Crises climáticas como as do Sul global são pouco abordadas pelo cinema de desastre

Filmes de catástrofes ambientais podem ser ferramentas de conscientização, mas presença de problemas relacionados aos brasileiros é baixa

 Publicado: 22/05/2024
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Resgate de vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. Problemas como estes, do Sul global, são pouco representados no cinema – Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
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Desde tsunamis e terremotos catastróficos até o fim do mundo, o cinema é responsável, muitas vezes, por abordar os impactos de algumas crises ambientais de forma espetacular, impactante visualmente. Apesar dos exageros dos blockbusters americanos, os filmes podem estimular a conscientização e favorecer a divulgação científica de problemas climáticos emergentes, mas tragédias comuns no Hemisfério Sul do planeta ainda são pouco representadas.

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É o que aponta a pesquisadora Suellyn Emerick, mestre em Divulgação Científica e Cultural pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Os desafios climáticos são, basicamente, sociais. Existe um descaso com o Sul global, em relação aos desafios das mudanças climáticas, no que se refere ao desastre”, contextualiza a pesquisadora, que enxerga, nos Estados Unidos, uma fetichização pela Era do Gelo e a preferência por eventos como furacões e tempestades de neve. “Para a gente, aqui no Brasil, realmente isso reflete pouco”, analisa. 

Para Suellyn, enquanto filmes hollywoodianos muitas vezes optam por cenários de desastres gelados e eventos catastróficos de larga escala, como O Dia Depois de Amanhã, de 2004, considerado pelos pesquisadores da área como um marco recente da ficção climática, produções do Sul global devem destacar desafios mais próximos da realidade local, como inundações urbanas e problemas sociais decorrentes das mudanças climáticas.

As preocupações mais próximas aos brasileiros e que são pouco representadas no audiovisual, de acordo com a pesquisadora, são aquelas em torno de deslizamentos de terra, chuvas intensas e enchentes, tragédias recorrentes no País, como a do Rio Grande do Sul, onde a escala da devastação causada pelas enchentes, em 2024, deixa centenas de mortos e milhares de desabrigados, além de situações nos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, por exemplo, nos últimos anos. São cenários em que a abordagem não é inexistente nas telonas, afirma Suellyn, mas raríssima, citando exemplos como Parasita, do sul-coreano Bong Joon-Ho, que, apesar de asiático, recebeu grande prestígio da academia de cinema estadunidense em premiações como o Oscar.

Cinema pode conscientizar 

Para o professor especialista em Educação em Ciências, Danilo Seithi Kato, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, as histórias contadas no cinema podem ir além do entretenimento, emergindo como uma ferramenta de educação ambiental crítica que conscientiza sobre questões climáticas e socioambientais. 

Suellyn Emerick – Foto: Currículo Lattes

“Eles são uma representação dos nossos medos. Sempre que nós estamos diante de uma situação mundial delicada, os filmes de desastres são lançados em maior quantidade”, observa Suellyn, relembrando o histórico do cinema em épocas como os conflitos do século 20, a tensão nuclear e, atualmente, as crises climáticas. Em um contexto brasileiro, a pesquisadora aponta a possibilidade de trabalhar, na educação, as perspectivas científicas e sociais das crises climáticas, mesmo com os pontos ficcionais da narrativa cinematográfica.

Contudo, para repensar os processos educacionais, é essencial valorizar as vozes e perspectivas muitas vezes invisibilizadas pela sociedade, segundo Kato. “Pensar a narrativa cinematográfica é pensar a contação de histórias, seja de base ficcional ou documental, de forma a não só denunciar algumas questões de crises e crimes socioambientais, mas também a realidade sociocultural dos povos”, afirma.

Em uma perspectiva decolonialista, descentralizada do pensamento norte-americano e europeu, complementa Kato, a educação em ciências também pode se tornar “uma lente e o olhar daquele povo, cultura e cosmovisões geralmente silenciadas”, com a colaboração de comunidades de povos originários e quilombolas nas narrativas cinematográficas. 

Temas climáticos no cinema brasileiro têm pouca visibilidade

O professor, que é responsável pelo Grupo de Estudo e Pesquisa Interculturalidade e Educação Científica (GPIC), na FFCLRP, destaca que existem produções brasileiras, principalmente curtas e documentários, que abordam a temática das mudanças climáticas, mas que geralmente não alcançam a mesma visibilidade das produções estrangeiras. Nesse cenário, Suellyn acredita que mesmo a narrativa de filmes de desastre de grandes orçamentos, como os produzidos nos Estados Unidos, pode ser aproveitada para conscientização. 

Danilo Kato – Foto: Reprodução/UFTM

“No Brasil, nós não temos essa tradição com a produção desses filmes. Então há um atraso, uma escassez de pesquisas na academia sobre o assunto”, destaca a pesquisadora, que vê falta de análises acadêmicas como as produzidas pelo geógrafo norte-americano Anthony Leiserowitz, da Universidade de Yale, que estuda o impacto dos filmes de desastre na percepção pública das mudanças climáticas.

Assim, em meio aos desafios, há necessidade de uma maior representação e circulação de produções brasileiras que abordem os desafios climáticos, acredita Suellyn, ampliando o debate e contribuindo para uma maior conscientização da população sobre a urgência de agir diante das mudanças climáticas. “Seria muito interessante utilizar esses filmes para aproximar mais as pessoas das imagens”, propõe. 

 

*Estagiário sob supervisão de Ferraz Júnior 


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