O campus da USP em Ribeirão Preto inaugura ainda este ano o Centro de Pesquisas em Canabinoides, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). O local será para pesquisa e desenvolvimento de medicamentos contendo canabinoides, substâncias derivadas da maconha, nome popular da planta Cannabis sativa.
O projeto, inédito no Brasil, é resultado de parceria entre a USP e a indústria farmacêutica Prati-Donaduzzi. O centro vai funcionar numa ampliação do prédio da Saúde Mental da FMRP e já tem aprovado estudo clínico – investigação em seres humanos – sobre o uso do canabidiol (CBD), um dos primeiros canabinoides descrito cientificamente. O teste será realizado em mais de 120 crianças e adolescentes com epilepsia refratária.
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O professor Antonio Waldo Zuardi, do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP e coordenador do novo centro, diz que o espaço reunirá os trabalhos do grupo de pesquisa de Ribeirão Preto com alas destinadas ao estudo básico de laboratórios e à pesquisa clínica com pacientes e voluntários saudáveis.
Atualmente, a comunidade científica vem creditando ao CBD grandes possibilidades terapêuticas, com muitas pesquisas em fases pré-clínicas (testes em laboratórios). Doença de Parkinson, epilepsia resistente a tratamentos e esquizofrenia estão entre as enfermidades que “possuem ensaios clínicos em pacientes, porém ainda precisam de estudos com maior número de pacientes para que o canabidiol possa ser registrado como medicamento pelas agências reguladoras”, conta Zuardi.
Com a criação desse centro, o professor espera que se aumente os estudos colaborativos e os pesquisadores possam levar rapidamente resultados desses conhecimentos para a sociedade, “com redução de sofrimento e melhora da qualidade de vida de pacientes e suas famílias”.
Do bolo de maconha ao tratamento de epilepsia
As pesquisas com o canabidiol começaram com um “experimento gastronômico”, no início dos anos 1960, quando o bioquímico israelense Raphael Mechoulam resolveu testar seus achados. Mechoulam, que havia elucidado estruturas químicas de vários compostos da maconha, testou em seus amigos os efeitos de cada substância misturada à massa de bolos preparados por sua esposa.
Foi então que Mechoulam observou que apenas os convidados que ingeriram bolo com a substância THC (tetrahidrocanabinol) apresentaram os efeitos típicos da droga. “Ficaram chapados”, na linguagem popular. No entanto, a ação farmacológica antiepilética do canabidiol seria descoberta pelo cientista brasileiro Elisaldo Carlini, na década de 1970, e confirmada em humanos, em 1980.
Essas descobertas “ficaram adormecidas por muitos anos” até que foi resgatada, principalmente pelos esforços do professor Zuardi e sua equipe da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto que há quase 40 anos pesquisa o CBD e é o grupo brasileiro com maior número de publicações sobre a droga..
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Quem conta essa história do canabidiol é professor da FMRP José Alexandre Crippa. Ele faz parte do grupo de pesquisas sobre o canabidiol da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e é vice-coordenador do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia Translacional em Medicina (INCT-TM), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O grupo de estudos sobre o CBD da USP em Ribeirão Preto integra o INCT-TM, que é coordenado pelos professores Jaime Hallak, também da FMRP e Flavio Kapzinski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Com estudos sobre o canabidiol, eles estão colocando o Brasil na vanguarda das pesquisas sobre o potencial terapêutico desse e outros derivados da maconha.
Os recentes resultados de estudos feitos pela equipe de Ribeirão Preto e de outros pesquisadores ao redor do mundo mostram benefícios do CBD, principalmente, no tratamento de epilepsia infantil, nos casos que não respondem aos medicamentos tradicionais. Esses dados colaboraram para que a considerada “substância proibida” entrasse na lista de medicamentos de uso controlado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão federal responsável pela aprovação de novos remédios no País.
Segundo Crippa, com a recente renovação pelo CNPq do projeto do INCT-TM, as pesquisas com as substâncias derivadas da maconha contam agora com oito centros e 18 sub-centros de estudos espalhados pelo Brasil e exterior. Os recursos investidos representam “uma das maiores iniciativas mundiais, integrando a pesquisa básica e clínica com o CBD, com outros canabinoides e outros compostos com potencial terapêutico.”
Rita Stella