Peça de teatro mostra Bach “mais humano”

Obra apresenta o diálogo entre dois filhos do músico alemão – Wilhelm Friedemann e Johann Christian Bach – sobre as frustrações e angústias causadas pela rigorosa educação musical imposta pelo pai e pela pressão de ser herdeiro do maior compositor barroco

 07/06/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 08/06/2016 as 18:38
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Pedro Ometto e Fabio Visconde - Foto: José Carlos Marino Maron
Os atores Pedro Ometto e Fábio Visconde, que interpretam os filhos de Bach em peça de Paulo Maron – Foto: José Carlos Marino Maron

Dez anos depois da morte do compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750), dois de seus filhos, Wilhelm Friedemann Bach e Johann Christian Bach – também músicos –, se reencontram e começam a conversar sobre o legado do pai. Nesse diálogo, eles revelam, com amargura, as angústias provocadas por uma educação musical rigorosa e pelo peso de trazer o sobrenome daquele que viria a ser considerado o maior compositor de todos os tempos. É assim que transcorre a peça O Copista de Bach, nova montagem do Núcleo Universitário de Ópera (NUO) – Ópera Laboratório, companhia fundada em 2003 pelo maestro, compositor e cenógrafo Paulo Maron, coordenador – ao lado da professora Marilia Velardi – do grupo de estudos sobre corpo e arte Ecoar, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

Pedro Ometto e Fabio Visconde - Foto: José Carlos Marino Maron
Os atores Pedro Ometto e Fábio Visconde, durante ensaio da peça O Copista de Bach – Foto: José Carlos Marino Maron

Escrita e dirigida por Maron, O Copista de Bach reconstitui os dramas e traumas sofridos pelos filhos de Bach, que cresceram sob a forte pressão exercida pelo pai para que se tornassem músicos. Na peça, Bach é retratado como um pai provedor e presente na vida familiar, mas, ao mesmo tempo, severamente rigoroso na formação musical dos filhos, fazendo surgir as frustrações e mágoas que acompanharão Wilhelm Friedemann e Johann Christian pelo resto de suas vidas. “A minha intenção foi humanizar Bach, que, como acontece com todos os grandes gênios, muitas vezes é visto como uma figura sem defeitos”, explica Maron, que, em sua obra, mistura fatos históricos e ficção, na tentativa de traçar o perfil de Bach mais próximo possível da realidade. Para isso, ele se utilizou principalmente da obra do teólogo, médico e músico teuto-francês Albert Schweitzer (1875-1965), estudioso de Bach e autor de J. S. Bach, Le Musician-Poète.

O rigor de Bach com os filhos, somado ao peso de uma herança musical de qualidade extraordinária, gerou resultados contraditórios. Friede – como Bach chamava carinhosamente seu filho mais velho, para quem escreveu e dedicou o Clavierbüchlein (“Livrinho de Teclado”) e em quem depositava grandes esperanças na música –, apesar de possuir enorme talento como compositor e violinista, largou seu emprego como organista em Halle, tornou-se alcoólatra, abandonou a família e terminou seus dias na miséria, como um mendigo, em 1784. “Ser o primogênito de Bach foi um peso que ele não conseguiu sustentar”, destaca Maron.

Ser o primogênito de Bach foi um peso que Friedemann não conseguiu sustentar

Já Johann Christian, que aos 12 anos de idade recebeu a incumbência de passar a limpo as partituras do pai – daí o nome da peça –, tornou-se músico de sucesso em Londres, na Inglaterra, onde viveu por 20 anos, até sua morte, em 1782, mas depois caiu em esquecimento. Curiosamente, aponta Maron, o filho que Bach achava menos talentoso e não considerava capaz de fazer carreira musical, Carl Philipp Emanuel Bach, foi justamente um dos maiores compositores alemães da segunda metade do século 18 e o que mais contribuiu para o surgimento do classicismo. “Não existiriam Haydn e Mozart sem Carl Philipp”, diz Maron.

Na peça, que tem um ato apenas, os diálogos entre Friedemann (interpretado pelo ator Fábio Visconde) e Johann Christian (vivido por Pedro Ometto) são intercalados por trechos de algumas das grandes obras de Bach, como a Missa em Si Menor (BWV 232) e a Paixão Segundo São Mateus (BWV 244), executados pelos solistas, coro e camerata do NUO. Num dos momentos marcantes da obra, Friedemann e Johann Christian se questionam se devem perdoar o pai pelos traumas e frustrações que sua rigorosa educação musical proporcionou a eles. Nesse instante soa a ária “Erbarme dich, mein Gott” (“Compadece-te, meu Deus”), da Paixão Segundo São Mateus. Quando ela termina, os dois sofridos filhos de Bach concordam: sim, a pessoa que fez uma música tão maravilhosa como essa merece ser perdoada.

A peça inclui ainda uma ária da cantata sacra Lass, Fürstin, lass noch einen Strahl, “Lança, Princesa, lança ainda um raio” (BWV 198), e é concluída com uma versão cênica da cantata secular Was mir behagt, ist nur die muntre Jagd, “O que me agrada é só a alegre caça” (BWV 208), conhecida como Cantata da Caça. Os figurinos são assinados por alunos do curso de Têxtil e Moda da EACH.

O corpo como lugar

O Copista de Bach não busca apenas trazer a público aspectos da vida privada dos Bach. Mais do que isso, a peça é uma ocasião para os experimentalismos do NUO, que se relacionam com as pesquisas do grupo de estudos Ecoar, da EACH. Segundo a professora Marilia Velardi – coordenadora do grupo, com Paulo Maron –, essas pesquisas estão ligadas à preparação do corpo para a encenação em ópera. Baseada nas ideias do pedagogo e escritor russo Constantin Stanislavski (1863-1938), Marilia explica que o corpo é visto não como um instrumento – como acontece na ópera tradicional –, mas como o local em que a cena e o canto acontecem. O corpo tem tal participação no espetáculo teatral ou operístico que o texto deve ser uma consequência do movimento corporal. “O corpo expressa algo.” No caso de O Copista de Bach, é antes pelo corpo e seus movimentos que se expressam os sentimentos de Wilhelm Friedemann e de Johann Christian e a música do coro. “É um trabalho amadurecido”, diz Marilia sobre a peça. “Fiquei muito satisfeita com ele.”20160607_04_Bach


A peça O Copista de Bach, de Paulo Maron, encenada pelo Núcleo Universitário de Ópera (NUO) – Ópera Laboratório, será apresentada nos dias 11, 12, 18, 19, 25 e 26 de junho (sábados, às 20h30, e domingos, às 18 horas), no Espaço Núcleo (rua Belas Artes, 135, Ipiranga, em São Paulo, Metrô Alto do Ipiranga). Entrada: R$ 25,00. Os convites podem ser reservados na página do NUO no Facebook (www.facebook.com/nucleodeopera).

 


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