Experimento registrou em imagens a trajetória de átomos individuais

O estudo foi realizado na Universidade de Michigan, Estados Unidos, e teve a participação de um pesquisador da USP em São Carlos

 28/06/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 29/06/2016 as 17:03
No interior de uma câmara de ultra-alto-vácuo, os átomos são aprisionados por uma armadilha magneto-óptica e fortemente excitados por um pulso de laser. Recebem, em seguida, um pulso elétrico muito forte, projetado pela ponta de uma agulha (TIP). E são arremessados de encontro a um detector (MCP), resultando uma série de imagens (imagem: Detalhe de ilustração do artigo publicado em Physical Review Letters)
No interior de uma câmara de ultra-alto vácuo, os átomos são aprisionados por uma armadilha magneto-óptica e fortemente excitados por um pulso de laser. Recebem, em seguida, um pulso elétrico muito forte, projetado pela ponta de uma agulha (TIP). E são arremessados de encontro a um detector (MCP), resultando uma série de imagens – Imagem: detalhe de ilustração do artigo publicado em Physical Review Letters

Um experimento realizado no Departamento de Física da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, monitorou a trajetória de átomos individuais e registrou suas imagens. O estudo foi realizado pelo doutorando brasileiro Luís Felipe Gonçalves, sua colega tailandesa Nithiwadee Thaicharoen e o supervisor de ambos, Georg Raithel. Artigo a respeito, assinado pelos três pesquisadores, foi publicado na revista Physical Review Letters: Atom-Pair Kinetics with Strong Electric-Dipole Interactions.

Gonçalves está concluindo seu doutorado no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP com bolsa da Fapesp e estagiou em Michigan também com apoio da fundação.

Um resultado notável do estudo foi a obtenção experimental do valor numérico do parâmetro da interação dipolar entre dois átomos, utilizando imagens da distribuição atômica. Esse parâmetro descreve o quanto a energia de um átomo varia em função da distância em relação a outro átomo próximo. Para o material considerado, o rubídio (Rb), no estado excitado escolhido, o valor teórico, medido em joules vezes metros cúbicos (J.m3), é de 3,72 x 10-42. O experimento permitiu chegar ao número (3,3 ± 1,8) x 10-42.

“Foi uma medida direta do parâmetro. E também a primeira visualização, por meio de imagem, dessa interação entre dois átomos. Observamos, experimentalmente, que essa interação é de fato anisotrópica, isto é, depende da posição relativa dos átomos”, disse Gonçalves à Agência Fapesp.

O experimento foi realizado com átomos de rubídio no interior de uma câmara de ultra-alto vácuo. Aprisionados por uma armadilha magneto-óptica, constituída por três feixes de laser ortogonais e um campo magnético externo, dezenas de milhões de átomos, em seu estado fundamental, foram aprisionados em uma região esférica, com aproximadamente um centímetro de diâmetro, na intersecção das três linhas de luz.

Nesse conjunto, de dezenas de milhões, um pulso de laser excitou um número muito menor de átomos, levando-os do estado fundamental ao chamado estado de Rydberg, assim denominado em homenagem ao físico sueco Janne Rydberg (1854 –1919). Esse estado fortemente excitado corresponde a uma situação na qual, devido ao aporte de energia externa, os elétrons são deslocados para as camadas mais externas do átomo, mas ainda não se desprendem dele. Até esse ponto, não houve ionização, portanto.

“Nos estados excitados, esses átomos se tornam muito interagentes. E, nesse estado específico, chamado de ‘50S’, a interação é isotrópica e repulsiva. Uma explicação bastante simplificada é dizer que isso acontece porque os elétrons mais externos se distribuem com igual probabilidade em todas as direções. Devido à repulsão eletromagnética das cargas negativas dos elétrons, os átomos se repelem, mas o fazem de forma isotrópica, isto é, independentemente da direção espacial. Para levar o experimento adiante, o próximo passo foi aplicar um campo elétrico sobre o conjunto”, afirmou o pesquisador.

O campo elétrico externo polarizou cada átomo excitado, fazendo com que os elétrons mais externos se concentrassem, com maior probabilidade, em uma certa região da camada externa. Assim, embora em seu conjunto o átomo seja eletricamente neutro, uma vez que as cargas positivas do núcleo contrabalançam as cargas negativas dos elétrons, ele passa a se comportar em seu interior como um dipolo elétrico. Algo parecido como um pequeno ímã, com um polo positivo, formado pelo núcleo, e um polo negativo, formado pela região de concentração da nuvem eletrônica.

“Tomamos o cuidado de aumentar a intensidade do campo elétrico muito gradativamente, de modo a produzir uma transformação adiabática, isto é, sem mudança de estado atômico”, acrescentou Gonçalves.

Uma vez polarizados, os átomos passaram a interagir de forma anisotrópica, atraindo-se ou repelindo-se de acordo com sua posição relativa – mais precisamente, de acordo com o ângulo formado pela direção do campo elétrico externo e o eixo internuclear. “Quando o eixo de polarização dos átomos, que tem a mesma direção e sentido do campo elétrico, se alinha ao eixo internuclear, eles passam a se atrair uns aos outros. E se repelem quando o campo é aplicado na direção ortogonal”, descreveu o pesquisador.

Propelidos pela atração ou repulsão elétricas, os átomos puderam evoluir ao longo do tempo no interior da armadilha. Até o instante em que um pulso elétrico muito forte, projetado pela ponta de uma agulha, localizada cerca de 400 micra abaixo da amostra, ionizou os átomos, arrancando os elétrons mais externos e arremessando os íons ao encontro de um detector. “Esse detector possui uma tela de fósforo que apresenta fluorescência a cada vez que é percutida. Assim uma série de imagens, mostrando a posição de cada átomo, foi gerada”, explicou Gonçalves.

Ao ser lançado, o feixe de íons se espalha, de modo que a distância entre dois átomos aumenta. Na armadilha, ela é da ordem de poucos micra. Ao incidir no detector, já é da ordem de milímetros. Essa divergência é controlada e pode ser medida. “Medindo as distâncias de todos os íons, dois a dois, obtivemos, para cada disparo, um conjunto de valores para as coordenadas x e y. E convertemos cada par de valores em um ponto de uma matriz bidimensional de correlação. Cada quadro da matriz corresponde a cerca de 5 mil imagens registradas pelo detector. Quadros sucessivos, gerados a intervalos de tempo de 2 microssegundos, permitiram observar a evolução das interações ao longo do tempo”, continuou.

A diferença de padrão dos quadros gerados quando os íons se atraem ou repelem mostrou que a interação é de fato anisotrópica. Foi a primeira vez que se obteve uma imagem, no nível atômico, deste efeito. E a medição da evolução das distâncias possibilitou calcular numericamente o valor do parâmetro de interação, confirmando o valor teórico. Analogamente ao que acontece quando se espalha limalha de ferro sobre uma folha de papel e se coloca por baixo da folha uma barra imantada, possibilitando a visualização das linhas de força do campo magnético, este experimento, com procedimentos muito mais sofisticados, permitiu, de certa forma, visualizar o ordenamento espacial de partículas devido à aplicação de um campo elétrico externo.

Nesta animação, apenas o caráter repulsivo da interação é observado. O aumento da distância interatômica média reflete-se no aumento do diâmetro do disco. A sequência permite extrair o parâmetro de interação (animação produzida pelo pesquisador)

José Tadeu Arantes /Agência Fapesp


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