Mostra contextualiza a corrupção que derrubou Collor

Centro Universitário Maria Antonia da USP expõe ilustrações de Laura Cardoso que denunciaram a corrupção no País

 14/12/2017 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 15/12/2017 as 16:57
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Ilustração de Laura Cardoso criada na década de 1990, denunciando o descaso com o País – Reprodução

Quem acompanhou ou participou das passeatas dos “caras-pintadas” que resultaram no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello vai se lembrar dos desenhos que bem ilustravam a coluna do jornalista político Marcos Sá Corrêa na revista Veja. Ilustrações que atraíam o leitor pela crítica severa, mesclada com um tom forte de ironia e humor. Esses desenhos que também surpreendiam pela qualidade estética e criatividade são da artista Laura Cardoso Pereira. Desde o dia 8 de dezembro, estão expostos, com a curadoria da artista e de Carlos Augusto Rossi de Almeida, no Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma) da USP, na mostra Era 90. Era?

O ex-presidente e a exibição no jet ski – Reprodução

A geração estudantil dos “caras-pintadas”, a dos anos rebeldes e a atual (ainda sem nome definido) vão se surpreender quando virem a mostra, que tem entrada franca. Com exceção de algumas charges, como a de Collor com seu jet ski sobre um mar decorado com a bandeira do Brasil ou o retrato do ex-presidente caindo da moldura aos pedaços, o público vai ficar em dúvida. Será que são ilustrações recentes?

O Brasil na crise política, econômica e social: jogo difícil – Reprodução

“Parecem, mas não são”, confirma a artista. “Elas foram publicadas originalmente na década de 1990.” Foi exatamente para mostrar que o tempo passou mas a corrupção continua na desordem do dia que Laura Cardoso Pereira, paulista de Araçatuba, decidiu resgatar as ilustrações.

A corrupção tem sido o principal motor da política brasileira.”

Os desenhos ficaram arquivados no ateliê de Laura. “São mais de 100 ilustrações. Porém, selecionei 64, todas produzidas na década de 1990. Duas, excepcionalmente, foram publicadas na coluna do jornalista Elio Gaspari, que revezava com Marcos Sá Corrêa na seção Política”, explica. “O motivo de apresentar esse trabalho arquivado há 26 anos é o contexto político e social que o País atravessa. A corrupção tem sido o principal motor da política brasileira.”

Entre os painéis, a artista criou uma instalação. Um terno preto, gravata preta e uma camisa branca estão em um cabide pendurado por um fio no teto. Ficam na frente de duas cortinas nas cores verde e amarela. Notas de R$ 100,00 saem dos bolsos da calça e do paletó. A artista produziu a fantasia do poder e da corrupção. A montagem recente dialoga com os desenhos, que são uma crítica contra a lavagem e o desvio do dinheiro público.

Ilustrações que discutem a corrupção, o abuso do poder e a lavagem de dinheiro – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

Além de estimular a reflexão sobre a história da corrupção  – ou, como define Marcos Sá Corrêa no título de um artigo, “A grande maracutaia”, ilustrado pela artista -, a exposição Era 90. Era? resgata a arte dos ilustradores, sem a ajuda dos softwares. “A coluna era quinzenal e ficava num caderno da revista que rodava às 7 horas da manhã de sexta-feira. Na quinta-feira à tarde, entre 13h e 15h, o colunista Marcos me passava só um briefing do texto que iria escrever. Eu precisava entregar a ilustração pronta no máximo até as 5 horas da madrugada de sexta, para que ela fosse fotografada e colocada na página que iria ser impressa dali a pouco”, conta. “Com o mote da coluna definido, começava a pensar o que iria fazer e que tipo de material, como tecidos e objetos, entre outros, eu empregaria nas colagens para destacar os pontos importantes do artigo. Essa ‘produção’ precisava ser rápida, porque, dependendo do que eu fosse usar, tinha de sair para comprar e o comércio, claro, não ficava aberto durante a noite.”

Sinto-me honrada de estar em um espaço que é um símbolo da resistência à ditadura.”

Laura conseguia criar em 3D sobrepondo objetos sobre o desenho feito em aquarela e pastel seco. Inventava a técnica. “Eu não tinha as facilidades digitais de hoje.” A criatividade e irreverência, no entanto, são as ferramentas da artista. “Sinto-me honrada de estar neste espaço da USP, no Centro Universitário Maria Antonia, que é um símbolo da resistência à ditadura e, ao mesmo tempo, de repúdio aos políticos que não priorizam o Brasil.”

Com esses desenhos que se apresentam depois de mais de duas décadas, a artista Laura Cardoso Pereira está de volta buscando o seu espaço no universo da arte. Tem projetos de várias exposições com telas a óleo, gravuras, ilustrações que refletem sobre a sociedade contemporânea. “Pretendo agora me dedicar à preparação de uma exposição sobre a condição da mulher, um tema presente no meu trabalho desde o início da minha carreira.”

Laura Cardoso: projetos que mostram a realidade do País – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

Laura Cardoso fez sua primeira exposição individual em 1982, dentro da mostra Sanidade e Loucura, montada na Faculdade de Medicina da USP. Continuou sua carreira como grafista em videotexto nas equipes da Abril Cultural, Varig e Rede Globo, sendo selecionada para integrar 1ª Mostra Nacional de Grafismo em Videotexto, realizada no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Fez ilustrações para diversas revistas e editoras, entre elas a Editora da USP (Edusp).

Era 90. Era?, exposição apresentada no Centro Universitário Maria Antonia da USP, prédio Rui Barbosa, Rua Maria Antonia 294, 1º andar, Vila Buarque, em São Paulo. De terça a domingo e feriados, das 10 às 18 horas. Entrada franca. A mostra fica em cartaz até 18 de fevereiro de 2018.


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