socioeconômica dos moradores, condicionados a trabalhar nas mineradoras como mão de obra barata e muito dependentes dos programas sociais do governo. “Essas pessoas estão em uma espécie de vácuo jurídico que as impede de prosperar economicamente”, afirma o pesquisador.

Kátia Pisciotta discorda e afirma que a lei estadual das concessões, “em que pese ser uma normativa que causou polêmica em seu processo de aprovação, não permite a exploração mineral em parques estaduais, mesmo porque, tem de estar em consonância com a legislação superior do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que não autoriza qualquer uso direto dos atributos em unidades de conservação de proteção integral”.

O pesquisador diz não afirmar que a legislação autorize a exploração direta dos recursos do parque, mas que a legislação que permitiu a concessão dessas áreas tem uma redação dúbia que aparenta abrir essa possibilidade. E complementa: “a lei federal dispõe que parques são unidades de preservação permanente, mas há uma liberalidade a respeito da utilização das zonas de amortecimento. No momento em que o Plano de Manejo da unidade não faz restrições à atividade de mineração [na zona de amortecimento], deixa uma brecha aberta para que a atividade seja, na prática, regulamentada”.

Sobre a população, Kátia ressalta que no plano de manejo os moradores são várias vezes destacados, sendo que no capítulo de zoneamento, uma das subzonas da zona de recuperação se refere às atividades produtivas das comunidades residentes no interior do parque. “Há, inclusive, um fluxograma que descreve o caminho para solicitação e autorização de roças. Além disso, há, também, toda uma documentação gerada pelo gestor do parque, sobre os pedidos de roça realizados, atendidos e monitorados”, sugere ela.

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Turismo

O turismo deveria ser uma fonte de renda para as comunidades locais, mas se tornou ainda mais insuficiente para manter as famílias, na opinião de Nakashima, devido ao plano de manejo. Ele destaca que o complexo de cavernas abertas ao turismo foi reduzido para apenas 12, o que reduz o tempo de visita e a possibilidade de retorno dos turistas, pois é possível conhecer todas as cavernas em uma única viagem.

Para ele, os impactos dessa redução prejudicaram ainda mais a população, uma vez que havia toda uma estrutura para atender à demanda do turismo de aventura e que agora não atende às necessidades do turismo pedagógico, modelo de excursão que tem crescido muito na região. As pequenas pousadas não possuem espaço para acomodar uma turma de alunos, o que tem gerado uma concentração do mercado hoteleiro.

Sobre o aumento no número de cavernas abertas, a representante da Fundação Florestal esclarece que já foram elaborados 20 Planos de Manejo Espeleológico (PME), que incluem as 12 cavernas citadas. “A intenção é implantar todos os PME, com exceção de uma caverna avaliada como indicada apenas para pesquisa, mas não se trata de tarefa fácil”, diz ela.

Foto: Marcelo Nakashima/Arquivo pessoal

 

Desenvolvimento social

O Vale do Ribeira é historicamente uma das regiões mais pobres do Brasil que, curiosamente, se encontra entre as regiões metropolitanas de São Paulo e Curitiba, duas das mais ricas. Para Marcelo Nakashima, desde a demarcação da área do Petar e a aplicação das legislações de proteção ambiental, as pessoas que já moravam no território perderam a alternativa da agricultura de subsistência e de comercializar o excedente nas cidades locais.

Entrada da Caverna Água Suja – Foto: Marcelo Nakashima/Arquivo pessoal

Segundo o pesquisador, os programas de distribuição de renda tiveram um importante impacto no desenvolvimento local nos últimos anos. Somada ao ecoturismo, houve uma dinamização do comércio local, agora mais independente da produção agrícola. Além disso, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região aumentou significativamente, chegando perto da média nacional. Com o turismo debilitado e a impossibilidade de produzir produtos básicos, a população ficou ainda mais dependente dessas políticas.

O fim das lavouras levou à recomposição da vegetação original, anteriormente muito desmatada, mas afetou os moradores. Antes da legislação ambiental, eles realizavam mutirões de trabalho comunitário e depois faziam uma festa, na qual as pessoas socializavam, se divertiam e se conheciam. Esses eventos deixaram de existir, gerando um isolamento dos residentes do parque. “Uma das razões pelas quais os moradores gostam dos turistas é que eles proporcionam uma certa vida comunitária”, diz ele.

Conscientização

Nakashima relata que contato com pesquisadores de universidades brasileiras levou a população a conhecer melhor questões de raça e etnia, gerando uma conscientização e visão positiva de ser negro. O aumento da população que se autodeclara negra seria um dos testemunhos dessa transformação. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram um aumento significativo da população negra na região nos últimos 20 anos. Não só o entendimento de etnia mudou nesses anos: a leitura a respeito das cavernas também sofreu alterações.

Se você perguntar para populações mais velhas, elas vão dizer que as cavernas são perigosas. Já os mais novos entendem a caverna como uma nova forma de lazer, eles brincam nelas e cuidam para preservá-las.”

Estalactites da Caverna Alambari – Foto: Marcelo Nakashima/Arquivo pessoal

Para o geógrafo, as mudanças provocadas pela criação do Petar foram muitas, todas de grande impacto sobre o meio ambiente e as comunidades locais. Ele diz que ainda há muito a ser discutido, principalmente a respeito do que chama de contradições do plano de manejo e as formas de sustento dos residentes no parque. Fala ainda da necessidade de novas políticas sociais no local, uma vez que “se há interesse comum da sociedade que essas áreas sejam preservadas, a conta disso não pode recair na população local, que já é extremamente desfavorecida, e sim sobre toda a sociedade”.

Kátia Pisciotta questiona o fato de que o trabalho não cita as políticas já implantadas, como o ICMS ecológico. E reforça a discordância da da Fundação Florestal sobre existirem contradições do plano de manejo.

Na opinião de Marcelo Nakashima, porém, a questão do ICMS ecológico não ataca os principais problemas apontados por ele, “uma vez que o repasse desses recursos é para o município, sem que haja garantia de que as famílias atingidas pela restrição à exploração econômica das terras sejam diretamente compensadas”, diz.

A pesquisa de doutorado O PETAR: geografia, contradições e desenvolvimento, de Marcelo Nakashima, está disponível no Portal de Teses e Dissertações da USP.

Mais informações: e-mail mrnakashima@gmail.com, com Marcelo Nakashima

*Texto alterado em 07/11/2018 para retificação de informações incorretas da matéria, por solicitação do pesquisador, além de inclusão de respostas e esclarecimentos a pedido da Fundação Florestal 


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